Andreia Sanches e Lusa, in Público on-line
Análise abrange apenas a área de intervenção da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa e o período de Setembro a Maio. Objectivo deve ser “um melhor nível de esclarecimento da verdade”.
Em nove meses, na área da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), os tribunais analisaram 1059 casos de violência doméstica. Mais de um terço (36,64%) dos processos terminaram com uma absolvição. Dos condenados, 8% foram-no a prisão efectiva.
Os números referem-se ao período que vai de Setembro de 2014 a Maio de 2015 e constam do relatório sobre violência doméstica, de Julho de 2015, da PGDL, tornado público no final da semana passada no site oficial deste órgão do Ministério Público (MP). A análise abrange cinco comarcas: Açores, Lisboa, Lisboa Norte, Lisboa Oeste e Madeira.
Números síntese: 388 absolvições; 665 condenações e seis “outras decisões”. Das condenações: 84 (ou seja, 7,93%) a prisão efectiva; 146 a pena suspensa e 382 também a pena suspensa mas com a imposição de “regras de conduta ou sujeição a deveres”.
Em 11 casos a prisão foi substituída por multa ou trabalho a favor da comunidade. E em 42 houve apenas a imposição de multa.
A PGDL refere que as taxas de condenação por violência doméstica “estão um pouco abaixo do parâmetro geral da área da PGDL, apurado para o ano de 2013”, que é de 87% de condenações. “Sendo uma taxa mais baixa do que a geral, o objectivo para o MP seria então o de alcançar um melhor nível de esclarecimento da verdade em fase de julgamento, pela criação de condições que permitam, nesta fase, a produção de prova pessoal espontânea e convincente, designadamente por parte de vítimas e outras testemunhas”, sublinha-se.
A 31 de Dezembro do ano passado estavam nas prisões portuguesas 287 reclusos condenados por violência doméstica dos quais nove mulheres e 278 homens.
“Independentemente destes números, uma questão preocupante é a da revitimização”, que a leitura de muitos acórdãos deixa transparecer, prossegue o relatório, cujas conclusões são assinadas pela procuradora-geral distrital, Francisca Van Dunem. E cita alguns, como um que relata que o arguido condenado a dois anos e 6 meses de prisão, e que viu a execução da pena ser suspensa, “não cessa de infligir maus-tratos à ofendida”.
49 presos preventivos
Desde 2007, e mais consistentemente desde 2008, que são recolhidos dados sobre as entradas de inquéritos na área da PGDL em matéria de crime de violência doméstica, lê-se no relatório. Uma das conclusões é que “parece ter estabilizado o número de entradas”, com cerca de 10.000 novos inquéritos por ano na antiga área territorial da PGDL, explica-se. Quanto tempo duram? A Lei n.º 112/2009 “classifica como urgentes os processos crime por violência doméstica”. Mas “um processo urgente não tem que ser necessariamente um processo rápido, porque a natureza dos factos — de enorme gravidade, alguns, e ou de grande extensão no tempo — obrigam à investigação cuidada e à produção de prova que obriga ao investimento de tempo.”
Essencial é, sublinha-se, “que haja, no processo, medidas que garantam a contenção de agressor na medida proporcional ao risco e que se trabalhe no emponderamento da vítima”.
Uma análise do tempo médio da duração dos processo (dias que mediaram entre a data de criação do processo e a data do despacho de acusação por crimes de violência doméstica) num conjunto de 11 comarcas, no ano de 2013, revela uma duração média de 11 meses e 10 dias.
Outra análise feita no documento é o número de prisões preventivas decretadas. Uma vez mais, olhou-se para o período de Setembro a Maio deste ano, nove meses. E para a área territorial da PGDL. Concluiu-se que ficaram em prisão preventiva 49 arguidos, com maior incidência nas comarcas de Lisboa Oeste (18), Lisboa (15) Lisboa Norte (14). Na comarca de Lisboa Oeste, que abrange os municípios da Amadora, Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, a violência doméstica é mesmo “o segmento criminal que mais prisão preventiva justifica na fase preliminar do processo penal (mais do que o crime violento organizado ou o tráfico de estupefacientes)”.
A principal medida de coacção aplicada não foi, contudo, a prisão e sim a proibição de contactos entre agressor e vítima (com 115 casos). A PGDL nota que num mesmo processo pode haver mais do que uma medida de coacção. E deixa um alerta sobre a conjugação da prisão preventiva com a proibição de contactos: “Apesar de preso preventivamente, o arguido tem direito a contactos com o exterior, nas suas variadas formas — telefonemas, cartas, visitas no estabelecimento, do que se não exclui o regime de visitas íntimas, obviamente sem vigilância. Pensar-se que com a prisão preventiva se afasta o agressor da vítima pode ser uma ingenuidade, não por debilidade do sistema prisional, mas pela especificidade do tipo criminal.”
Nas conclusões do relatório, Francisca Van Dunem, deixa várias ideias: “Na protecção da vítima, sugere-se o incremento da aplicação da teleassistências, que apenas da vítima e do MP depende, posto que a Administração anuncia a aquisição de mais equipamentos”; sobre as medidas de coacção, chama-se a atenção “para a necessidade de recurso à proibição de contactos, enquanto medida de coacção e pena acessória, que não se confunde nem se subroga ou substitui por outras medidas, designadamente as que se referem a programas para agressores”. E em sede de julgamento, “parece haver margem para o MP desenvolver plenamente estratégias que melhorem os níveis de esclarecimento da verdade”.