por Manuel Caldeira Cabral, professor na Universidade do Minho, e Manuel Pinho, Ex-ministro da Economia e da Inovação, professor na Universidade de Columbia, in Diário de Notícias
O empobrecimento não trouxe crescimento nem consolidação
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam hoje no Diário de Notícias o terceiro artigo de uma série de cinco sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
Quando o atual Governo entrou em funções, a visão dominante sobre a crise portuguesa seguia muito de perto o discurso de explicação da crise grega. De acordo com esta visão, a aceleração do crescimento da despesa pública durante a última década era responsável pela perda de competitividade da economia, endividamento excessivo e baixo crescimento do País. O novo governo cedo manifestou a intenção de "ir além da troika": medidas mais duras para um ajustamento em menos tempo.
No caso português, esta visão da crise chocava com os factos. A despesa pública não acelerou na última década. Entre 2001 e 2011, a taxa de crescimento da despesa pública foi metade da verificada na década anterior e foi até a mais baixa desde a segunda mundial. O que se verificou, depois de 2000, foi antes uma diminuição do crescimento do PIB nos países ocidentais, que devido à nossa especialização foi mais marcada em Portugal. Isto sugere que o abrandamento resultou de causas externas, como a emergência da China, ou o aumento do preço das matérias-primas e a crise financeira, e não de causas internas.
A diminuição do crescimento foi a causa dos problemas de contas públicas e não o contrário.
O atual Governo ignorou este facto e alinhou a sua estratégia com a visão de que a única questão a resolver era o problema de contas públicas. A diminuição da despesa pública devia corrigir o défice público e garantir a redução da despesa interna e da procura de trabalho que, pelo aumento do desemprego, conduziria à diminuição dos salários. A redução da procura interna substituiria a desvalorização, contribuindo para reduzir as importações e para aumentar a competitividade, pela redução dos salários, promovendo uma aceleração das exportações.
A tese do empobrecimento
Esta era a tese do empobrecimento. Só empobrecendo e reduzindo salários poderíamos voltar ao crescimento. A austeridade resolveria todos os desequilíbrios e promoveria a retoma do crescimento.
A única coisa que podia falhar, nesta ótica, assumida pela troika e Governo, era o mercado de trabalho. A rigidez do mercado laboral podia atrasar a descida dos salários e a redução do custos unitários de trabalho (CUT). Daí a prioridade dada à reforma da Lei Laboral e à liberalização dos despedimentos
A realidade acompanhou a teoria na redução da procura interna, gerou aumento do desemprego e descida dos salários e CUT. O ajustamento no mercado laboral foi forte, mesmo antes da nova leis laboral. Os custos unitários desceram fortemente ao longo de 2012 e2013 (ver gráfico).
O que falhou?
O que falhou foi o passo seguinte. A redução dos custos unitários não foi acompanhada pelo aumento da taxa de crescimento das exportações. Pelo contrário, a redução dos CUT portugueses face aos dos países da UE foi acompanhada por um abrandamento do crescimento das exportações (de 13,5%, em 2010 e 2011, para 3,9%, em 2012 e 2013). Parte deste abrandamento pode ser atribuído à crise europeia. No entanto, o crescimento das exportações extracomunitárias caiu de 19% ao ano (entre 2010 e 2012) para 7%, nos primeiros nove meses de 2013. Isto dificilmente pode ser explicado pela crise europeia.
Para além de mais fraco, o crescimento das exportações em 2012 e 2013 foi sustentado por sectores de capital intensivo, em que os custos laborais não são significativos, como os produtos refinados de petróleo ou o papel, expansão que resulta de grandes investimentos promovidos pelo anterior governo. Excluindo as saídas de produtos petrolíferos, as exportações de bens crescem menos de 2%.
A realidade mostra que a teoria do empobrecimento não resultou. A correção do défice externo aconteceu, mas foi baseada crescentemente mais na queda da procura interna e das importações do que na expansão das exportações. O resultado mede-se em queda do PIB e aumento do desemprego. A melhoria do saldo da BTC não traduz um processo virtuoso apenas nacional. Aconteceu em todos os outros países na mesma situação. Entre 2007 e 2013 a redução do défice externo foi até maior na Grécia e em Espanha do que em Portugal.
O nível de recessão imposto à economia acabou por minar os esforços de consolidação orçamental. A redução do défice em 2012 e 2013 juntos foi metade da verificada em 2011. A economia caiu muito e o défice pouco. O empobrecimento da base fiscal assim o impôs. Apesar dos sacrifícios exigidos, o crescimento do rácio de endividamento não abrandou, puxado tanto pelo aumento da dívida como pela baixa do PIB.
A evolução dos últimos dois anos e meio salienta que o crescimento das exportações, o aumento da competitividade e o crescimento do PIB dependem hoje de fatores muito mais complexos do que apenas os custos salariais. O simplismo da tese do empobrecimento tem o seu encanto, mas sem investimento as exportações não podem crescer. O investimento interno está a cair há cinco anos e a baixa de salários não fez o IDE afluir a Portugal, apesar dos apoios do Estado e das isenções fiscais dadas aos grandes projetos.
Hipotecar o futuro
A linha argumentativa da troika e do actual Governo era simples. O País estava a gastar acima do que produzia. Algo que um país que está a gastar acima do que produz não pode fazer é produzir menos.
Não há outra alternativa, foi dito vezes sem conta, pelos que defendiam que a austeridade era o melhor caminho para voltar a colocar rapidamente a economia a crescer. Portugal está hoje a produzir ao nível do que produzia no início do século.
O mais grave é que não se trata apenas de um efeito temporário. O ajustamento seguido está a causar uma perda de capacidade produtiva. O País não está apenas a produzir menos num contexto de recessão. Nestes dois anos Portugal viu descer o seu PIB potencial. Como é que isso aconteceu? Portugal perdeu mão de obra, perdeu capital e perdeu confiança nas instituições.
Os modelos de crescimento consideram sempre o stock de capital e de mão de obra como a base em que assenta o crescimento, a que se juntam as qualificações, tecnologia e qualidade das instituições como fatores potenciadores.
A base produtiva encolheu
Nos últimos dois anos a base produtiva encolheu. Encolheu pela saída de mão de obra, de uma forma que já não era vista desde 1974. Encolheu porque, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o País registou uma redução do seu stock líquido de capital..
Nos últimos dois anos o stock de capital de Portugal caiu mais de dez mil milhões de euros e, de acordo com os dados do Eurostat, deverá continuar a cair em 2014 e 2015. Nas anteriores crises Portugal teve reduções temporárias do nível de investimento, mas nunca foram a um nível que implicasse uma redução do stock de capital da economia.
