12.8.22

A dádiva da imigração

Manuel Carvalho, editorial, in Público on-line

A esmagadora maioria dos imigrantes quer o que inúmeras gerações de portugueses quiseram quando tiveram de partir: uma nova oportunidade para uma vida digna

O relatório da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) de 2021 vale mais pelo que insinua do que pelo que revela em relação a agressões por motivos étnico-raciais. As 408 queixas apresentadas só podem representar uma pequena amostra da violência que todos os dias se comete contra negros, ciganos ou imigrantes. E, entre estes, o relatório confirma um disparo acentuado das queixas apresentadas por brasileiros. Depois da série de episódios de agressões contra esta comunidade, está na hora de os levar muito a sério e exigir não apenas respostas das autoridades, mas também a indignação e o protesto de toda a comunidade.

O Presidente da República pode ter razão quando reage a agressões xenófobas ou racistas contra brasileiros dizendo que “não se deve generalizar” a autoria destes abusos à sociedade portuguesa. Mas, mesmo que defenda a punição dos prevaricadores, a sua mensagem contempla, ainda que de forma involuntária, uma condescendência e um relativismo potencialmente funestos. Mesmo que os crimes sejam praticados por uma minoria, subtraí-los à responsabilidade geral da sociedade tende a gerar indiferença ou demissão. Ora, o racismo e a xenofobia é um problema que nos ofende a todos. É um horror que não se combate apenas com a lei, mas também com a criação de uma pressão social capaz de tornar esses crimes mais intoleráveis.

E para que isso seja possível, há muito mais do que valores humanistas, a decência, a ética ou a lei a considerar. Há também um lado utilitário, ou egoísta. Os brasileiros, como os nepaleses ou franceses, fazem imensa falta ao país. Para suprir necessidades no mercado de trabalho, para garantir a sustentabilidade da Segurança Social, para reanimar o vazio das nossas escolas. Como fazem falta para reavivar a língua, para enriquecer a cultura ou para acentuar o cosmopolitismo. Como disse o presidente da Assembleia da República, “Portugal deve muito, mas mesmo muito, aos muitos milhares de imigrantes que aqui trabalham”.

Há riscos neste processo? Claro que os bolsonaristas, os criminosos, os que querem reconstruir nas nossas cidades as fortalezas dos condomínios fechados ou fazer quartos interiores indignos para as suas “babás” não são bem-vindos. Mas esses não são a regra que a extrema-direita agita como um fantasma. A esmagadora maioria quer o que inúmeras gerações de portugueses quiseram quando tiveram de emigrar: uma nova oportunidade para uma vida digna. Esses devem ser recebidos como uma benesse para um país que necessita de novas energias. A maioria dos portugueses há-de ser tolerante e aberta, mas, na defesa dos seus valores (e até dos seus interesses), tem de fazer mais prova desses valores e atitudes.