24.8.22

Famílias não escapam ao aumento do papel, mas a maioria do material escolar não está a sofrer inflação

Samuel Silva (texto) e Nelson Garrido (fotografia), in Público online

Esferográficas, lápis, mas também calculadoras e batas de laboratório mantêm o preço em relação ao ano passado. Os maiores aumentos são os dos cadernos, chegando aos 50%.

Os oito livros que Cláudia leva debaixo do braço “são para a pequena”. A filha mais nova está no 7.º ano e, antes de ir de férias, pediu à mãe para ir buscá-los à livraria. “Agora faltam os do rapaz.” Mas esses ficam para a primeira semana de Setembro. Deixará também para essa altura a aquisição do restante material necessário para o novo ano lectivo. Já sabe, porém, com o que contar: ainda que boa parte dos produtos mantenha os preços do ano passado, é impossível escapar aos efeitos da inflação. Sobretudo nos cadernos e no material de desenho.
O “grande problema”, diz Luís Sá, que gere a livraria Oswaldo Sá, em Braga, à qual Cláudia foi buscar os manuais para a filha, “está em tudo o que tem a ver com o papel”. Um caderno A4, que no ano passado custava 1,90 euros, custa, este ano, 2,90. Algumas marcas têm “subidas significativas”, explica o empresário. Há produtos destes de marcas estrangeiras cujo preço chega aos 6 euros.

Há, como em todos os mercados, ofertas para todos os bolsos. Mas mesmo as marcas próprias sofreram um aumento em todos os produtos que usam papel. Por exemplo, o caderno mais barato vendido nos supermercados Pingo Doce subiu 10 cêntimos, para 0,79 euros.
Subida do preço do papel atingiu todos os mercados

O aumento do preço do papel atingiu todos os mercados – dos jornais aos livros. Os cadernos de uso escolar não escapam a essa tendência. O custo também aumentou nas capas de elásticos, em cartão, usadas para guardar trabalhos, que são obrigatórias na maioria das listas de material entregues pelas escolas antes do novo ano escolar.

Neste contexto, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) anunciou, há poucos dias, que os editores estão a tentar absorver o impacto do aumento dos custos com o papel no que toca aos manuais. Os preços dos livros escolares vão aumentar, este ano, 0,79%, em média, segundo a APEL.

Este aumento terá um impacto directo reduzido nos orçamentos das famílias. Desde 2019 que os manuais são gratuitos em todos os níveis de ensino da escolaridade obrigatória nas escolas públicas – a medida, introduzida em 2016, foi progressivamente alargada. No último ano lectivo, o Ministério da Educação investiu cerca de 66 milhões de euros com a aquisição de manuais novos.

Ainda assim, as famílias têm mesmo que comprar cadernos de actividades ou livros de fichas, que acompanham parte dos manuais. Em média, gastam com estes cerca de 50 euros por ano, segundo as contas da Confederação Nacional das Associações de Pais e Encarregados de Educação (Confap). A variação dos preços destes produtos é também inferior a 1%.

O movimento de clientes na livraria Oswaldo Sá, a mais antiga de Braga – está aberta há 52 anos – ainda é relativamente escasso. Na montra, debaixo de um grande cartaz vermelho com letras brancas que anuncia “Livros Escolares”, está o logótipo da plataforma MEGA, através do qual o Ministério da Educação gere a atribuição dos manuais gratuitos. Os “vouchers” através dos quais os pais podem levantar os livros “ainda não saíram todos”, o que reduz a procura, explica Luís Sá. “Em Setembro, a fila vai até ao D. Maria”, a escola secundária fica a menos de 200 metros, afiança.

Nas grandes superfícies ainda não começaram com toda a força as feiras de material escolar, habituais antes do início de cada ano lectivo, mas a sinalética do “Regresso às Aulas” já começa a encimar as prateleiras com os artigos de papelaria. Além dos produtos que usam papel, verificam-se também aumentos em material de desenho como borrachas, afias e esquadros, revelam dados fornecidos pelo Pingo Doce. As subidas nestes preços são ligeiras, entre 20 a 30 cêntimos por produto. “Neste período de regresso às aulas, o Pingo Doce procurou manter os preços estáveis para o consumidor, em comparação com o ano 2021”, diz fonte da empresa.

Por exemplo, não houve mexidas nos preços das mochilas, estojos, esferográficas e lápis. Nas papelarias visitadas pelo PÚBLICO o cenário confirma-se. As calculadoras e as batas de laboratório, por exemplo, também passam, para já, incólumes à inflação.

“Excepto no papel, a diferença de preços para o ano passado não é muito significativa”, confirma a presidente da Confap, Mariana Carvalho. O impacto comedido da inflação no material escolar dá alguma folga às famílias que “já sabem que nesta fase do ano têm sempre que gastar bastante” dinheiro, prossegue a dirigente.

Tem uma filha no 1.º ciclo e estima investir cerca de 100 euros na lista de material pedida pela professora titular. Segundo o observatório da empresa de crédito Cetelem, as famílias portuguesas antecipavam, antes do início do ano lectivo passado, gastar cerca de 335 euros com o regresso às aulas. O valor tem vindo a descer: em 2018, eram quase 500 euros (487). Os números deste ano só são conhecidos no próximo mês.
Três “listas de compras” para o início deste ano lectivo

Com base em relações de material obrigatório fornecidas pelas escolas, o PÚBLICO construiu três “listas de compras” para o início deste ano lectivo. Tendo em conta os preços praticados este ano – tanto em grandes superfícies como em livrarias e papelarias do comércio tradicional – é possível perceber que as famílias têm que gastar, pelo menos, 78 euros neste regresso às aulas.

É assim para quem tenha um filho no 2.º ano. Além dos produtos básicos (mochila e estojo, cadernos, esferográficas e lápis), os professores pedem, para alunos destas idades, caixas de lápis de cor, lápis de cera e canetas de feltro, tesouras, colas e um dicionário básico da Língua Portuguesa. Isto sem contar com o “imenso material” que vão pedindo ao longo do ano lectivo, conta Mariana Carvalho, da Confap: “São tecidos, papel de crepe, tudo coisas que encarecem o orçamento familiar.”

O custo do “cabaz” de compras vai aumentado à medida que os alunos avançam no seu percurso escolar. No 7.º ano, são necessários mais cadernos – um por cada disciplina – o que, no actual contexto do preço do papel, encarece a conta final. À lista é preciso juntar uma calculadora científica (cerca de 8 euros) e uma pen drive, cada vez mais usual nas listas das escolas, para a entrega de trabalhos feitos no computador aos professores. Contas feitas, um aluno neste nível de ensino gastará à volta de 105 euros nas próximas semanas.

A “factura” aumenta para quase o dobro no caso dos estudantes do ensino secundário. O PÚBLICO usou como referência as necessidades dos alunos do 11.º ano de um curso de Ciências e Tecnologias. Para estes, é obrigatória uma bata para os laboratórios de Química e Biologia (cerca de 15 euros) e uma calculadora gráfica (60 euros). A disciplina mais “cara” acaba por ser Geometria Descritiva. Além de um Aristo (10 euros) e compasso (16 euros), é obrigatório um caderno de papel próprio para desenho cujo preço aumentou, este ano, para perto de 15 euros.