21.10.20

Desemprego sobe 123% no Algarve. “Quero é o trabalho, não o subsídio”

Idálio Revez e Rui Gaudêncio (Fotografia), in Público on-line

A pandemia continua a afectar o turismo na região e os cancelamentos de reservas no golfe estão a multiplicar-se. Albufeira é a cidade mais atingida pelo desemprego e em Quarteira já há mais de 50 pessoas a viver na rua.

Num ano normal esta altura seria a época alta do golfe no Algarve, mas a pandemia em que vivemos mudou essa realidade que constituía uma esperança para muitos para travar o desemprego na região. Agora os jogadores não se sentem atraídos pelos verdes campos algarvios. “Todos os dias estamos a receber cancelamentos de reservas”, diz o presidente da Associação Regional de Golfe do Sul, José Matias, destacando que esta é uma das actividades que, em circunstâncias normais, mais contribuiria para amenizar o desemprego no Outono e no Inverno. O número de desempregados na região, inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), regista um aumento de 123%, em relação ao mesmo período do ano passado. E o pior está para vir, avisam os hoteleiros. O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve, por outro lado, queixa-se que a pandemia está a ser “aproveitada para o assédio e intensificação da exploração dos trabalhadores”.

A denúncia do sindicato encontra eco entre quem espera na fila do centro de emprego de Albufeira. Alberto Oliveira, de 44 anos, ergue a sua voz de protesto enquanto espera. “A uma semana de completar quatro anos, com a promessa de entrada no quadro, fui despedido.” Trabalhava como encarregado de armazém, num supermercado. “No meu lugar puseram um rapazinho – mais um a ser explorado”, comenta. Com uma prestação mensal da casa de 515 euros a pagar ao banco, antevê um Inverno a contar o dinheiro para sobreviver. “A minha mulher, que trabalha na hotelaria, já foi avisada de que não lhe vão renovar o contrato que termina no fim do mês”.

O exemplo multiplica-se por milhares de outros trabalhadores, em risco de caírem no limiar da pobreza. Nesta altura, a região já regista cerca de 23 mil pessoas inscritas no centro de emprego, enquanto no ano passado, na mesma altura, o número ficava-se pelos 10.300, o que representa um aumento de 123%. Para este angolano, a residir na região há duas décadas, Albufeira deixou de ser a “terra prometida” para ser uma cidade marcada pelo desemprego. O centro de emprego de Loulé e Albufeira, que abrange as principais zonas turísticas, já contabiliza 8 mil desempregados, enquanto no mesmo período em 2019, estava nos 2700 (190% de taxa de variação homóloga).

Quem parece estar habituado à precariedade é Rogério Silva, natural de Albufeira. “Já fiz de tudo um pouco”, apresenta-se assim o “self-mad man”. O que é que isso significa? “Desenrasco-me”, abrevia. Nos últimos tempos, conta, trabalhou como servente de pedreiro para uma empresa de construção civil, de Famalicão, com obras na cidade. “Gozei férias em Agosto, agora não tenho trabalho”, diz, de telemóvel em punho. Faz uma pausa, muda de registo. “Estou a tentar falar com o patrão para ele passar a declaração para o subsídio de desemprego”, explica. Até aos vinte anos e tal, prossegue, “a minha vida foi a noite, trabalhei em bares e discotecas”. Quando sentiu que já o olhavam com ar de “quarentão”, mudou de área. “Fiz transferes e trabalhei na restauração”, esclarece. Agora, chegado aos 55 anos está nas obras. “Não pareço ter esta idade, pois não?!... É o que me dizem”, observa. A conversa é interrompida por mais um telefonema: “Desculpe, tenho de ir.” A inscrição para a subsídio de desemprego ficará para outro dia.

Sentada no muro que circunda a praça, em frente ao centro de emprego, Simone Mariano, procura preencher a ficha para se candidatar ao subsídio de desemprego. “Perguntam coisas que não sei responder”, observa. Chegou do Brasil há um ano e 4 meses, com dois filhos menores. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ainda está a analisar o processo de legalização, teme um regresso forçado. A empregada de quartos de hotel ficou sem trabalho há duas semanas e não vê perspectivas de encontrar outro nos próximos meses. Auferia um salário de 635 euros e paga 600 euros de renda de casa. “O meu marido, ajudante de cozinha, também fica desempregado no fim do mês, já o avisaram”, lembra, para explicar a insegurança que sente. “Não quero voltar para o Brasil, porque lá ainda está pior”.

