22.10.20

Mais casos de covid no Norte “industrializado”. Em Lisboa “incidência” do teletrabalho é “mais forte”

Patrícia Carvalho, in Público on-line

Não há certezas, mas há pistas: zonas urbanas densas, um tecido industrial de regresso a uma actividade mais intensa, mais tradição de reuniões familiares. O aumento de casos a Norte pode passar por aqui.

A covid-19 entrou em força em Portugal pelo Noroeste do país, depois parecia concentrar-se muito na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e, nas últimas semanas, está a manifestar-se, de novo, com mais intensidade nas zonas mais industrializadas do Norte. Porquê? Não há uma resposta única, mas o geógrafo João Ferrão, do Instituo de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, não se mostra surpreendido com esta evolução: “As características estruturais do país estão lá, é tudo relativamente previsível”, diz.

Apesar de Lisboa ter sido o concelho com mais novos casos de covid-19 na semana entre 12 e 19 de Outubro, se colocarmos o foco a um nível mais regional, é o Norte que sobressai, com 50,6% dos novos casos nesse período, enquanto a zona de LVT se ficava pelos 38,4%. Os números não mudaram olhando para os dados mais recentes da Direcção-Geral de Saúde (DGS): o boletim desta quarta-feira dava conta que, dos 2535 novos casos registados nas últimas 24 horas, 1379 (54%) estavam no Norte e 34% em LVT. Valores que se sentem também ao nível da pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS). O secretário de Estado da Saúde, Diogo Serra Lopes, disse, esta quarta-feira, que é na zona da Administração Regional de Saúde do Norte que há mais camas ocupadas, seja nas enfermarias ou nos cuidados intensivos (ambos os casos com uma taxa de ocupação de 76%), quando a média nacional é, respectivamente, de 72% e 71%.

A pergunta que anda na cabeça de muita gente é por que é que isto está a acontecer. O geógrafo João Ferrão não se mostra surpreendido por o Noroeste ser, de novo, a zona com mais casos de infectados, depois da aparente acalmia durante o período de confinamento e o Verão. Desde logo pelas características de municípios muito industrializados e com muitas interligações, em que está “tudo misturado”, e que continuam iguais. “Voltamos de novo a perceber a grande diferença entre o que é a região urbano-industrial do Noroeste do país e a Área Metropolitana de Lisboa, em que o peso da administração pública e das empresas de serviços é muitíssimo grande e a questão do teletrabalho continua com uma incidência muito forte. Aqui, em muitos casos, o regresso ao trabalho não foi o regresso ao local de trabalho. É essa realidade que está outra vez a vir ao de cima”, diz.

E o facto de as fábricas não terem, praticamente parado, mesmo durante o confinamento, não entra em conflito com esta visão, refere. Porque houve, de facto, uma redução da actividade e muitas empresas recorreram ao lay-off, o que diminui a pressão dos contactos em muitos locais. “É preciso falar com as empresas desta zona, mas com o aumento das exportações é natural que características que tenham ficado suspensas por causa do lay-off, tenham regressado, com o aumento da capacidade laboral”, refere.

Contudo, ressalva, é importante ter uma coisa sempre presente: “A disseminação da doença não é mono-causal. O peso relativo de cada causa vai mudando, e as mais conhecidas estão mais controladas, mas elas coexistem”, diz. O mesmo diz o presidente do Conselho Metropolitano do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues, que gostava de ver menos ruído e mais consenso em torno do combate à pandemia. “Temos de nos convencer que o aumento de casos tem uma origem multidimensional, para ir resolvendo cada um dos factores, um a um”, diz.

Incumprimento das regras

O também presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia realça o incumprimento das regras como o factor subjacente ao aumento de casos - seja por as empresas e a administração não estarem a aplicar o desfasamento de horários (contribuindo para transportes públicos menos cheios), seja pelos ajuntamentos de jovens estudantes. E há outro dado a ter em conta, diz: “Começa a ser desgastante para as pessoas, as conferências de imprensa diárias, a conflitualidade em torno do tema. É desgastante”, diz.

E essa é também uma das questões que o médico de Saúde Pública, Bernardo Gomes, diz que é preciso colocar, para se perceber melhor o que está a acontecer: “Será que há uma exaustão e uma resistência às medidas de saúde pública?”, diz. Mas não é a única. Será que estão a ser cumpridas todas as medidas previstas, nesta zona com um tecido industrial mais rico do Noroeste, com trabalho presencial? Será que houve um reacender de um conjunto de actividades relacionadas com uma maior tradição de agregação familiar ou de participação em eventos de carácter religioso? “São essas perguntas que têm de ser colocadas”, diz, sendo que há uma coisa sobre a qual não tem dúvidas: “Não é possível continuarmos com agregações de 20 ou 30 pessoas”.

O primeiro-ministro esteve reunido com os autarcas de três dos municípios com maior crescimento de casos (Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira) e que estão a exercer grande pressão sobre o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS), em Penafiel. O autarca deste município, Antonino Sousa, já confessou à Lusa estar “muito preocupado” com o que diz ser as “graves dificuldades” do CHTS em dar resposta às solicitações, sobretudo por causa da falta de profissionais, uma vez que há um número não revelado de infectados e outros em quarentena.

Segundo a Lusa, a pressão faz-se sentir também no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, que atingiu esta quarta-feira a lotação máxima de cuidados intensivos para doentes covid-19, com as 12 camas disponíveis ocupadas. A unidade hospitalar terá já dado início ao plano de alargamento que prevê a disponibilização de mais nove camas para estes doentes.