AFP, Helena Geraldes, in Público on-line
As alterações climáticas são uma “questão de vida ou de morte” para os países mais pobres, desde África às pequenas ilhas do Pacífico, que pedem solidariedade internacional, disse hoje o Presidente da África do Sul no arranque de duas semanas da conferência da ONU para as Alterações Climáticas, em Durban.
“Várias regiões do mundo têm visões diferentes sobre o aquecimento global simplesmente porque são afectadas de formas diferentes. Mas para a maioria dos povos em desenvolvimento, esta é uma questão de vida ou de morte”, declarou Jacob Zuma, Presidente da África do Sul na cerimónia de abertura da COP17 (17ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU para as Alterações Climáticas).
Zuma lembrou as inundações especialmente intensas na África do Sul, a frequência dos furacões ao longo da costa do Golfo do México, os refugiados na Somália e Quénia e, especialmente, a situação das ilhas Kiribati. “Este tornou-se no primeiro país a declarar que as alterações climáticas estão a tornar o seu território inabitável e pediu ajuda para de lá retirar os seus habitantes”, lembrou Zuma. Além disso, as quebras previstas na produção agrícola em África “estão a causar conflitos entre povos que durante séculos têm vivido em paz”.
Também Idriss Déby, Presidente do Chade, disse que o continente africano “está a sentir, de forma muito especial, os impactos negativos que colocam em risco a sobrevivência das suas populações”. De momento, as alterações climáticas “estão a abrandar o crescimento dos nossos países”. Ainda assim, lembrou, vários países africanos “são o último bastião na luta contra o avanço galopante do deserto” e referiu o desaparecimento do Lago Chade – hoje 10% da sua superfície original – e as ameaças às florestas da Bacia do Congo.
Déby salientou a importância de chegar a acordo sobre uma maior solidariedade internacional. “Os países industrializados esperam muito das florestas africanas para captar os gases com efeito de estufa das suas fábricas. Por isso é lógico que ajudem a financiar os países africanos, para o seu desenvolvimento e garantir a sua sobrevivência”, declarou.
O Presidente do Chade pediu “soluções concretas de solidariedade” e um plano baseado na adaptação, mitigação, ajuda ao financiamento, transferência de tecnologia e uma visão partilhada de como combater as alterações climáticas. “A CO17, a última conferência de um período de promessas não cumpridas [2008-2012 era o período de cumprimento do Protocolo de Quioto], deve ser uma oportunidade para decisões ambiciosas”.
Jacob Zuma acredita que, “com uma liderança forte, nada será impossível aqui em Durban nas próximas duas semanas”.
São 183 os países que participam nesta conferência da ONU que começou hoje e termina a 9 de Dezembro. O segmento ministerial começará a 6 de Dezembro. O futuro do Protocolo de Quioto - o único tratado internacional que impõe objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa a mais de 40 países industrializados – deverá ser a questão chave, juntamente com outras como o financiamento aos países mais vulneráveis. Quioto expira no final de 2012 e ainda não há nenhum sucessor.
Os principais dossiers na mesa das negociações
Futuro do Protocolo de Quioto:
Os países em desenvolvimento defendem o alargamento do período de cumprimento de Quioto, em vigor desde 2005, depois de um primeiro período de compromisso (2008-2012). Ainda assim, Quioto deixa de fora países como os Estados Unidos e a China, os dois maiores emissores de dióxido de carbono (CO2) do planeta.
Vários países industrializados – como o Japão, Rússia e Canadá – opõem-se a novos compromissos no âmbito do protocolo. A União Europeia parece hoje estar isolada na vontade de manter vivo um tratado que apenas cobre cerca de 30% das emissões globais. Todd Stern, enviado dos Estados Unidos à conferência, disse na semana passada que "Quioto não está na mesa de negociações para os Estados Unidos"; em vez disso, defendem que o processo se deve "abrir e integrar todas as maiores economias".
Quadro jurídico mais abrangente a médio prazo:
Em troca de um segundo período de compromisso de Quioto, a União Europeia defende que a conferência de Durban permita encontrar as bases para um plano de acção que inclua todas as grandes economias – Estados Unidos e China à cabeça – para adoptar um compromisso “vinculativo” global que poderá ser assinado em 2015 ou 2020.
A Austrália e a Noruega também apresentaram uma proposta nesse sentido. A posição dos Estados Unidos e da China será determinante.
Que financiamentos?
Em Copenhaga, em 2009, os países industrializados comprometeram-se a mobilizar cem mil milhões de dólares (75,4 mil milhões de euros) por ano até 2020 para os países mais pobres. Esse Fundo Verde Climático foi criado em Cancún no ano passado mas, segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, corre o risco de ficar “vazio”. Recentemente os Estados Unidos apresentaram dúvidas sobre a questão da “personalidade jurídica” deste Fundo, preferindo que ele fosse ligado a organismos já existentes, como o Banco Mundial.
Durban não deverá permitir grandes avanços sobre as fontes possíveís de donativos. Em cima da mesa estão ideias como impostos sobre os transportes aéreos e marítimos ou sobre transacções financeiras.
Mais premente parece ser a questão dos montantes que poderão ser postos em cima da mesa pelos países ricos a partir de 2013, referentes ao período 2010-2012, chamado “Fast Start” (“começo rápido”), durante o qual cerca de 30 mil milhões de dólares (22,6 mil milhões de euros) deverão ser investidos na luta contra as alterações climáticas.
Como concretizar os acordos de Cancún:
Além da questão do Fundo Verde, Durban deverá permitir avanços em diferentes pontos trabalhados no ano passado em Cancún, nomeadamente sobre a adaptação às alterações climáticas, transferência de tecnologias para os países em desenvolvimento e os mecanismos que permitam travar a desflorestação.