Sejamos claros. Portugal tem pouco capital. Esse é um dos nossos atrasos. O stock de capital por trabalhador de Portugal é cerca de metade do da UE15 e isso reflete-se na produtividade do País. Nos últimos quarenta anos aproximámo-nos da média europeia, subindo de 32%, em 1974, para 40%, em 1990, e 52% em 2010. Hoje, com o investimento a 56% do nível de 2001, estamos a andar para trás e a reduzir fortemente a capacidade produtiva da economia. Pela primeira vez, Portugal teve uma década (2003-13) em que investiu menos do que na década anterior. E isto é verdade tanto para o investimento público como privado. Ambos caíram quase 40% desde 2008.
Para além de capital, Portugal também está a perder força de trabalho. Mais de 5% da força de trabalho saiu do País. Num país com baixíssimas qualificações, o fluxo brutal de emigração de jovens com elevadas qualificações para o estrangeiro tem de ser olhado com enorme preocupação. A esta perda junta-se a diminuição das entradas para o ensino superior. É uma redução de capital humano brutal.
A retoma vai ser feita sem estes recursos, a partir de um patamar mais baixo e com pouco carburante.
É mais difícil medir o efeito do desinvestimento na ciência e inovação, ou a perda de confiança nas instituições nacionais. Mas estes estão a acontecer e vão cobrar um preço muito caro às gerações futuras. É preciso alterar as prioridades e perceber que só uma retoma sustentada pode permitir consolidar as contas públicas e estabilizar o endividamento. E que quanto mais tarde esta começar, mais baixo será o nível que o País terá como base para o crescimento futuro.
O ajustamento seguido em Portugal está a ser desastroso. Não resolveu o problema do défice nem da dívida pública. E não conseguiu relançar o crescimento com a sua estratégia simplista de empobrecimento, pensada para um país que Portugal felizmente já não é nem pode ser. Afundar a economia não pode ser parte da solução, pois só agrava o problema.
22.11.13
Sem-abrigo há 10 anos reabilitam a sua futura casa em Coimbra
in Sol
João e Honório são sem-abrigo há mais de 10 anos e começaram na segunda-feira a reabilitar a sua futura casa em Coimbra, com a ajuda da associação Hemisférios Solidários e de voluntários.
Eduardo Marques, director da associação Hemisférios Solidários, chegou à casa, na quinta-feira, por volta das 10h30, estando já João, um dos sem-abrigo envolvidos, à espera para trabalhar.
"O João é muito talentoso, sem ele não haveria obra nenhuma", afirmou Eduardo Marques, explicando que se pretende utilizar "as competências e talentos" das pessoas ajudadas no desenvolvimento do projecto.
Desde o verão que a reabilitação de uma casa abandonada há mais de 15 anos em Coimbra estava a ser ponderada pela associação, tendo passado para a acção na segunda-feira, com os vizinhos "de acordo e disponíveis a ajudar".
"Isto não é assistencialismo nem caridade", avisou Eduardo Marques, referindo que o projecto é um ato de "resistência contra a inoperância do Estado e das autarquias" e uma forma de garantir o cumprimento do "direito à habitação de qualquer cidadão".
O objectivo é que dentro de uma a duas semanas a casa já tenha janelas e portas para ser possível aos dois homens apoiados, Honório, sexagenário, e João, de 39 anos, e sem-abrigo há 15 anos, "algum conforto já durante o inverno, para depois, se possível, conseguir-se garantir água e luz para a casa".
A associação trabalha neste âmbito desde 2011, pretendendo garantir a "autonomia e liberdade" de sem-abrigo, querendo "retirá-los da rua".
Para isso, é também precisa "a ajuda da sociedade", tendo recebido até ao momento "um saco de cimento, louça, madeira, vidro, mobiliário e uma banheira", assim como o apoio de voluntários na restauração da casa.
Margarida Meireles, de 23 anos, e Diogo Brito, de 33, que se voluntariaram em ajudar, começaram o dia a carregar madeira para um sítio abrigado da chuva, para no futuro servir para se queimar e garantir algum aquecimento aos dois futuros habitantes da moradia.
"Temos tempo e é gratificante podemos dar o nosso contributo", disse Margarida.
Há muito que fazer. A casa estava coberta de silvas e entulho, há janelas partidas, teias de aranha, cal a sair da parede gasta e com rachas, telhas em falta e teto estragado.
João já andou a escovar as paredes, apesar de ainda serem bem visíveis os grafites, e avisa que não se pode usar tinta na parede mas cal, "que se não estraga a parede".
O sem-abrigo esmera-se enquanto delineia tarefas, como assentar janelas, repará-las, ver a medida das portas e o que se pode fazer na casa de banho.
"Com todo o gosto e todo o amor que ando aqui a reconstruir", diz, visivelmente emocionado, com um cigarro na ponta dos lábios.
João começou "aos 15 anos nas obras" e essa experiência e conhecimento é uma mais-valia para a reabilitação da moradia.
"Isto agora vai pouco a pouco", contou, lembrando também as dificuldades da reconstrução da casa apenas com um litro de tinta, uma pá, um rolo, um martelo e um carrinho.
"Já sinto que esta é a minha casa", confidenciou João, compenetrado no arranjo de uma das janelas.
Lusa/SOL
João e Honório são sem-abrigo há mais de 10 anos e começaram na segunda-feira a reabilitar a sua futura casa em Coimbra, com a ajuda da associação Hemisférios Solidários e de voluntários.
Eduardo Marques, director da associação Hemisférios Solidários, chegou à casa, na quinta-feira, por volta das 10h30, estando já João, um dos sem-abrigo envolvidos, à espera para trabalhar.
"O João é muito talentoso, sem ele não haveria obra nenhuma", afirmou Eduardo Marques, explicando que se pretende utilizar "as competências e talentos" das pessoas ajudadas no desenvolvimento do projecto.
Desde o verão que a reabilitação de uma casa abandonada há mais de 15 anos em Coimbra estava a ser ponderada pela associação, tendo passado para a acção na segunda-feira, com os vizinhos "de acordo e disponíveis a ajudar".
"Isto não é assistencialismo nem caridade", avisou Eduardo Marques, referindo que o projecto é um ato de "resistência contra a inoperância do Estado e das autarquias" e uma forma de garantir o cumprimento do "direito à habitação de qualquer cidadão".
O objectivo é que dentro de uma a duas semanas a casa já tenha janelas e portas para ser possível aos dois homens apoiados, Honório, sexagenário, e João, de 39 anos, e sem-abrigo há 15 anos, "algum conforto já durante o inverno, para depois, se possível, conseguir-se garantir água e luz para a casa".
