4.8.15

Minorias. Mudança política não chega para as associações

José Paiva Capucho, in iOnline


ILGA Portugal ou SOS Racismo apoiam estas candidaturas, embora tardias. Mas a chegada ao parlamento não significa o fim do preconceito.

Se há quem ambicione entrar nos calorosos debates que têm marcado a história da Assembleia da República, outros preferem olhar de fora para a realidade política do país e apontar o caminho que ainda falta percorrer.



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José Falcão, um dos fundadores da associação SOS Racismo, vai directo ao assunto: “O Hélder Amaral é negro onde? Nunca votou uma lei que defendesse os emigrantes. E a Nilza de Sena [conselheira para a Comissão de Igualdade e Contra a Discriminação Racial], nunca a vi em nenhuma reunião, e eu fui a todas”, remata.

Ao contrário, olha para nomes de origem cabo-verdiana, como o de Celeste de Correia, ex-secretária da mesa da AR durante o executivo de José Sócrates, ou Helena Lopes Silva, que integrou as listas do Partido Socialista Revolucionário nas eleições europeias em 1994. “Como vê, há exemplos de pessoas que têm estado nas listas dos partidos, mas estamos muito longe de uma política de integração destas comunidades.”

A ausência de pessoas de origem africana destas listas, segundo José Falcão, tem quatro motivos: “O afastamento das minorias para as periferias das cidades, o excesso de violência policial contra os negros, os estigmas sociais por parte dos media e os custos elevados no processo de legalização.”

E para juntar a estes quatro problemas existe outro, relacionado com o direito ao voto dos emigrantes: “Não há direito de voto nem de serem eleitos para os emigrantes mas, por outro lado, podem ser expulsos rapidamente. Que hipocrisia!”, desabafa. Apesar das críticas, e de olhar para a nossa democracia como “mentirosa” e vivendo ainda “numa era neocolonial”, o membro da SOS Racismo mostra satisfação ao ver algumas caras novas.

“Que não fossem só simbólicas, e que se pudesse integrar as minorias dentro dos partidos, para que lutassem por eles.” E quotas? ”Não sei se seria por aí, mas poderia ajudar”, finaliza.

Para ganhar é preciso jogar

José Leitão, antigo alto comissário para a Imigração e para as Minorias Étnicas entre 1996 e 2002 (no governo de Guterres), recorda como foi trabalhar com as minorias no século passado e o que ficou por fazer.

“Na minha altura trabalhei especialmente com as comunidades ciganas, e isso não esteve especificamente relacionado com a sua participação política em listas eleitorais.” No entanto, segundo o socialista, foi “regulamentada a participação da comunidade cigana nas eleições locais com base na reciprocidade”.

E o que é a reciprocidade? “Segundo a Constituição, os cidadãos estrangeiros podem votar nas eleições locais, desde que o seu país permita essa participação”, explica – algo que, segundo José Leitão, “deveria ser extensível a todos os cidadãos legais” e tem acontecido em algumas ocasiões.

“Tivemos pelo PS Fernando Ka, este ano temos o Miguel Fortes na lista de Setúbal, ou o vereador Carlos Ramos, de origem guineense. As pessoas têm outros méritos para além da sua condição.” Mesmo com estes exemplos, “que foram a jogo”, o socialista considera que não tem havido na primeira linha de participação, onde é mais fácil esse salto – leia-se a local – “impulso suficiente”. E aponta duas razões para esta ausência: “Inércia das organizações, que são conservadoras, e falta de participação.”

José Leitão fica muito satisfeito que pessoas como a jurista Ana Sofia Antunes queiram chegar ao parlamento. “É o reconhecimento do mérito, porque não ficou em casa e participou activamente até ser escolhida pelo PS.” Mas pergunta José Leitão: “Porquê só agora?”

Para o ex-dirigente socialista, esta candidatura poderá “ter um efeito importante porque é tornado perceptível que é preciso alterar as condições físicas dos órgãos para que as pessoas participem”. E a lei? “Ela já existe, mas vai sendo esquecida, amolecida.”Ou, por outras palavras: “Para ganhar a lotaria é preciso comprar o prémio. Não basta existir na sociedade”, conclui.

Para a ilga, quebram-se silêncios

Fundada em 1995, a associação ILGA Portugal é uma instituição de solidariedade social, especialmente na intervenção lésbica, gay, bissexual e transgénero.

Acerca das candidaturas LGBT este ano, a associação comenta: “É uma visibilidade que quebra os silêncios forçados que tipicamente marcam as vidas das pessoas LGBT e que permite falar na primeira pessoa”, disse ao i o vice-presidente Paulo Côrte Real. Só assim, segundo o dirigente, os preconceitos são ultrapassados e se passa uma mensagem: “A de que também somos cidadãos de pleno direito.”

Sobre a falta de representatividade no seio político, mais concretamente na Assembleia da República (AR), recorre à estatística: “Se uma em cada dez pessoas serão LGBT, é fácil perceber quantas pessoas deveria haver no parlamento com essa representatividade.” E é, de facto, fácil fazer as contas: se existem 230 lugares disponíveis na AR, 23 seriam LGBT no cenário ideal para Paulo. Mas a inércia poderá constituir um entrave. “Há uma história negativa entre a política e esta comunidade como, por exemplo, com a co-adopção [2013/2014], uma recusa desta legislatura, algo que é condenado pelo Tribunal dos Direitos Humanos.”Uma recusa que, diz Paulo Côrte Real, coloca Portugal numa posição igual a países como a Roménia, a Ucrânia e a Rússia.

E para que o“negativo” saia desta história, a ILGA já enviou um questionário aos vários partidos, acompanhando as posições que estes vão assumir em relação à comunidade LGBT durante a campanha. “Há já vários programas eleitorais que contemplam medidas muito importantes para as pessoas LGBT. Estes compromissos são determinantes para progressos ao longo dos próximos quatro anos.”

ACAPO: "É preciso fazer mais pelos cegos”

Já Carlos Cordeiro, fundador da Associação dos Cegos e Amblíopes (ACAPO), conta ao i que espera muito da primeira candidata cega, Ana Sofia Antunes.

“Ela tem a obrigação agora de fazer mais pelos cegos e de mostrar o que sabe.” Carlos tem 81 anos e é cego desde os 30. “Não foi o fim da macacada, percebi que fazia as mesmas coisas, mas já não via as cores, ou os semáforos na rua”, confessa. O dirigente aponta a mobilidade dos transportes como o principal problema em Lisboa a ser resolvido pela candidata.

Mas a missão é difícil: “Existem muitos lóbis na política que não querem ser ultrapassados por pessoas com deficiência. E muito preconceito”, conclui.

As associações depositam esperança nas caras novas. Mas não havendo um histórico positivo no nosso parlamento, até que ponto poderão Júlia Pereira ou Ana Sofia Antunes escrever um novo capítulo na política?