12.11.14

"Universidades aguentaram-se à custa do envelhecimento dos professores"

Samuel Silva, in Público on-line

António Cunha, reitor da Universidade do Minho e presidente do Conselho de Reitor das Universidades Portuguesas (CRUP), lembra que não é possível fazer descer a despesa com o pessoal nas universidades sem comprometer a qualidade do ensino.

O reitor da Universidade do Minho, António Cunha, assume a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), num momento de indefinições várias no sector e em que a escassez do financiamento público tem dominado as atenções. Este bracarense, de 53 anos, quer que as questões orçamentais deixem de ser o centro das preocupações das universidades e apresenta uma proposta concreta para atacar o problema: o investimento público no ensino superior devia ter uma base plurianual e estar indexado ao PIB do país. Seria uma forma de evitar as surpresas dos últimos Orçamentos de Estado. Cunha pede também ao Governo que apresente um quadro claro para a reorganização da rede do Ensino Superior.

O corte de 1,45% nas transferências do Estado para as universidades que está previsto no Orçamento do Estado (OE) para 2015 é o mesmo que tinha sido acordado com o CRUP. O facto de não haver surpresas é uma evolução em relação aos últimos anos?
É quase estranho que estejamos contentes pelo simples facto de não haver surpresas. Mas é algo que devemos registar como positivo: aquilo que foi acordado com o secretário de Estado do Ensino Superior (SEES) numa reunião que tivemos em Agosto é aquilo que está previsto no OE. É de referir, porém, que essa reunião foi em 12 de Agosto e, em 15 de Agosto, houve decisões do Tribunal Constitucional (TC) que alteraram significativamente os compromissos com despesas de pessoal para o próximo ano.

Há um compromisso do Governo de que o impacto dessa decisão será compensado.
Temos o compromisso do SESS, que nos deixou confortáveis. De qualquer modo, quando em Agosto foi falado um corte global de 1,45%, isso tinha em conta que as universidades iam deixar de suportar as prestações para a ADSE. É preciso que, quando se forem fazer as contas para o próximo ano, essa realidade seja considerada e que o corte efectivo corresponda a esse compromisso.

Estão satisfeitos com a proposta de OE para 2015?
Não estamos necessariamente satisfeitos com o corte. É o que é, cá estaremos para trabalhar e para viver com as condições decididas pelos legítimos representantes do povo português. O que criticamos no passado foi o facto de haver alterações que são feitas a meio do processo e de uma forma pouco transparente. Foi isso que criou um clima de relacionamento menos adequado. Isso está ultrapassado, o que é muito positivo.

Ainda é possível continuar a reduzir despesa?
A despesa das universidades tem uma componente principal, que são as despesas com pessoal, e que andará entre 65 a 80%. Teoricamente, é possível descer essa despesa, mas isso tem certamente impacto na redução da qualidade do serviço e poderá pôr em causa alguns projectos de ensino. As universidades foram-se aguentando à custa de um indicador que é claríssimo: o envelhecimento muito significativo do pessoal docente. Gostávamos de estar em condições de conversar com o Governo e dizer que é absolutamente necessário criar condições para as universidades rejuvenescerem os seus quadros de pessoal, sob pena de, a breve prazo, se tornarem totalmente incapazes de competir no contexto internacional.

As universidades podiam ter tido uma postura diferente ao longo destes três anos que não fosse a de aceitar os cortes e minimizar os seus impactos?
Certamente que as universidades não contribuíram para a crise, mas não se podem alhear dela. Seria muito bom que pudéssemos ter um planeamento mais atempado da situação financeira e que fossemos confrontadas com aquilo que vai acontecer, sejam notícias melhores ou piores, com pelo menos dois anos de avanço. O ideal seria existir uma situação de financiamento basal e uma componente de desempenho associada a determinados objectivos.