A associação trabalha neste âmbito desde 2011, pretendendo garantir a "autonomia e liberdade" de sem-abrigo, querendo "retirá-los da rua".
Para isso, é também precisa "a ajuda da sociedade", tendo recebido até ao momento "um saco de cimento, louça, madeira, vidro, mobiliário e uma banheira", assim como o apoio de voluntários na restauração da casa.
Margarida Meireles, de 23 anos, e Diogo Brito, de 33, que se voluntariaram em ajudar, começaram o dia a carregar madeira para um sítio abrigado da chuva, para no futuro servir para se queimar e garantir algum aquecimento aos dois futuros habitantes da moradia.
"Temos tempo e é gratificante podemos dar o nosso contributo", disse Margarida.
Há muito que fazer. A casa estava coberta de silvas e entulho, há janelas partidas, teias de aranha, cal a sair da parede gasta e com rachas, telhas em falta e teto estragado.
João já andou a escovar as paredes, apesar de ainda serem bem visíveis os grafites, e avisa que não se pode usar tinta na parede mas cal, "que se não estraga a parede".
O sem-abrigo esmera-se enquanto delineia tarefas, como assentar janelas, repará-las, ver a medida das portas e o que se pode fazer na casa de banho.
"Com todo o gosto e todo o amor que ando aqui a reconstruir", diz, visivelmente emocionado, com um cigarro na ponta dos lábios.
João começou "aos 15 anos nas obras" e essa experiência e conhecimento é uma mais-valia para a reabilitação da moradia.
"Isto agora vai pouco a pouco", contou, lembrando também as dificuldades da reconstrução da casa apenas com um litro de tinta, uma pá, um rolo, um martelo e um carrinho.
"Já sinto que esta é a minha casa", confidenciou João, compenetrado no arranjo de uma das janelas.
Lusa/SOL
Novo programa de microcrédito quer criar dois mil empregos em dois anos
por Teresa Almeida, in RR
Novo programa de apoio ao microcrédito é ser lançado esta sexta-feira, no distrito de Braga. Espera-se que sejam sobretudo os jovens a aderir.
A Associação Comercial e Industrial de Barcelos (ACIB) lança esta sexta-feira um novo programa de apoio ao microcrédito que pretende ser uma resposta no combate ao desemprego num dos distritos mais afectados pela falta de postos de trabalho.
O problema do desemprego “neste distrito é acrescido”, afirma o presidente da ACIB, João Albuquerque. O distrito é “um dos mais elevados do país e atinge essencialmente os jovens”, acrescenta.
Nos próximos dois anos, podem ser criados dois mil postos de trabalho, uma vez que a “expectativa é fazer nascer 500 novas empresas”.
Importante é também que “estas empresas se mantenham durante muito tempo a laborar, porque Barcelos e Braga têm uma taxa altíssima de criação de empresas, mas temos também uma taxa altíssima de morte de empresas. E esta morte de empresas tem a ver com o facto de não terem sido bem assessoradas, bem acompanhadas”, defende João Albuquerque.
A ACIB não quer que o programa seja visto apenas como uma resposta social, mas sim como um projecto multissectorial, que “seja levado aos jovens licenciados com carácter empreendedor”.
A partir de hoje, cada empresa constituída pode ter direito a um valor máximo de 20 mil euros para arrancar com o projecto.
Novo programa de apoio ao microcrédito é ser lançado esta sexta-feira, no distrito de Braga. Espera-se que sejam sobretudo os jovens a aderir.
A Associação Comercial e Industrial de Barcelos (ACIB) lança esta sexta-feira um novo programa de apoio ao microcrédito que pretende ser uma resposta no combate ao desemprego num dos distritos mais afectados pela falta de postos de trabalho.
O problema do desemprego “neste distrito é acrescido”, afirma o presidente da ACIB, João Albuquerque. O distrito é “um dos mais elevados do país e atinge essencialmente os jovens”, acrescenta.
Nos próximos dois anos, podem ser criados dois mil postos de trabalho, uma vez que a “expectativa é fazer nascer 500 novas empresas”.
Importante é também que “estas empresas se mantenham durante muito tempo a laborar, porque Barcelos e Braga têm uma taxa altíssima de criação de empresas, mas temos também uma taxa altíssima de morte de empresas. E esta morte de empresas tem a ver com o facto de não terem sido bem assessoradas, bem acompanhadas”, defende João Albuquerque.
A ACIB não quer que o programa seja visto apenas como uma resposta social, mas sim como um projecto multissectorial, que “seja levado aos jovens licenciados com carácter empreendedor”.
A partir de hoje, cada empresa constituída pode ter direito a um valor máximo de 20 mil euros para arrancar com o projecto.
Portugal à beira de um ataque de nervos com um segundo resgate
Por António Ribeiro Ferreira, in iOnline
A iluminação irlandesa é uma miragem e conta o "Financial Times" que a troika já não acredita no milagre português
"Que o exemplo da Irlanda nos possa iluminar em Portugal. A nossa situação é mais difícil que na Irlanda, mas se não existirem más notícias, é possível que os esforços" dos portugueses "não tenham sido em vão", A frase é de Miguel Frasquilho ontem no parlamento no arranque da votação na especialidade do Orçamento do Estado de 2014. Mas a luz irlandesa está hoje como ontem cada vez mais ténue e para muitos, cá dentro e lá fora, é mesmo uma miragem. A decisão de Dublin de recusar um programa cautelar no fim do resgate foi um balde de água fria para Portugal. O próprio Marques Guedes, ministro da Presidência, reconheceu que o país ficou sem uma referência do que poderá fazer em Junho. Mas o sonho de um programa cautelar, que Dublin recusou por não ter obtido respostas concretas do Eurogrupo do que seria um programa cautelar e temer que o sucesso da Irlanda se transformasse lá para Dezembro num drama europeu, está cada vez mais afastado de Lisboa. Resta um segundo resgate, entre 30 a 50 mil milhões de euros, doloroso como tem sido o primeiro ou ainda mais violento para a vida dos portugueses. E com a Irlanda fora do radar e a Grécia a viver a tragédia do costume, pese embora o optimismo grego para 2014 (ver peça ao lado), o "Financial Times" ataca o assunto com um artigo titulado "Portugal à beira de um segundo resgate?". Diz o jornal britânico que vários responsáveis de topo das instituições internacionais duvidam que uma linha de apoio possa ser suficiente para Portugal sair do resgate de uma forma suave e que o país consiga escapar a um segundo resgate internacional.
