30.3.15

Corrupção e Pobreza

Diogo Agostinho, in o Observador

Parece inverosímil, mas não é. Quem diria, na entrada de Portugal para o Euro, que 15 anos depois os temas, que estariam no centro do debate político, seriam a corrupção e a pobreza?

É verdade. Entrámos num clube restrito. Onde teríamos taxas de juro e de inflação mais baixas, apoio europeu e um mundo de sonhos felizes pela frente. Passámos anos a ouvir a mesma ladainha. E entrámos felizes e contentes para o "clube dos ricos". Desde Cavaco Silva, a Guterres e Marcelo, líderes na época, todos empurravam e elogiavam esse mundo. Que ironia do destino. Essas duas encomendas acharem que ainda podem ter um papel relevante no nosso futuro colectivo.

Em 1999 e 2000, estávamos bem longe de imaginar que estaríamos, hoje, quinze anos depois, com muitos défices acumulados, uma dívida pesada, fruto também de muitos erros cometidos, muitas promessas por cumprir, no fim de um ciclo.

Podemos tentar ser indiferentes, podemos prometer pagar dívidas privadas, podemos aflorar os cofres cheios e os bolsos vazios, mas desenganem-se os que pensam que "É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma". O debate político deste ano, com duas eleições no horizonte, legislativas e presidenciais, vai estar centrado na corrupção e na pobreza.

Não são temas com cara de século XXI? Pois não. Seriam temas que já deveriam estar resolvidos. No entanto, em Portugal, a degradação das instituições da República é por demais evidente.

A corrupção grassa e já não está apenas nos suspeitos do costume: futebol, autarquias e construção civil. É agora mais ardilosa e mutável. Entre a alta finança, a política, a energia e as telecomunicações, passando também por alguma comunicação social.

A rede é grande e a malha apertada. Os casos sucedem-se. Por cá, temos casos sem resultados. São esquemas fraudulentos, em pirâmide e com recurso a offshores, são negócios e relações perigosas, que emergem à sombra de um sobreiro e submergem qual submarino patrulhando em águas profundas.

Paralelamente à perversa corrupção, que mina a livre concorrência, a falência de empresas segue a bom ritmo. No panorama social temos a pobreza escondida, que se destapa e torna mais evidente. Os números estão aí à vista para que todos os conheçam.

Face a este difícil quadro político, empresarial e social temos o surgimento de inúmeros justiceiros e a pulverização dos partidos políticos tradicionais. O tempo hoje vive-se entre estas duas grandes correntes. Por consequência, resolver de uma vez esta situação deveria ser a máxima prioridade dos agentes políticos. Sobretudo, para o respeito que tanto querem conquistar.

Todavia não podemos entrar no faroeste legal, para satisfazer os pedidos de justiça atropelando os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sob pena de caminharmos para um regime justicialista, onde ponha em causa os princípios fundadores do Estado de Direito Democrático. Não há democracia, com ditaduras fiscais ou judiciais, nem com economias cada vez mais paralelas. É preciso bom senso e mão pesada, não desprezando os direitos fundamentais dos cidadãos. É preciso regulação, inspecção e, acima de tudo, não mais, mas melhor (clara, objectiva, inteligível para os cidadãos) legislação.

Cada euro que foge aos impostos, é um euro a menos para combater a pobreza. Como é evidente não resolve o problema todo, mas ajuda muito.

É a dignidade de todos que está em causa.


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