Isso está em cima da mesa?
Seria bom que acontecesse. Por exemplo, o financiamento do ensino superior podia ser indexado a uma determinada percentagem do PIB do ano anterior. As universidades saberiam que teriam mais dinheiro ou menos dinheiro, consoante a economia tivesse um desempenho melhor ou pior. O que estaria em discussão era fixar esse valor: idêntico à média da OCDE, acima ou abaixo. Compete ao poder político fazer essas opções. A partir daí tudo podia ser feito numa base de maior previsibilidade.

Essa é uma proposta que o CRUP já fez à tutela?
É uma sugestão de uma linha de pensamento mais estruturado. Não estou a relativizar o quadro muito difícil que foram os últimos três anos, mas devemos ter também a vontade e a ambição de sair desta situação.

Essa é uma discussão que poderia estar a ser tida no âmbito do grupo de trabalho para a reforma da rede do ensino superior?
Sobre essa matéria, eu sou um crente convicto que o sistema tem capacidade para se auto-regular. Para que isso aconteça é preciso que haja um quadro de referência muito claro. É impossível responder a alguém que diz que há universidades a mais, porque não sabemos o que o país quer. É muito importante que a sociedade portuguesa, através dos seus representantes, diga que ensino superior quer e com quantas pessoas.

Há um compromisso europeu de ter 40% da população entre os 30 e os 34 anos com um curso superior.
Já é bom termos esse número, mas era essencial sabermos como ele vai ser atingido: com mais gente no ensino universitário, no ensino politécnico ou nos cursos superiores profissionalizantes. Este devia ser um objectivo da sociedade portuguesa, algo absolutamente transpartidário.

A proposta para a reorganização do ensino superior é, desse ponto de vista, uma oportunidade perdida?
É um documento que elenca a maior parte das situações em aberto no ensino superior. Mas é um documento de identificação e não de avanço.

Este ano, mesmo com um aumento do número de candidatos, um quinto das vagas ficou vazia. Há espaço para reduzir vagas?
É preciso perceber as diferenças são muito significativas entre o sistema universitário e o politécnico. Se houvesse um quadro de referência, não tenho duvidas que a atitude das instituições seria de um ajustamento mais pró-activo.

Temos licenciados a mais, como disse esta semana a chanceler alemã?
Não temos licenciados a mais e isso é claro pelo modo como estamos distantes do número de 40% de população com formação superior com que nos comprometemos. Eu não deixo de concordar com a senhora Merkel: temos formação profissional a menos. Quando dizemos que queremos 40% da população em 2020 com ensino superior, quer dizer que temos 60% da população que não chega lá. E então essa população, o que é que devia fazer? Sob esse ponto de vista, acho que a senhora Merkel tem razão. Mas isso não significa que haja licenciados a mais. Devemos continuar a aumentar o nosso número de diplomados, para atingir as metas europeias que considero que são para todos os europeus e não são apenas para alguns.

Já disse que a relação com o actual SEES melhorou. Como é a relação com o ministro Nuno Crato?
Gostava que não houvesse mal-entendidos. A relação com o anterior secretário de Estado [João Queiró, substituído por José Gomes Ferreira em Julho de 2013] nunca foi má. Era uma relação mais difícil, mas não há aqui qualquer questão pessoal.

Como tem olhado para o mandato de Nuno Crato no que toca ao ensino superior?
O ministro Nuno Crato, por razões óbvias, está muito afastado do ensino superior. Talvez o pecado original do ministro tenha sido ter entrado numa pasta muito complexa, apanhando Educação e Ensino Superior. Sempre achei que seria melhor termos dois ministérios diferentes. O Ensino Superior e a Ciência são pouco mais de 10% do orçamento do Ministério. É natural que o ministro atenda aos 90% dos problemas e não aos 10%.

Era importante uma clarificação do quadro do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES)?
Essa é uma das grandes aspirações do CRUP. Aquilo que está estipulado no RJIES foi totalmente arrasado por legislação avulsa e, sobretudo, por interpretações que me parecem excessivas a partir de estrutura dos nosso governo, nomeadamente as ligadas às Finanças.