As razões do costume Eventuais chumbos do Tribunal Constitucional, elevadas reembolsos de dívida nos próximos anos e juros em "níveis dolorosos" praticados em mercado secundário são algumas das razões apontadas por fontes dos credores para sustentar as dúvidas quanto à necessidade de um segundo resgate. O "Financial Times" lembra que há 1,4 mil milhões de euros, "cerca de um terço das medidas orçamentais planeadas para o próximo ano", à mercê de decisões desfavoráveis do Tribunal Constitucional, recordando ao mesmo tempo que outros chumbos no passado quase originaram a queda do governo de Passos Coelho. A contagem decrescente para uma decisão final quanto aos planos pós-troika começa já na próxima semana, quando o parlamento votar o Orçamento do Estado para o próximo ano, acrescenta o diário económico britânico.
"Se Portugal aceitar uma linha de crédito da União europeia, é expectável que a versão pedida inclua difíceis medidas de austeridade semelhantes às do actual resgate", adianta o jornal.
53 mil milhões de euros Tendo em conta as projecções feitas pelos organismos oficiais, as necessidades de financiamento que Portugal terá de assegurar entre o início do próximo ano e o final de 2017, de acordo com as contas feitas pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), 53 100 milhões de euros. Este valor pode ser uma referência para se perceber qual a dimensão que um segundo pacote de empréstimos da troika a Portugal poderia vir a ter.
Segundo uma apresentação feita pelo IGCP a investidores em Setembro, Portugal precisa de, logo em 2014, assegurar um financiamento adicional de 8200 milhões. Este valor serve para complementar os 8000 milhões que serão ainda entregues pela troika nas últimas tranches do actual programa e os 4700 milhões de excedentes de tesouraria com que o Tesouro português deverá contar no início do próximo ano. À partida, num cenário de regresso aos mercados, este financiamento adicional seria garantido através de emissões de títulos de dívida pública, podendo cerca de metade dos 8200 milhões ser assegurada pelo aumento da exposição do fundo de estabilização financeira da Segurança Social à dívida pública.
Mas se Portugal não regressar aos mercados e o segundo resgate for activado, estes 8200 milhões já terão de ser assegurados por novos empréstimos da troika. Em 2015, este valor sobe para 18 600 milhões, sendo de 14 200 milhões em 2016 e 12 100 milhões em 2017. No total, são 53 100 milhões durante os próximos três anos, um prazo provável para um eventual novo programa de resgate.
A iluminação irlandesa é uma miragem e conta o "Financial Times" que a troika já não acredita no milagre português
"Que o exemplo da Irlanda nos possa iluminar em Portugal. A nossa situação é mais difícil que na Irlanda, mas se não existirem más notícias, é possível que os esforços" dos portugueses "não tenham sido em vão", A frase é de Miguel Frasquilho ontem no parlamento no arranque da votação na especialidade do Orçamento do Estado de 2014. Mas a luz irlandesa está hoje como ontem cada vez mais ténue e para muitos, cá dentro e lá fora, é mesmo uma miragem. A decisão de Dublin de recusar um programa cautelar no fim do resgate foi um balde de água fria para Portugal. O próprio Marques Guedes, ministro da Presidência, reconheceu que o país ficou sem uma referência do que poderá fazer em Junho. Mas o sonho de um programa cautelar, que Dublin recusou por não ter obtido respostas concretas do Eurogrupo do que seria um programa cautelar e temer que o sucesso da Irlanda se transformasse lá para Dezembro num drama europeu, está cada vez mais afastado de Lisboa. Resta um segundo resgate, entre 30 a 50 mil milhões de euros, doloroso como tem sido o primeiro ou ainda mais violento para a vida dos portugueses. E com a Irlanda fora do radar e a Grécia a viver a tragédia do costume, pese embora o optimismo grego para 2014 (ver peça ao lado), o "Financial Times" ataca o assunto com um artigo titulado "Portugal à beira de um segundo resgate?". Diz o jornal britânico que vários responsáveis de topo das instituições internacionais duvidam que uma linha de apoio possa ser suficiente para Portugal sair do resgate de uma forma suave e que o país consiga escapar a um segundo resgate internacional.
As razões do costume Eventuais chumbos do Tribunal Constitucional, elevadas reembolsos de dívida nos próximos anos e juros em "níveis dolorosos" praticados em mercado secundário são algumas das razões apontadas por fontes dos credores para sustentar as dúvidas quanto à necessidade de um segundo resgate. O "Financial Times" lembra que há 1,4 mil milhões de euros, "cerca de um terço das medidas orçamentais planeadas para o próximo ano", à mercê de decisões desfavoráveis do Tribunal Constitucional, recordando ao mesmo tempo que outros chumbos no passado quase originaram a queda do governo de Passos Coelho. A contagem decrescente para uma decisão final quanto aos planos pós-troika começa já na próxima semana, quando o parlamento votar o Orçamento do Estado para o próximo ano, acrescenta o diário económico britânico.
"Se Portugal aceitar uma linha de crédito da União europeia, é expectável que a versão pedida inclua difíceis medidas de austeridade semelhantes às do actual resgate", adianta o jornal.
53 mil milhões de euros Tendo em conta as projecções feitas pelos organismos oficiais, as necessidades de financiamento que Portugal terá de assegurar entre o início do próximo ano e o final de 2017, de acordo com as contas feitas pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), 53 100 milhões de euros. Este valor pode ser uma referência para se perceber qual a dimensão que um segundo pacote de empréstimos da troika a Portugal poderia vir a ter.
Segundo uma apresentação feita pelo IGCP a investidores em Setembro, Portugal precisa de, logo em 2014, assegurar um financiamento adicional de 8200 milhões. Este valor serve para complementar os 8000 milhões que serão ainda entregues pela troika nas últimas tranches do actual programa e os 4700 milhões de excedentes de tesouraria com que o Tesouro português deverá contar no início do próximo ano. À partida, num cenário de regresso aos mercados, este financiamento adicional seria garantido através de emissões de títulos de dívida pública, podendo cerca de metade dos 8200 milhões ser assegurada pelo aumento da exposição do fundo de estabilização financeira da Segurança Social à dívida pública.
Mas se Portugal não regressar aos mercados e o segundo resgate for activado, estes 8200 milhões já terão de ser assegurados por novos empréstimos da troika. Em 2015, este valor sobe para 18 600 milhões, sendo de 14 200 milhões em 2016 e 12 100 milhões em 2017. No total, são 53 100 milhões durante os próximos três anos, um prazo provável para um eventual novo programa de resgate.
