27.10.20

Jovens, precários e sem poupanças. Como pensar na reforma?

André Rito, in Expresso

Projetos Expresso. Pensões. Em Portugal, a poupança é um privilégio de poucos. Com o envelhecimento da população e as baixas taxas de natalidade, a sustentabilidade da proteção social é uma incógnita

O problema não é exclusivo de Portugal, mas assume contornos mais graves quando comparado com outros países europeus. Daqui a 40 anos o nosso cenário demográfico será substancialmente diferente: haverá menos crianças e adolescentes, mais escolas fechadas, zonas do interior despovoadas e a maior parte da população terá mais de 50 anos. As consequências do envelhecimento e da baixa taxa de natalidade são uma ameaça ao sistema de proteção social: quem vai pagar as reformas da atual população ativa? “As projeções que conhecemos do Instituto Nacional de Estatística e da Eurostat mostram um agravamento da tendência: uma diminuição muito expressiva da população portuguesa até 2070, com consequências para o crescimento económico e financiamento das pensões”, afirmou o secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, na abertura da conferência “Preparar o Futuro”, organizada esta semana pelo Expresso, em parceria com o Santander, dedicada ao tema da reforma. “Vivemos tempos de incerteza, e perante tantos desafios a curto e médio prazo não podemos perder de vista os desafios a longo prazo.”

Há dados atuais que podem ajudar a traçar alguns cenários. Um deles é a taxa de poupança, ou seja, a percentagem que as famílias conseguem guardar do rendimento disponível. Em Portugal, este valor situava-se nos 7,2% em 2019, tendo vindo a crescer nos últimos dois anos. Há um dado incontornável: só uma percentagem reduzida da população é capaz de acumular um pé-de-meia. Trata-se de um privilégio só acessível às famílias mais ricas. “Em 2017, 67% dos mais ricos estavam entre os grandes poupadores. Os jovens fazem face apenas às despesas do quotidiano, embora não exista uma perceção, baseada em estudos, sobre como se comportam perante a reforma”, afirmou a economista Susana Peralta, da Nova School of Business and Economics, apontando outro dado relevante: a riqueza líquida nesse ano apresentava valores mínimos nas famílias em que o indivíduo de referência é mais jovem e máximos nas famílias cuja referência é um trabalhador por conta própria ou que completou o ensino superior. Num tempo de acesso difícil ao emprego, uma boa parte da população jovem vive mais de estímulos ao consumo do que à poupança ou expostos a projeções de sustentabilidade a longo prazo. “O ser humano é mau a prever o futuro. Há alguma evidência que mostra que os jovens vivem muito no presente, querem aproveitar a juventude, há até alguns estudos internacionais que mostram uma certa pressão social para os jovens gastarem. E existe também uma visão negativa daqueles que são mais aforradores, porque estão a desperdiçar a sua juventude em vez de estarem a consumir.”

Nos casos opostos — em que existe essa preocupação relativa ao futuro —, os investimentos feitos durante a vida ativa podem fazer a diferença quando a idade da reforma chegar, tendo em conta que o compromisso de gerações em que assenta o modelo da Segurança Social pode tornar-se insustentável a longo prazo. “O facto de os jovens pouparem pouco pode refletir vários fatores. Temos de pensar que poupam pouco devido também ao ciclo que atravessam em termos financeiros. É normal que façam os seus investimentos, nestas idades, numa casa própria, na educação dos filhos, e só depois comecem a poupar”, disse ao Expresso o economista Amílcar Moreira, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Perante o problema demográfico do envelhecimento e as sucessivas crises que Portugal tem vivido nos últimos 20 anos, a necessidade de introduzir mudanças no sistema de proteção social torna-se inevitável. “Desde há muito que discutimos a sustentabilidade da Segurança Social e refletimos sobre os ajustes a introduzir no sistema”, disse o secretário de Estado. “Há duas possibilidades: uma mais disruptiva, com as reformas sistémicas que alteram a matriz do modelo, e pequenos ajustes para poder corresponder ao desafio do envelhecimento da população.”

Em Portugal existem 127 idosos por cada 100 jovens. O aumento da esperança média de vida é um sinal de evolução na saúde de uma população, mas a fraca regeneração cria pressões sobre a economia, sistemas de saúde e Segurança Social. É por isso que Amílcar Moreira defende uma aposta na “criação de valor”. “Como é que conseguimos reestruturar a economia num contexto de menor poupança? A verdadeira forma é ter um crescimento superior ao das últimas décadas”. João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, considera uma alteração do modelo atual para uma espécie de sistema híbrido, que envolva também as empresas e os particulares. “Um sistema por defeito, que induza à poupança”, disse durante o debate.

Apenas as famílias ricas economizam. Jovens são das faixas etárias com menos rendimentos e sem poupanças acumuladas

Trata-se de um dado que ilustra as assimetrias de Portugal. Segundo um inquérito à situação financeira das famílias — realizado pelo o Instituto Nacional de Estatística (INE) e pelo Banco de Portugal (BdP), as famílias do conjunto das 10% com maior riqueza líquida detinham mais de metade da riqueza líquida total das famílias portuguesas. Embora nos últimos anos se tenha registado um aumento da riqueza líquida, este crescimento ocorreu sobretudo entre as classes mais favorecidas.

