30.8.22

Mais de 200 refugiados da Ucrânia já se candidataram a Medicina. Vão ser distribuídos pelas oito faculdades

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

Conselho de Escolas Médicas Portuguesas propôs à ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior distribuir alunos por escolas de Medicina. Despacho determina isso mesmo, depois de, no ano lectivo passado, algumas faculdades terem deixado de fora estudantes não ucranianos e ministra ter afirmado que não podia haver discriminação.

A ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) emitiu um despacho, a 12 de Agosto, que determina que todos os refugiados que vieram da Ucrânia podem candidatar-se aos cursos de Medicina em Portugal mas será feita uma distribuição equitativa de “todos os requerentes” pelas oito escolas de ensino superior que ministram o mestrado integrado de Medicina.

No domingo, às 23h59, terminou o prazo de candidatura destes estudantes. Segundo o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas já foram contabilizadas mais de 200 candidaturas de refugiados, a esmagadora maioria de não-ucranianos. O CEMP ainda está a fazer registo das candidaturas, pelo que este dado poderá ser alterado.

​A medida do Governo abrange todos os requerentes, independentemente da sua nacionalidade, que podem pedir o estatuto de estudante em situação de emergência por razões humanitárias. Essa garantia surgiu na sequência de uma notícia do PÚBLICO em Junho, que revelava que havia escolas de Medicina que só estavam a aceitar ucranianos e a não aceitar refugiados de outras nacionalidades que estudavam Medicina na Ucrânia. Nessa altura, o Ministério disse que as escolas não podiam discriminar em função da nacionalidade. Segundo os registos do CEMP, a maioria dos alunos de Medicina que fugiu da guerra da Ucrânia e pediu para ingressar nas escolas médicas não era ucraniano. ​

Esta modalidade de distribuir alunos por várias escolas foi uma proposta do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), que Elvira Fortunato aceitou. Isto porque a maioria dos alunos de Medicina que vieram da Ucrânia estavam a concorrer apenas a um pequeno número de instituições e isso “poderia prejudicar a qualidade da formação, em particular a que ocorre em ambiente hospitalar”, refere o despacho.

O despacho surge em sequência da reunião entre o Conselho e o ministério, a 27 de Julho, um mês depois de o Governo e aquele órgão que representa as escolas de Medicina terem garantido que estavam “empenhados em alcançar soluções” para integrarem todos os alunos que fugiram da guerra na Ucrânia e a quem Portugal atribuiu estatuto de protecção.

Segundo disse ao PÚBLICO o presidente do Conselho de Escolas Médicas, Henrique Cyrne de Carvalho, durante esta semana serão avaliadas e validadas as candidaturas e na sexta-feira será comunicado aos candidatos a sua colocação. A partir daí vai ser feita a distribuição pelas escolas e depois cada conselho pedagógico ou comissão científica vai identificar o posicionamento do aluno no plano curricular, acrescentou.

A distribuição dos alunos será feita de acordo com o número de estudantes de cada escola - as maiores recebem mais alunos e as mais pequenas menos. “Ter mais 20 alunos numa faculdade pequena tem mais impacto do que numa grande”, afirma Henrique Cryne.

De acordo com o publicado, estas serão as percentagens do total de candidatos com que cada uma das oito escolas ficará: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 21%; Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra 17%; Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa 16% cada; Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto 10%; Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior 9%; Escola de Medicina da Universidade do Minho 8%; Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve (apenas para ciclo clínico) 3%.
Ordem de chegada determina colocação

Na inscrição os alunos indicaram por ordem de preferência a escola que pretendiam frequentar, e em relação à sua colocação “sempre que for possível” será respeitada a opção escolhida. O CEMP vai colocar os alunos por ordem de chegada das candidaturas, até ao limite das vagas de cada uma das escolas médicas, esclareceu Daniela Gomes, assessora do presidente.

Depois volta-se ao início do processo, e “corre-se” a ordem de preferência dos alunos com as escolhas seguintes à primeira. Desde que sejam estudantes de Medicina, tenham entregado o certificado de protecção válido e a documentação obrigatória os estudantes ficam colocados, referiu.

Para este processo foi criado um grupo de trabalho, com um membro de cada escola e presidido por um membro do CEMPA, que faz a análise das candidaturas até esta quinta-feira e que irá fazer o relatório final da colocação dos estudantes.

Uma das questões levantadas pelas escolas sobre a integração destes alunos tinha sido o problema de recursos, mas Henrique Cyrne afirmou que serão os mesmos: “Foi um compromisso que as escolas médicas assumiram neste esforço, uma atitude solidária”, referiu.

Em Junho, Henrique Cyrne Carvalho, também director do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), dissera ao PÚBLICO que algumas das oito escolas de Medicina do país tinham integrado alunos ucranianos e portugueses vindos da Ucrânia, mas que, em relação aos alunos estrangeiros – que disse representarem a maior fatia, entre 80 a 90% –, estavam a deixá-los para último lugar. Algumas, como a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tinham mesmo decidido não aceitar os alunos não-ucranianos “uma vez que era uma carga muito grande receber os outros todos”, disse na altura o seu director Fausto J. Pinto​.

Por seu lado, Cyrne Carvalho explicava que integrar os alunos não podia “pôr em questão o compromisso que existe de formação para com os estudantes” que já estavam na instituição, referiu. A diferença entre alunos ucranianos e não ucranianos tinha a “ver com o número”: “Uma coisa é integrar 40, outra 300”, referia. A distribuição equitativa pelas várias escolas veio dar resposta a este problema.

Ao PÚBLICO, o ministério liderado por Elvira Fortunato afirmou que competia “às instituições de ensino superior, no âmbito da sua autonomia científico-pedagógica, decidir se abriam ou não vagas em Medicina para os estudantes com estatuto de refugiado”. Porém, avisava: “se o fizerem, não poderão discriminar em razão da sua nacionalidade” e “se não abrirem vagas, devê-lo-ão justificar.”