Misericórdias receberam apoios comunitários de 85 ME
por Lusa, texto publicado por Paula Mourato, Diário de Notícias
As Misericórdias portuguesas receberam cerca de 85 milhões de euros durante o último Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), revelou à Agência Lusa uma fonte da secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional.
O secretário de Estado Castro Almeida vai hoje proferir uma locução em que fará um balanço dos apoios dados às Misericórdias pelo QREN, no congresso internacional "500 anos de História das Misericórdias", que decorre em Braga.
Segundo esse balanço foram apoiadas 230 candidaturas de 58 misericórdias, pelo Programa Operacional Potencial Humano (POPH) com um financiamento público da ordem dos 43 milhões de euros, enquanto com os Programas Operacionais Regionais foram apoiados 125 projetos no valor de cerca 42 milhões de euros, para um investimento elegível de 53,7 milhões de euros.
Fonte da secretaria de Estado afirmou à Lusa que "os projetos decorrem nos prazos previstos e com taxas de execução elevadas".
Tanto no POPH como nos programas regionais, o Norte foi a região que beneficiou de mais apoios, recebendo cerca de metade dos 85 milhões de euros, num total de aproximadamente 38 milhões de euros de investimento público. Segue-se a região Centro, com 23, 6 milhões de euros e a região do Alentejo com 21,6 milhões de euros.
No POPH a rubrica mais apoiada foram os equipamentos sociais, com cerca 14 milhões de euros, o mesmo acontecendo com fundos de programas regionais que apoiaram as Misericórdias em equipamentos como creches, lares de idosos, centros de acolhimento temporário, lares de infância e juventude, centros de dia serviços de apoio domiciliário, etc.
O congresso "500 anos de História das Misericórdias" que começou quinta-feira encerra hoje no hospital de São Marcos, em Braga, com uma sessão solene presidida pelo Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, ministro Pedro Mota Soares.
As Misericórdias portuguesas receberam cerca de 85 milhões de euros durante o último Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), revelou à Agência Lusa uma fonte da secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional.
O secretário de Estado Castro Almeida vai hoje proferir uma locução em que fará um balanço dos apoios dados às Misericórdias pelo QREN, no congresso internacional "500 anos de História das Misericórdias", que decorre em Braga.
Segundo esse balanço foram apoiadas 230 candidaturas de 58 misericórdias, pelo Programa Operacional Potencial Humano (POPH) com um financiamento público da ordem dos 43 milhões de euros, enquanto com os Programas Operacionais Regionais foram apoiados 125 projetos no valor de cerca 42 milhões de euros, para um investimento elegível de 53,7 milhões de euros.
Fonte da secretaria de Estado afirmou à Lusa que "os projetos decorrem nos prazos previstos e com taxas de execução elevadas".
Tanto no POPH como nos programas regionais, o Norte foi a região que beneficiou de mais apoios, recebendo cerca de metade dos 85 milhões de euros, num total de aproximadamente 38 milhões de euros de investimento público. Segue-se a região Centro, com 23, 6 milhões de euros e a região do Alentejo com 21,6 milhões de euros.
No POPH a rubrica mais apoiada foram os equipamentos sociais, com cerca 14 milhões de euros, o mesmo acontecendo com fundos de programas regionais que apoiaram as Misericórdias em equipamentos como creches, lares de idosos, centros de acolhimento temporário, lares de infância e juventude, centros de dia serviços de apoio domiciliário, etc.
O congresso "500 anos de História das Misericórdias" que começou quinta-feira encerra hoje no hospital de São Marcos, em Braga, com uma sessão solene presidida pelo Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, ministro Pedro Mota Soares.
Mais ou menos Europa
por Manuel Caldeira Cabral, professor na Universidade do Minho, e Manuel Pinho, Ex-ministro da Economia e da Inovação, professor na Universidade Columbia, in Diário de Notícias
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam hoje no Diário de Notícias o último artigo de uma série de cinco sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
A adesão à moeda única com uma taxa de câmbio fortemente sobrevalorizada e a subsequente valorização do euro e queda das taxas de juro colocou a economia portuguesa numa trajetória de aumento do endividamento externo, desenvolvimento centrado no sector dos bens não transacionáveis (com os fracos resultados expectáveis ao nível da produtividade) e fraco crescimento da economia. A política orçamental podia e devia ter sido gerida com maior rigor, porém seria sempre insuficiente para corrigir este conjunto de desequilíbrios.
As regras de funcionamento e a dinâmica de uma união monetária são em larga medida ditadas pela economia mais forte. O comportamento da Alemanha não tem sido, a vários níveis, o que seria de esperar de um país que lidera uma das três maiores regiões económicas do mundo.
Portugal podia ter tentado um ajustamento mais suave como, por exemplo, a Espanha. Porém, a dinâmica política interna precipitou um pedido de ajuda externa e, de acordo com a retórica do Governo, a vontade de ir além da troika.
A política económica do Governo tem por base uma série de mitos.
O mundo está a mudar
Depois de os Estados Unidos e a Europa terem dominado a economia mundial durante quase dois séculos, a China será a maior economia do mundo até final da década .
Vivemos num mundo a três velocidades em que a China continua a registar um forte crescimento, os Estados Unidos crescem a taxas mais baixas do que antes da crise do subprime e a Europa oscila entre a estagnação e a recessão.
China
O rendimento por habitante na China ainda é cerca de 1/5 do valor nos Estados Unidos e a questão que se lhe coloca é manter elevadas taxas de crescimento no médio prazo. Até agora, o crescimento teve por base o investimento e as exportações. A liderança chinesa está consciente da necessidade de um rebalancing do modelo de crescimento de forma a dar mais importância ao sector dos serviços e ao consumo e de dar prioridade ao desenvolvimento de indústrias com forte componente tecnológica.
Se a China fizesse parte da Europa não poderia desenvolver o seu modelo de crescimento inovador com base numa economia mista e numa política industrial proativa, teria de seguir a cartilha das "reformas estruturais" e da "reforma do Estado", que são o pensamento dominante na Europa.
Estados Unidos
Os Estados Unidos têm um rendimento por habitante cerca de 20% superior à Europa , relativamente à qual têm quatro vantagens.
- Primeiro, são um país unido;
- Segundo, têm uma estrutura demográfica melhor;
- Terceiro, têm recursos naturais abundantes;
- Quarto, têm o melhor sistema de inovação e de ensino superior do mundo.
Em 2013, houve 11 galardoados com o Nobel na área das ciências e nove deles ensinam nos Estados Unidos, apenas um ensina num país da Zona Euro. Na classificação da ARWU, das melhores universidades do mundo, a melhor universidade da zona euro aparece em... 37.º lugar.