Entre os grupos com menor capacidade de poupar estão os jovens abaixo dos 35 anos. “Têm uma poupança liquida mesmo muito reduzida, que depois aumenta com o ciclo de vida e volta a diminuir a partir dos 64 anos”, explica a economista Susana Peralta, da Nova Business of School and Economics, acrescentando que existe uma “enorme desproporção” entre as faixas etárias mais jovens. “São pessoas que poupam muito pouco e têm vindo a diminuir cada vez mais essa poupança.” Os principais ativos de quem consegue poupar são imóveis — residência principal e outras, assim como negócios por conta própria e veículos motorizados. Já os depósitos à ordem são o ativo financeiro com maior peso para as famílias com menores rendimentos. “O que temos é de criar políticas públicas que possam influenciar os comportamentos tendo isto como um dado”, conclui a economista.

67%
das famílias mais ricas correspondem ao grupo dos maiores poupadores em Portugal. Entre os grupos com menor capacidade de economizar estão os jovens abaixo dos 35 anos

ESTADO. A SUSTENTABILIDADE DAS PENSÕES E DA SEGURANÇA SOCIAL

Com o envelhecimento progressivo da população portuguesa, as estimativas a longo prazo do sistema social não são otimistas

No final de março do ano passado, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social alcançou o valor histórico de €18 mil milhões, correspondentes a 8,9% do produto interno bruto (PIB) do país.

O primeiro-ministro, António Costa, garantia que “o horizonte de sustentabilidade do sistema previdencial melhorou 11 anos e o horizonte eventual de aplicação do fundo de estabilização foi adiado em mais 19 anos”. Há, no entanto, um problema demográfico que Portugal enfrenta e que pode alterar este cenário: o envelhecimento da população e as baixas taxas de natalidade. “É evidente que isto cria pressões a longo prazo na Segurança Social: por um lado aumenta o número de pessoas que no futuro serão pensionistas e menos pessoas em idade ativa”, diz ao Expresso o economista Amílcar Moreira, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “Um segundo problema será a diminuição da população. Menos gente a produzir e a consumir. Isto tem um forte impacto no crescimento da economia e determina a capacidade futura das pensões”, acrescenta Amílcar Moreira.

4,8
milhões era o número de beneficiários ativos da Segurança Social, em 2019. No futuro, aumentará o número de pensionistas

PENSIONISTAS. ALARGAR A IDADE DA REFORMA, MAIS CONTRIBUIÇÕES OU UM SISTEMA MISTO?

Como acumular dinheiro para se estar financeiramente saudável quando chega a idade da reforma?

Os jovens não conseguem poupar, a classe média está cada vez mais reduzida e a grande fatia de pensionistas perde rendimentos com a reforma. Como se garantem condições para os últimos anos de vida? A solução passa por um aumento das contribuições, pelo alargamento da idade da reforma ou pela redução dos benefícios. Mas para isso, defende João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), seria necessário criar um regime “alternativo” da Segurança Social. “Em vez de ser apenas público, deve fazer-se uma aposta no segundo pilar e no terceiro pilar, ou seja, envolver as empresas e os particulares.” Uma opção que poderá passar pelo aumento do esforço dos trabalhadores, embora a questão seja para onde deverá ser canalizado esse esforço. “Se for para o segundo e terceiro pilares, numa perspetiva de direitos adquiridos, o contribuinte vê melhor o bolo que está a construir para a reforma. E esse bolo é menos permeável, no futuro, a alterações das políticas públicas.”

O modelo seria então “um mix de planos de pensões”. “Se mantivermos tudo como está, arriscamo-nos a sobrecarregar os mais novos com os problemas que os mais velhos não conseguiram resolver.”

15%
do PIB é o valor que a Segurança Social gasta com prestações sociais e subsídios, como pensões, rendimento social de inserção, desemprego e maternidade

IDEIAS-CHAVE

“Em 2001, 64% dos jovens abaixo de 29 anos tinham casa própria. Em 2011, eram apenas 45%. Vamos ver o que nos dizem os próximos censos, mas o número terá reduzido para perto de um quarto. Os jovens poupam pouco e cada vez menos”
Susana Peralta
Economista

“Temos de distinguir entre sustentabilidade financeira — que tem a ver com a capacidade de as receitas da Segurança Social cobrirem as suas despesas — e a própria sustentabilidade social. É preciso receitas que assegurem uma transição para a reforma, que não quebrem rendimentos e protejam contra a pobreza”

Amílcar Moreira
Economista

“Neste quadro atual de contribuições, o sistema poderá não ser sustentável a longo prazo, tendo presente o problema das curvas contrárias, do crescimento da população ativa e não ativa. Há um problema intergeracional: se mantivermos tudo como está, arriscamo-nos a sobrecarregar as gerações mais novas. Se estamos a caminhar para um desequilíbrio futuro da Segurança Social, serão os nossos filhos a carregar o problema”

João Pratas
Presidente da APFIPP

Textos originalmente publicados no Expresso de 24 de outubro de 2020