O conterrâneo Mike Maicon, de 23 anos, diz-se menos preocupado. “Espero ter direito ao subsídio de desemprego, acumulo descontos de trabalhos sazonais desde há dois anos”, justifica. Até à próxima Primavera, refere, “como é hábito, fico no desemprego”. Mas o sentimento geral de quem espera junto ao centro de emprego é outro. Inconformado com a situação, Alberto Oliveira lança um apelo: “Eu não procuro subsídio, quero é trabalhar. Percorri vários sites de oferta de emprego, mas quando o Verão termina acabam as oportunidades”

O golfe costuma ser, em anos normais, o “balão de oxigénio” para manter os mínimos da actividade turística quando a época balnear encerra. Porém, às incertezas sobre o desfecho em relação ao “Brexit” junta-se a pandemia. A soma das duas variáveis resultou numa equação indefinida. “Todos os dias recebermos cancelamentos de reservas. Alguns clientes pedem para que a reserva seja transferida para Março”, diz José Matias, da Associação Regional de Golfe do Sul, deixando no ar a vaga esperança de um retomar da actividade na próxima Primavera. “Na semana passada, chegou da Finlândia um casal, tendo viajado de carro deste Helsínquia”. O que os levou a percorrer cinco mil quilómetros durante cinco dias, diz, foi o receio de viajar de avião. “Vão ficar dois meses, em casa alugada”, adiantou.

Mais pessimista, manifesta-se Elidérico Viegas, presidente Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, adiantando que as perspectivas apontam para 70% de encerramento das unidades hoteleiras na época baixa. “Os campos de golfe é que não podem fechar”, sublinha José Matias. O custo de manutenção de um campo de golfe, ronda o meio milhão de euros por ano. “No dia em que haja segurança [em relação à covid-19], os jogadores regressam em força”, assegura o dirigente da modalidade. A região regista 134 mil camas turísticas classificadas e 40 campos de golfe.

Durante o Verão, o sector turístico oferece, em média, 12 mil postos de trabalho temporário. “Continuamos à espera de conhecer as regras do plano específico para o turismo algarvio [300 milhões], anunciado no mês de Julho”, aponta Elidérico Viegas. Por seu turno, o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve, Tiago Jacinto, comenta: “Todas as medidas são dirigidas às empresas. Não se percebe como pretende o Governo relançar a economia a partir do consumo, com os trabalhadores a assistirem à degradação salarial ou no desemprego”. Os problemas, actualmente, só não são mais graves do ponto de vista social, diz, “porque muitas famílias têm vindo a receber ajuda das instituições particulares de solidariedade social ou das câmaras”. Em relação às relações laborais, marcadas pela precaridade, sublinha: “Antes da covid-19 já existiam os casos de assédio e exploração laboral, que denunciamos. Agora aproveitam a pandemia para intensificar essas acções”.
Mais de 50 a viver na rua

Os sinais de pobreza, mais ou menos escondida, já são visíveis em Quarteira, ao lado da turística Vilamoura (concelho de Loulé). “Mais de meia centena de pessoas vive na rua”, avança o responsável pelo Centro Paroquial, António Cova. A instituição oferece em média 180 almoços por dia. “Temos muitas pessoas que nos dizem que têm vergonha de cá vir. Ficaram sem emprego e ainda não querem revelar as dificuldades que estão a passar.” Nesses casos, a instituição entrega em casa dos mais necessitados cabazes com bens alimentares essenciais. Mesmo ao lado do refeitório social, a “casa da sopa” como o conhecem os utentes, dorme Arlindo Adónis, em cima de um colchão, na rua. “Vim para aqui, junto de pessoas ligadas à Igreja. Pode ser que haja um milagre e me arranjem um quarto”, graceja. O antigo sargento das Forças Armadas, de 49 anos, tem no braço um saco de plástico com uma garrafa de vinho. Acabou de receber o almoço, que não é do seu agrado: “A comida [bacalhau com batatas] não presta, só vou comer a sopa”. As preferências gastronómicas, conta António Cova, vão para os pratos de carne, “mas não pode ser todos os dias”, justifica.

Adónis diz estar impossibilitado de trabalhar. “Fiz uma operação a duas hérnias há três meses”, conta. Dorme na rua, diz não ter dinheiro para comprar uma sopa, acrescentando que o pai, comerciante, é dono de uma churrasqueira na cidade. As relações familiares estão cortadas. “A minha madrasta nunca gostou de mim”, diz. No entanto, destaca o facto do avô “ajudar” o filho, de 15 anos, que tem na ilha da Madeira, onde reside a ex-mulher. À conversa junta-se Jorge Antunes, de 53 anos. “Tenho uma carreira militar de 14 anos, nos pára-comandos. Cheguei a cabo especialista.” Vive numa tenda junto ao parque de campismo, alimenta-se na “casa da sopa” e vagueia pela cidade. Uma funcionária do centro paroquial entrega-lhe uma carta registada, enviada pela Autoridade Tributária. “Não pago”, garante, sem abrir o envelope, revelando que conhecia o teor da notificação. “Querem que pague um imposto de um carro que tive”, revela.

O aproximar da época das chuvas faz temer o pior, deixando os sem-abrigo ainda mais desprotegidos. O presidente da junta de freguesia, Telmo Pinto, reconhece que são “necessárias medidas de apoio social para acolher quem vive na rua. “Faz falta um equipamento e uma equipa de técnicos que dê apoio social e psicológico” a uma comunidade com tendência a crescer.