O PIB americano em 2013 apenas está acima 5% do nível anterior à crise do subprime e tal apenas foi possível devido a uma política monetária superagressiva e uma política orçamental fortemente expansionista.
Se os Estados Unidos fizessem parte da zona euro arriscavam-se a ficar sujeitos a um programa da troika.
Europa
Quem visita Pequim fica impressionado por a maioria dos bens de equipamento e dos produtos de consumo (Airbus, centrais nucleares, automóveis, produtos de luxo, etc.) serem europeus. De americano há sobretudo empresas de consultadoria, de serviços e... lojas McDonald"s e Kentucky Fried Chicken.
O grande problema da Europa não é a falta de competitividade. É estar dividida, adotar políticas que travam a procura interna e ter instituições que estão a agravar os problemas, em vez de os resolver. Não promover adequadamente os fatores de competitividade e viver prisioneira de mitos.
Uma zona monetária disfuncional obcecada em travar a procura interna
A zona euro não funciona, nem funcionará, caso não mude, porque não respeita os três princípios básicos para o bom funcionamento de uma união monetária:
- Um banco central responsável por fornecer ao sistema liquidez de forma incondicional, realidade para a qual o BCE acordou tarde e a más horas.
- Um orçamento federal com um papel estabilizador, como sucede nos Estados Unidos.
- Mutualizar a dívida pública dos países da zona euro, deixando de haver dívida de cada um dos participantes.
A Europa é competitiva, tem um excedente na balança, e empresas industriais líderes mundiais em vários sectores. Uma população com qualificações semelhantes às dos Estados Unidos. Menor défice orçamental. Menos dívida pública. O problema da Europa é político, não é económico.
Importância do crescimento da economia
A questão sobre acesso direto aos mercados/ programa cautelar/novo programa com a troika é importante, porém trata-se apenas do muito curto prazo.. Olhando para a frente, as duas questões que se colocam são:
- Portugal é solvente?
- Qual é o crescimento potencial da economia?
As duas questões estão interligadas. Portugal tem uma dívida pública de 130% do PIB e é solvente se, e só se, cumprir determinadas condições, nomeadamente capacidade em manter um excedente orçamental primário, taxas de juros baixas e crescimento saudável da economia. Com baixo crescimento , Portugal não terá capacidade em pagar a dívida, com um crescimento saudável da economia, não é certo que o consiga, porém a probabilidade é maior.
Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal
A Irlanda optou pelo acesso direto aos mercados, prescindindo da possibilidade de um programa cautelar. A Espanha deve estar perto de se emancipar do apoio da troika. É uma vergonha se Portugal ficar aquém da Irlanda e da Espanha.
A diferença entre as taxas de juro a dez anos em Portugal, na Irlanda e em Espanha mostram que o prémio de risco de Portugal é muito maior.
Olhando para a tabela 1 abaixo, verifica-se que a Irlanda tem uma dívida pública e uma taxa de desemprego semelhante a Portugal e um défice orçamental maior. A Espanha tem um défice orçamental maior, muito maior desemprego e uma dívida pública inferior. A Grécia está pior em todos os aspetos. Em termos de balança de pagamentos, todos os países estão numa posição semelhante. Se houve um milagre em Portugal, como Governo gosta de dizer, houve um milagre igual na Irlanda, Espanha e Grécia. Ou seja, não houve milagre nenhum.
Portugal está melhor do que a Espanha e a Irlanda, mas o crescimento potencial da economia é, como vimos, muito importante, e a tabela 2 abaixo mostra uma realidade diferente.
Estes números não são bons. O stock de capital por trabalhador em Portugal é quase metade da Grécia, menos de metade da Espanha e quase 1/3 da Irlanda. A percentagem de adultos ativos com 12 anos de escolaridade (o antigo curso liceal) é quase metade da Espanha e Grécia, sendo a diferença para a Irlanda abissal. Em Portugal, trabalhadores com metade das qualificações têm metade de stock de capital (máquinas, ferramentas, etc.) do que na Grécia e em Espanha. Se a isto juntarmos que nos últimos dois anos emigrou para o estrangeiro o equivalente a 5% da população ativa, incluindo grande número de jovens qualificados, e o envelhecimento rápido da população, então os números são muito preocupantes.
O peso das exportações no PIB dos quatro países é totalmente diferente. Na Irlanda, é de mais de 100%, enquanto nos três restantes é quase 1/3. A Irlanda pode almejar sair da crise através de um crescimento puxado apenas pelas exportações. Para isso basta que registe um crescimento razoável das exportações, pois o seu peso permite que isso arraste o crescimento do PIB. O mesmo não sucede nos restantes países, isto apesar de o sector exportador português ser muito diferente, moderno e tecnologicamente avançado do que há dez anos. Para que a base exportadora possa puxar o crescimento de Portugal é preciso um esforço muito maior (porque é à partida 2,7 vezes mais pequena) e são necessários novos investimentos de aumento de capacidade.
Diferença entre teoria e prática segundo Einstein...
Como disse Einstein, em teoria a teoria e a prática são iguais, mas na prática são diferentes.
Em teoria, Portugal pode ultrapassar a crise se adotar uma postura de controlo rigoroso da despesa com base numa programação plurianual, se flexibilizar as metas orçamentais ao mesmo tempo que a Alemanha estimule a sua procura interna, se as regras do euro evoluírem, nem que seja gradualmente, no sentido positivo, se a Europa compreender a vantagem de um plano Marshall para Portugal desenvolver os sectores em que tem uma vantagem competitiva, se a requalificação dos adultos e a educação dos jovens tornar a ser a ser um objetivo prioritário, se for possível estancar a hemorragia de jovens a emigrarem para o estrangeiro, se não houver uma surpresa negativa no sistema bancário, se for dada importância à manutenção da coesão social recuando em várias medidas extremas que já foram tomadas, se os agentes políticos e sociais se sentarem à mesa para discutirem estas questões sem dogmas, se tudo isto acontecer, então em teoria é possível.
O problema é a prática.
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam hoje no Diário de Notícias o último artigo de uma série de cinco sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
A adesão à moeda única com uma taxa de câmbio fortemente sobrevalorizada e a subsequente valorização do euro e queda das taxas de juro colocou a economia portuguesa numa trajetória de aumento do endividamento externo, desenvolvimento centrado no sector dos bens não transacionáveis (com os fracos resultados expectáveis ao nível da produtividade) e fraco crescimento da economia. A política orçamental podia e devia ter sido gerida com maior rigor, porém seria sempre insuficiente para corrigir este conjunto de desequilíbrios.
