30.3.15

Governo português adere à ideia de fundo de desemprego europeu

Luís Villalobos, in Público on-line

Documento enviado aos parceiros europeus defende que projecto “culminaria um processo de política de convergência” e “daria o apoio político para reformas difíceis”.

O Governo português enviou uma carta aos seus parceiros europeus na qual, entre outros aspectos, defende a criação de uma política comum de emprego, incluindo um amplo programa de apoio ao desemprego na zona euro. Ou seja, um fundo europeu de desemprego, articulado entre os países da moeda única.

O documento de oito páginas, assinado pelo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães (e do qual não consta o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, ou o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho), foi enviado na passada segunda-feira ao Conselho dos Assuntos Gerais, presidido por Edgars Rinkevics, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Letónia, e a personalidades como o holandês Frans Timmermans, primeiro-vice-presidente da Comissão Europeia e braço-direito de Jean-Claude Juncker.

Intitulado The missing piece in the EMU puzzle: economic policy coordination, o documento de discussão, ao qual o PÚBLCO teve acesso, defende a necessidade de criar mecanismos que permitam a convergência ao nível das políticas económicas europeias. Isto de forma que as políticas nacionais não constituam um incentivo à fragmentação e à divergência.

Realçando que a criação de uma moeda única foi uma “macro convergência”, o documento do Governo português defende que o mesmo método deve ser aplicado agora à economia, através de uma “micro convergência”. No caso do fundo de desemprego europeu, este “culminaria um processo de política de convergência” que consistiria “essencialmente de reformas ao nível do mercado de trabalho”. Sem detalhes, diz que estas reformas formariam “a precondição para mais esforços de integração nesta área”.

O documento indicia assim que a proposta portuguesa é composta por duas etapas: primeiro, reformas laborais (sem especificar quais, ou se as já efectuadas desde 2011 são tidas como suficientes) e, depois, quem as tivesse aplicado faria parte de um grupo com um fundo para o desemprego comum e articulado, que permitiria responder melhor aos choques assimétricos. Para já, diz o documento, este mecanismo “daria o apoio político para reformas difíceis, mas necessárias”.

Até aqui, este não era um assunto que dominasse as atenções do Governo de coligação PSD-CDS, apesar de ter vindo a ser discutido a nível europeu nos últimos três anos. Pierre Moscovici, actual Comissário Europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, defendeu esta ideia quando era ministro da Economia e Finanças da França. Para este responsável, devia existir um orçamento para a zona euro para desempenhar uma função anti-cíclica, e criar-se um subsídio de desemprego comum.

Na próxima terça-feira, Moscovici vai estar no Parlamento português ao início da tarde, numa audição das comissões de assuntos europeus e de orçamento, finanças e administração pública. Nesse dia, irá também receber o documento assinado por Bruno Maçães, que tem por base um encontro realizado no ano passado em Lisboa, que reuniu membros do Governo e da representação permanente da Comissão Europeia, bem como académicos e responsáveis de think-tanks.

As ideias do FMI
O FMI, em Setembro de 2013, defendeu num estudo que os países da moeda única ganhariam com a criação de um sistema de subsídio de desemprego comum. Os técnicos de uma das três organizações da troika falavam da necessidade de “harmonizar o mercado de trabalho”, no sentido de criar um “mercado laboral único”. Para o FMI, as várias diferenças existentes ao nível da zona euro (valores de subsídio, taxas de desemprego e duração dos apoios), obrigariam a “uma harmonização mínima na tributação dos rendimentos do trabalho”, podendo também abranger as prestações de reforma. Ao mesmo tempo, defendia-se que o sistema devia ser centrado em subsídios de desemprego de curta duração.

Este ano, a taxa de desemprego em Portugal deverá ser de 13,4% da população activa, segundo as previsões do Governo. Um número abaixo de Espanha mas muito superior aos valores de países como a Alemanha ou à média europeia que ronda os 10%.


Em Portugal, quem mais deu a cara por este tema foi o anterior secretário-geral do PS, António José Seguro. No início do ano passado, o então líder socialista defendeu um regime de mutualização, em que se definia um nível de taxa de desemprego, dando o exemplo de uma taxa de 7%. Acima desse valor, os encargos ficariam por conta da União Europeia.

Flexibilização é “ambígua”
O documento enviado por Portugal aos seus parceiros europeus (cerca de três meses antes do Conselho Europeu de Junho, onde se irá debater o tema da governação da zona euro) defende ainda uma maior união em áreas como a energia, educação, e mercado digital (além do laboral).

Tomando como ponto de partida a união bancária em curso, o Governo afirma que o mesmo método deve aplicado, por exemplo, no caso do mercado digital, na privacidade e protecção de dados, ou na tecnologia 5G.

No domínio da energia, Portugal e Espanha têm lutado por maiores interligações entre a Península Ibérica e o resto da Europa, podendo tornar-se abastecedores alternativos a diversos países da UE. Neste caso, a ideia seria criar uma espécie de “espaço Schengen” mas ao nível económico, com um mecanismo provido por fundos europeus (como o Plano Juncker) e composto por variáveis geográficas e configurações sectoriais.

O documento de trabalho do secretário de Estado dos Assuntos Europeus destaca ainda a questão da flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Com a apresentação do Plano Juncker (um pacote de investimento estimado em 300 mil milhões de euros para infra-estruturas europeias, com verbas públicas e privadas), a Comissão Europeia considerou que se o défice ultrapassar a barreira dos 3% e esse desvio se dever à contribuição para o novo fundo, o procedimento de défice excessivo não é accionado de imediato. A meta dos 3% mantém-se, mas é dado mais tempo para corrigir a diferença.

Para o Governo, segundo se lê no documento, a questão da flexibilidade ainda “é ambígua”. Além disso, é referido que “se um Estado-membro implementar reformas que ajudem à convergência com a União [Europeia], então deve ser possível que os custos ou investimentos associados a essas reformas” recebam “o tratamento adequado” em termos orçamentais no âmbito de uma visão global europeia. Assim, defende-se, deve haver casos em que não se pode olhar “de forma isolada” para a “situação orçamental de cada Estado-membro”.