Sofia Martins Santos, in iOnline
Despedimento da Soares da Costa é o reflexo da crise do sector, agravada pelas dificuldades em Angola. Desapareceram 45 mil empresas.
O despedimento colectivo de 500 pessoas anunciado pela Soares da Costa é revelador da crise que se faz sentir há anos no sector da construção civil, agravada nos últimos meses com a falta de encomendas e pagamentos no mercado angolano.
As dificuldades têm-se acentuado de ano para ano. Se recuarmos até 2002, estavam nesta actividade 618 mil pessoas, um número que foi caindo desde então. No terceiro trimestre deste ano, havia apenas 276 mil trabalhadores no sector.
No caso da Soares da Costa, a ameaça de possíveis despedimentos já estava em cima da mesa e ficou cada vez mais clara depois de os ordenados começarem a ficar em atraso, há alguns meses. A empresa conta actualmente com cerca de 4.300 trabalhadores: mais de 800 em Portugal e quase 3.500 nos restantes mercados, nomeadamente Brasil, Angola e Moçambique. Neste momento, a empresa tem ainda cerca de 200 trabalhadores em inactividade, com a falta de projectos de encomendas da empresa.
O despedimento colectivo vai custar 18 milhões de euros em indemnizações. Cerca de 65% dos trabalhadores abrangidos estão em Portugal e restantes estão sobretudo no Brasil, explicou ao i fonte oficial do grupo, garantindo que não estão previstas outras reduções de pessoal. “Com esta medida, a empresa fica ajustada à sua actividade actual. A empresa perde por ano 60 milhões de euros e, por isso, não pode ter 200 pessoas em casa durante dois anos a receber”, justificou.
Segundo a empresa, o despedimento de colaboradores foi o último passo de um processo de reestruturação. Um conjunto de medidas de reduções de custos foi posto em prática antes da decisão, como rendas, carros e gastos administrativos.
A empresa espera ver terminado o processo de despedimento ainda nos primeiros meses de 2016 e com isso preservar 80% dos postos de trabalho.
O grupo de construção considera a medida necessária, mas os trabalhadores discordam. Ontem avançaram para uma paralisação para reivindicar o pagamento dos salários em atraso e a reversão do processo de despedimento colectivo. “Não nos roubem o Natal” ou “Os nossos filhos têm direito a Natal” foram algumas das frases que se destacaram neste protesto, que reuniu 50 trabalhadores em Gaia.
O sindicato da construção civil já tinha pedido na véspera uma reunião de urgência à administração, para “esclarecer toda a situação”.
Mercado externo em queda O agravamento da situação da Soares da Costa revela a situação delicada da construção civil. Com o mercado interno parado, muitas empresas apostaram no mercado externo, mas confrontam-se agora com instabilidade nos destinos onde apostaram.
Ao i, Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas (FEPICOP), explica que a situação em Angola e Brasil não pode ser esquecida. “Numa altura em que havia menos trabalho em Portugal, as empresas começaram a internacionalizar-se. Em 2011, as empresas portuguesas tinham grande parte da sua actividade concentrada em Angola. Muitas foram também para África e América Latina. Mas são todos países onde a economia depende muito das matérias-primas e dos seus valores. Neste momento, todos estes países estão com problemas e, como as empresas de construção não têm mercado em Portugal, ficam sem solução”.
Esta questão já tinha sido sublinhada por Joaquim Fitas, presidente executivo da Soares da Costa: “Em Portugal mantém-se a estagnação do mercado da construção, com incipientes níveis de obras postas a concurso. E em Angola a quebra de receitas relacionadas com a produção petrolífera reduziu significativamente os níveis de investimento público e privado”.
A somar-se à questão dos mercados internacionais está também a situação de Portugal, onde o mercado das obras públicas atinge mínimos históricos. De acordo com barómetro mensal da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas, os concursos públicos e o investimento atingiram os valores mais baixos dos últimos anos. No caso dos concursos de obras públicas, a quebra foi de 24% em relação ao mesmo período de 2014. Já no que respeita ao volume de contratos celebrados, caiu 38% face a Novembro do ano passado. Um valor que faz com que muitos considerem que não há dúvidas de que 2015 é um dos piores anos de sempre em termos de investimento público.
Empresas encerram Analisando o período entre 2007 e 2014, o total de pessoas a trabalhar na construção caiu de 527 mil para 276 mil, o que significa que, em apenas seis anos, o sector da construção ficou quase sem metade dos postos de trabalho que tinha.
Esta evolução reflecte o impacto e a persistência da crise neste sector. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, o ano mais crítico dos últimos seis anos foi o de 2012, com uma queda de 15,5% no total do emprego nesta área. Mas este é apenas um dos vários sintomas. Lado a lado com a quebra no emprego está o desaparecimento de 45 mil empresas entre 2008 e 2013.
Muitas escapam ao mediatismo por serem de dimensão mais reduzida, mas mesmo dentro das maiores empresas de construção o caso da Soares da Costa não é inédito. Em Outubro, também a Somague anunciou que iria despedir cerca de 273 trabalhadores no âmbito de um processo de reestruturação, igualmente motivado pela retracção em Angola, Moçambique e Brasil.