As regras de funcionamento e a dinâmica de uma união monetária são em larga medida ditadas pela economia mais forte. O comportamento da Alemanha não tem sido, a vários níveis, o que seria de esperar de um país que lidera uma das três maiores regiões económicas do mundo.
Portugal podia ter tentado um ajustamento mais suave como, por exemplo, a Espanha. Porém, a dinâmica política interna precipitou um pedido de ajuda externa e, de acordo com a retórica do Governo, a vontade de ir além da troika.
A política económica do Governo tem por base uma série de mitos.
O mundo está a mudar
Depois de os Estados Unidos e a Europa terem dominado a economia mundial durante quase dois séculos, a China será a maior economia do mundo até final da década .
Vivemos num mundo a três velocidades em que a China continua a registar um forte crescimento, os Estados Unidos crescem a taxas mais baixas do que antes da crise do subprime e a Europa oscila entre a estagnação e a recessão.
China
O rendimento por habitante na China ainda é cerca de 1/5 do valor nos Estados Unidos e a questão que se lhe coloca é manter elevadas taxas de crescimento no médio prazo. Até agora, o crescimento teve por base o investimento e as exportações. A liderança chinesa está consciente da necessidade de um rebalancing do modelo de crescimento de forma a dar mais importância ao sector dos serviços e ao consumo e de dar prioridade ao desenvolvimento de indústrias com forte componente tecnológica.
Se a China fizesse parte da Europa não poderia desenvolver o seu modelo de crescimento inovador com base numa economia mista e numa política industrial proativa, teria de seguir a cartilha das "reformas estruturais" e da "reforma do Estado", que são o pensamento dominante na Europa.
Estados Unidos
Os Estados Unidos têm um rendimento por habitante cerca de 20% superior à Europa , relativamente à qual têm quatro vantagens.
- Primeiro, são um país unido;
- Segundo, têm uma estrutura demográfica melhor;
- Terceiro, têm recursos naturais abundantes;
- Quarto, têm o melhor sistema de inovação e de ensino superior do mundo.
Em 2013, houve 11 galardoados com o Nobel na área das ciências e nove deles ensinam nos Estados Unidos, apenas um ensina num país da Zona Euro. Na classificação da ARWU, das melhores universidades do mundo, a melhor universidade da zona euro aparece em... 37.º lugar.
O PIB americano em 2013 apenas está acima 5% do nível anterior à crise do subprime e tal apenas foi possível devido a uma política monetária superagressiva e uma política orçamental fortemente expansionista.
Se os Estados Unidos fizessem parte da zona euro arriscavam-se a ficar sujeitos a um programa da troika.
Europa
Quem visita Pequim fica impressionado por a maioria dos bens de equipamento e dos produtos de consumo (Airbus, centrais nucleares, automóveis, produtos de luxo, etc.) serem europeus. De americano há sobretudo empresas de consultadoria, de serviços e... lojas McDonald"s e Kentucky Fried Chicken.
O grande problema da Europa não é a falta de competitividade. É estar dividida, adotar políticas que travam a procura interna e ter instituições que estão a agravar os problemas, em vez de os resolver. Não promover adequadamente os fatores de competitividade e viver prisioneira de mitos.
Uma zona monetária disfuncional obcecada em travar a procura interna
A zona euro não funciona, nem funcionará, caso não mude, porque não respeita os três princípios básicos para o bom funcionamento de uma união monetária:
- Um banco central responsável por fornecer ao sistema liquidez de forma incondicional, realidade para a qual o BCE acordou tarde e a más horas.
- Um orçamento federal com um papel estabilizador, como sucede nos Estados Unidos.
- Mutualizar a dívida pública dos países da zona euro, deixando de haver dívida de cada um dos participantes.
A Europa é competitiva, tem um excedente na balança, e empresas industriais líderes mundiais em vários sectores. Uma população com qualificações semelhantes às dos Estados Unidos. Menor défice orçamental. Menos dívida pública. O problema da Europa é político, não é económico.
Importância do crescimento da economia
A questão sobre acesso direto aos mercados/ programa cautelar/novo programa com a troika é importante, porém trata-se apenas do muito curto prazo.. Olhando para a frente, as duas questões que se colocam são:
- Portugal é solvente?
- Qual é o crescimento potencial da economia?
As duas questões estão interligadas. Portugal tem uma dívida pública de 130% do PIB e é solvente se, e só se, cumprir determinadas condições, nomeadamente capacidade em manter um excedente orçamental primário, taxas de juros baixas e crescimento saudável da economia. Com baixo crescimento , Portugal não terá capacidade em pagar a dívida, com um crescimento saudável da economia, não é certo que o consiga, porém a probabilidade é maior.
Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal
A Irlanda optou pelo acesso direto aos mercados, prescindindo da possibilidade de um programa cautelar. A Espanha deve estar perto de se emancipar do apoio da troika. É uma vergonha se Portugal ficar aquém da Irlanda e da Espanha.
A diferença entre as taxas de juro a dez anos em Portugal, na Irlanda e em Espanha mostram que o prémio de risco de Portugal é muito maior.
Olhando para a tabela 1 abaixo, verifica-se que a Irlanda tem uma dívida pública e uma taxa de desemprego semelhante a Portugal e um défice orçamental maior. A Espanha tem um défice orçamental maior, muito maior desemprego e uma dívida pública inferior. A Grécia está pior em todos os aspetos. Em termos de balança de pagamentos, todos os países estão numa posição semelhante. Se houve um milagre em Portugal, como Governo gosta de dizer, houve um milagre igual na Irlanda, Espanha e Grécia. Ou seja, não houve milagre nenhum.
Portugal está melhor do que a Espanha e a Irlanda, mas o crescimento potencial da economia é, como vimos, muito importante, e a tabela 2 abaixo mostra uma realidade diferente.
Estes números não são bons. O stock de capital por trabalhador em Portugal é quase metade da Grécia, menos de metade da Espanha e quase 1/3 da Irlanda. A percentagem de adultos ativos com 12 anos de escolaridade (o antigo curso liceal) é quase metade da Espanha e Grécia, sendo a diferença para a Irlanda abissal. Em Portugal, trabalhadores com metade das qualificações têm metade de stock de capital (máquinas, ferramentas, etc.) do que na Grécia e em Espanha. Se a isto juntarmos que nos últimos dois anos emigrou para o estrangeiro o equivalente a 5% da população ativa, incluindo grande número de jovens qualificados, e o envelhecimento rápido da população, então os números são muito preocupantes.