Está congelada a revisão?
Está numa situação de banho-maria. O RJIES foi inicialmente apanhado pela questão das fundações. Sempre discordamos do que o Governo fez, ao integrar as universidades fundacionais na revisão do quadro legal das fundações públicas e privadas. Há pouco mais de um ano, a tutela avançou com uma proposta de revisão de RJIES, dizendo que ia ao encontro daquilo que tinha sido o seu discurso: aumento da autonomia das universidades. Mas, de facto, esse documento era um retrocesso enorme. Em boa hora o Governo recuou e retirou-o de discussão.

E agora?
O Governo prometeu haver um novo RJIES que fosse efectivamente um documento de consagração de um quadro autonómico mais alargado e de manutenção da figura do regime fundacional. Esperemos que ainda aconteça nesta legislatura, mas neste momento não há nenhuma indicação.

Olhando para aquilo de que fomos falando – financiamento, reorganização da rede, RJIES – há mais dúvidas do que certezas no ensino superior?
Há um quadro de indefinição que é muito grande em quase todas as dimensões importantes.

No dia seguinte à sua eleição, o CRUP emitiu um comunicado particularmente violento em relação à avaliação das unidades de investigação pela FCT. Foi uma coincidência?
O comunicado é assinado por dois presidentes: um cessante e outro eleito. Desde o princípio, levantámos grandes reservas ao modo como esta avaliação foi conduzida. As questões que mereceram reserva foram sempre as mesmas: a tipologia dos painéis, que considerávamos que não tinha a abrangência necessária, e o facto de não serem feitas visitas aos centros.

O que justifica que o comunicado recente seja mais assertivo?
Houve uma fase de audiência prévia, onde várias das nossas reservas não foram resolvidas. Aquela reunião do CRUP [na qual António Cunha foi eleito, a 14 de Outubro], foi a primeira que tivemos depois de serem conhecidos os resultados da audiência prévia. Nada mais do que isso.

O que deve ser feito agora?
O sistema científico evoluiu muito e é bastante mais robusto e complexo do que era em 2007. Não me parece fazer muito sentido estar a comparar avaliações. Mas as coisas deveriam ser feitas de um modo diferente. Já o dissemos: foi uma oportunidade perdida. Gostaríamos que esta avaliação pudesse ser pedagogicamente usada pelas universidades para, dentro das suas casas, confrontarem os diversos centros com o que devia ser o caminho correcto e as soluções menos adequadas. Como a avaliação tem falhas, e há situações que são inexplicáveis, dificilmente podemos usar esta avaliação com essa lógica.

Qual é o caminho agora?
Seria muito bom que a FCT considerasse que esta avaliação não é o melhor processo de avaliação algumas vez feito e que fosse capaz de admitir as falhas. A resposta que a FCT tem dado é completamente autista. Eu não tenho dúvidas que, se me convidassem para ir avaliar os hospitais suecos, e eu tivesse a irresponsabilidade de aceitar, faria uma avaliação independente, porque não tenho qualquer ligação com qualquer hospital sueco. Agora não ia ser uma avaliação competente. A independência por si só não chega. É preciso que o processo seja competente e há evidências de coisas incompressíveis.

Uma avaliação como esta é reformável?
Se a FCT quiser, sim. Era isso que devia acontecer. Há certamente mecanismos para percebermos onde estão as situações que não fazem sentido e tentarmos corrigi-las. Se, por causa desta avaliação, formos fechar um centro de investigação num local onde só há aquele centro a fazer aquela actividade, os custos e os estragos disto para o país são enormes.

Qual vai ser o legado deste consulado Leonor Parreira/Miguel Seabra?
Esperemos que não seja a destruição de algumas estruturas de investigação reconhecidas internacionalmente e que, em alguns casos, correm o risco de ser postas em causa devido a um processo de avaliação que, desde o princípio, tem fragilidades.