21.2.18

Há mais tráfico e mais escravos em Portugal mas não há plano de combate

por André Silva, in Revisa Sábado

Se todos estamos de acordo sobre a prioridade da prevenção e combate ao tráfico de seres humanos, todos estaremos de acordo sobre a preocupante inexistência de um Plano Nacional de Prevenção e Combate que sirva de suporte e directriz a um Estado de Direito

Em pleno século XXI, os dados apresentados pelo relatório do Índice Global da Escravatura (IGE) 2016, publicado pela Walk Free Foundation, apontam para a existência de quase 13.000 pessoas escravizadas em território português. De acordo com o relatório da consultora Verisk Maplecroft, Portugal figura entre os 20 países europeus onde aumentou o risco de escravatura moderna em 2017, sendo sublinhada a inoperância das autoridades que deveriam fiscalizar o cumprimento das leis laborais, a par do aumento do trabalho temporário e dos relatos de servidão e tráfico humano, que colocam o país na categoria de risco médio de escravatura moderna. O Relatório Anual de Segurança Interna de 2016 também identificou um fenómeno de crescimento no que concerne a presumíveis vítimas de tráfico de seres humanos, registando-se um acentuado aumento de 35,6% de casos.

O último documento oficial conhecido sobre esta matéria, o III Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos, 2014-2017, reconhece que "existem países em que se acentuou a tendência do tráfico para exploração laboral, como é o caso de Portugal, já que nos últimos dois anos, segundo dados do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, as situações de tráfico para exploração laboral foram referenciadas em número superior às situações de tráfico para exploração sexual." Acontece que este Plano cessou a respectiva vigência a 31 de dezembro de 2017 e agora existe um vazio nesta matéria.

O leite é desumano

Um cidadão informado não bebe leite

Se todos estamos de acordo sobre a prioridade da prevenção e combate ao tráfico de seres humanos, todos estaremos de acordo sobre a preocupante inexistência de um Plano Nacional de Prevenção e Combate que sirva de suporte e directriz a um Estado de Direito.

Têm sido denunciadas situações preocupantes no Alentejo, sobretudo no que respeita à falta de mecanismos adequados para a contratação de mão-de- obra para colmatar as necessidades de novos empreendimentos agrícolas, sendo que muitos dos trabalhos são realizados, na sua grande maioria, por cidadãos estrangeiros, que são parcamente remunerados e estão sujeitos a condições de trabalho e de alojamento desumanas.

Também às portas de Lisboa, no Rio Tejo, cerca de mil cidadãos estrangeiros, entre os quais se encontram menores, são controlados por redes organizadas para a actividade de apanha de bivalves e sujeitos a agressões, furtos, falsificações, fraude fiscal, atentados à saúde pública, exploração laboral e suspeitas de tráfico humano. A acumulação de indícios da existência de uma estrutura organizada de âmbito transnacional e a multiplicação de crimes conexos – furto de embarcações e motores, furtos de botijas de oxigénio hospitalar, posse ilegal de armas ilegais, exploração laboral, tentativas de homicídio – levaram os Serviços de Informação e Segurança (SIS) a elaborar, em Maio do ano passado, um relatório de análise de risco, entregue ao Primeiro-Ministro António Costa e a organismos judiciais, órgãos de polícia criminal e entidades implicadas no fenómeno.

Ao contrário do que se possa pensar, a estas pessoas que nos chegam oriundas de contextos socioculturais extremamente desequilibrados, muitas vezes a viverem na pobreza absoluta, não lhes chega qualquer coisa. E também não são danos colaterais para dar resposta às necessidades de produção. Em causa está a dignidade da pessoa humana que aguarda pelo
novo Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos.