21.10.20

“Há uma guerra económica e os europeus não podem continuar parados”

Rita Siza, in Público on-line

Num relatório intitulado “Proteger a Europa da Coerção Económica”, especialistas do European Centre on Foreign Relations defendem postura mais agressiva e sugerem novos instrumentos, como um Banco Europeu de Exportações.

A União Europeia ainda não dispõe de um arsenal adequado para poder enfrentar o fogo cruzado comercial e responder a outras agressões económicas de potências como os Estados Unidos, a China e a Rússia, que ameaçam a sua soberania e lhe custam milhões por efeito da distorção do mercado. O alerta é de Jonathan Hackenbroich, autor de um relatório intitulado “Proteger a Europa da Coerção Económica” publicado esta quarta-feira pelo think tank European Centre on Foreign Relations.

Mas a UE não pode permanecer fechada na caserna por muito mais tempo, argumenta. “A realidade é que a guerra económica está a instalar-se e os europeus não podem continuar parados enquanto outros países ditam políticas”, considera o investigador em política económica e especialista em geopolítica. “A inacção está a tornar-se insuportável e perigosa para a Europa”, diz.

O relatório defende que a União Europeia, e os seus Estados membros, individualmente, adoptem uma postura mais assertiva. Isto é, que se preparem para “desenvolver novos instrumentos concretos” e utilizar outras opções, incluindo de maior confronto, para defender o seu mercado e as suas empresas.

A constituição de um banco europeu de exportações, a promoção do euro digital, o desenvolvimento de um instrumento europeu anti-coerção ou a criação de um regime efectivo de reciprocidade para sanções extraterritoriais e pessoais são algumas das propostas avançadas por Jonathan Hackenbroich no seu relatório, que resulta de um trabalho de auscultação de responsáveis dos governos nacionais e ainda peritos dos sectores público e privado.

A UE, entendem estes especialistas, não deve perder mais tempo para desenhar um menu de medidas de natureza defensiva que contribuam para aumentar a sua resiliência, promover a sua autonomia e, em simultâneo, dissuadir os agentes externos de uma potencial escalada na guerra comercial.

Sem novos “instrumentos concretos”, os parceiros europeus não conseguirão abrir caminho para a cooperação e o “compromisso bilateral” — que é a sua resposta preferencial, mas “nem sempre é viável”, nota Hackenbroich.

O relatório aponta para várias medidas que podem ser consideradas (algumas mais fáceis de adoptar do que outras) em três áreas de actuação distintas: no campo financeiro defende-se o reforço do papel internacional do euro; na política comercial propõe-se a revisão do Estatuto de Bloqueio da UE ou a criação de um instrumento europeu de defesa colectiva de coerção económica; e em termos da agenda comum para o futuro, insiste-se na necessidade de investir o futuro fundo de recuperação “Próxima Geração UE” na dupla transição ecológica e digital, e também na nova estratégia industrial de “interligação e revalorização das cadeias de abastecimento vulneráveis”.

A fundação de um novo Banco Europeu de Exportações, que poderia prestar serviços de pagamento (transferências monetárias e cartas de crédito) sem recorrer ao dólar ou ao sistema financeiro norte-americano, tornaria a UE menos vulnerável a chantagens económicas, defende o autor do relatório. Tal como o estabelecimento, pelo Banco Central Europeu, de uma nova infra-estrutura de pagamentos europeia para um euro digital, que aumentaria a resiliência das relações comerciais europeias às sanções impostas pelos operadores dos EUA.

Na opinião de Hackenbroich, a UE não pode continuar a deixar sem resposta acções hostis ou sanções direccionadas, como por exemplo aquelas que foram prometidas pelo Senado norte-americano contra o presidente do município alemão de Sassnitz por causa da construção do gasoduto Nordstream 2, ou sugeridas pela Administração Trump para punir a procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional pela investigação de crimes de guerra cometidos por militares dos EUA.


As ameaças, vindas de um aliado histórico, surpreenderam os europeus. Mas não foi um episódio isolado: recentemente, os EUA prometeram retaliar duramente contra a UE se esta cumprisse a sua prerrogativa, confirmada pela Organização Mundial de Comércio, de impor tarifas no valor de quatro mil milhões de euros a produtos norte-americanos.

Não é nada de novo: em 2014, a Rússia reagiu à imposição de sanções pela UE por causa da invasão da Ucrânia e anexação da Crimeia com uma ordem a travar as exportações de produtos agrícolas de origem europeia.

Rivais como a China também têm usado coerção e chantagem contra a UE para atingir os seus objectivos económicos e políticos. Pequim fez pairar uma nuvem negra sobre as importações de automóveis alemães enquanto a Huawei se candidatava à construção da infra-estrutura para o 5G naquele país. E desde o início da pandemia de coronavírus tem gerido as suas remessas de equipamentos médicos e cirúrgicos para condicionar as acções (económicas ou diplomáticas) de vários Estados membros.

Além do impacto directo nas transacções europeias com os seus maiores parceiros comerciais, as manobras têm um efeito secundário: como se lê no relatório, as ameaças de controlos às exportações podem ser utilizados pela China e os EUA para controlar o comércio da UE com países terceiros, uma vez que Pequim e Washington têm de dar a sua autorização para a “re-exportação” de produtos para outros mercados.