O peso das exportações no PIB dos quatro países é totalmente diferente. Na Irlanda, é de mais de 100%, enquanto nos três restantes é quase 1/3. A Irlanda pode almejar sair da crise através de um crescimento puxado apenas pelas exportações. Para isso basta que registe um crescimento razoável das exportações, pois o seu peso permite que isso arraste o crescimento do PIB. O mesmo não sucede nos restantes países, isto apesar de o sector exportador português ser muito diferente, moderno e tecnologicamente avançado do que há dez anos. Para que a base exportadora possa puxar o crescimento de Portugal é preciso um esforço muito maior (porque é à partida 2,7 vezes mais pequena) e são necessários novos investimentos de aumento de capacidade.
Diferença entre teoria e prática segundo Einstein...
Como disse Einstein, em teoria a teoria e a prática são iguais, mas na prática são diferentes.
Em teoria, Portugal pode ultrapassar a crise se adotar uma postura de controlo rigoroso da despesa com base numa programação plurianual, se flexibilizar as metas orçamentais ao mesmo tempo que a Alemanha estimule a sua procura interna, se as regras do euro evoluírem, nem que seja gradualmente, no sentido positivo, se a Europa compreender a vantagem de um plano Marshall para Portugal desenvolver os sectores em que tem uma vantagem competitiva, se a requalificação dos adultos e a educação dos jovens tornar a ser a ser um objetivo prioritário, se for possível estancar a hemorragia de jovens a emigrarem para o estrangeiro, se não houver uma surpresa negativa no sistema bancário, se for dada importância à manutenção da coesão social recuando em várias medidas extremas que já foram tomadas, se os agentes políticos e sociais se sentarem à mesa para discutirem estas questões sem dogmas, se tudo isto acontecer, então em teoria é possível.
O problema é a prática.
Reforma do Estado: gato escondido
por Manuel Caldeira Cabral, professor na Universidade do Minho, e Manuel Pinho, ex-ministro da Economia e da Inovação, professor na Universidade Columbia, in Diário de Notícias
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam hoje no Diário de Notícias o penúltimo artigo de uma série de cinco sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
A"reforma do Estado" é como o Joker de um baralho de cartas, serve para tudo e não serve para nada. Um dia pretexto para impor mais recessão cortando transversalmente na despesa pública, outro dia agenda para cumprir o velho sonho de privatizar serviços públicos, hoje em dia rascunho do programa eleitoral do CDS.
É pena que assim seja, porque seria muito útil se a "reforma do Estado" consistisse numa programação plurianal da despesa pública (com metas quantificadas e um calendário de roll out) e uma agenda para melhorar o funcionamento das instituições. Se tal fosse o caso, estaríamos todos de acordo. O próximo Governo, seja ele quem vier a ser, devia comprometer-se a iniciar uma "reforma do Estado" séria com estas características e a envolver os parceiros sociais no processo.
Mas não é. É uma trapalhada inenarrável.
Levantam-se diversas questões em torno do mito da "reforma do Estado".
- Primeiro, há algo que justifique que cortar ainda mais a despesa pública, sobretudo a de natureza social, seja a grande prioridade?
- Segundo, a trajetória da dívida pública está controlada?
- Terceiro, há evidência de que o modelo neoliberal subjacente à "reforma do Estado" é o que melhores resultados dá em termos de desenvolvimento das economias?
A resposta a estas três questões é não, não e não. A "reforma do Estado" assenta numa série de ideias erradas e de preconceitos.
Desde 1950 a despesa pública foi menor em Portugal do que na Alemanha
O baixo nível de desenvolvimento de Portugal não é explicável por a despesa pública ser excessivamente elevada. Era bom que fosse, na medida em que estava encontrado o culpado, mas não é. Comparemos o que sucedeu desde 1950 em Portugal e em três países europeus que têm modelos sociais bastante diferentes, Alemanha, França e Áustria, e cujo rendimento por habitante é cerca do dobro de Portugal. De acordo com o mito da "reforma do Estado", Portugal deveria ter tido uma despesa pública francamente superior a estes três países durante os últimos sessenta anos.
Os números mostram que o mito choca com a realidade. A figura 1, com base em dados do FMI relativos a 1950-2010, mostra que à exceção de um curto período entre 1974 e 1977, a despesa pública (expressa em % do PIB) foi menor em Portugal do que na Alemanha, Áustria e Suécia. Se recuarmos a 1900, há um século atrás, a diferença ainda é maior, o que talvez explique o atraso estrutural português em áreas como, por exemplo, a educação. O período de cinco anos em que a despesa pública mais cresceu em Portugal foi 1989-1994. No período pós-adesão ao euro, a despesa pública subiu mais rapidamente em Portugal, porém vinha de um nível bastante inferior.
O passado é o passado. Como Portugal se situa presentemente? A figura 2, com base na mesma fonte, mostra que em 2013 a despesa pública em Portugal é inferior à média da zona euro. Bastante inferior aos países escandinavos e ligeiramente inferior à Itália e Holanda. Depois de décadas abaixo da Alemanha, está agora a um nível ligeiramente superior. E está acima do Reino Unido, Espanha e Irlanda.
Com base nestes dados é difícil, ou mesmo impossível, argumentar que o peso excessivo da despesa pública explica os problemas estruturais da economia portuguesa, tão-pouco os seus problemas de curto prazo. Repetimos que o que importa não é uma "reforma de Estado" casuística, tão-pouco um corte transversal da despesa pública, mas uma programação plurianual com metas quantificadas e uma agenda para melhorar o funcionamento das instituições. É inaceitável que o segredo de justiça seja violado sistematicamente de forma impune. Que Madoff esteja há muito a cumprir uma pena de 150 anos de prisão enquanto o julgamento dos responsáveis pelos maiores escândalos financeiros do último século ainda mal tenha começado. Não há progresso sem confiança nas instituições.
Mais recessão implica mais dívida publica
A economia mundial está frágil. Desde a crise do subprime, a dívida pública dos países da OCDE registou um aumento brutal e nalguns países atingiu níveis inimagináveis. O atual Governo pretende passar a ideia de que o aumento da dívida pública apenas teve lugar em Portugal, mas esta ideia não resiste à evidência.
A figura 2 mostra que a dívida pública aumentou em 26 p.p. na zona Euro e 33 p.p. nos Estados Unidos. Nos países do euro em crise, o aumento foi superior: 79 p.p. na Irlanda, 63 na Grécia, 54 em Espanha e 56 p.p. em Portugal.
Perante a subida da dívida pública americana de 73% do PIB em 2008 para 106% em 2013, Martin Wolf, o redator-chefe do Financial Times, publicou um artigo intitulado "As finanças públicas dos Estados Unidos estão em crise?" A sua resposta é sim... mas só desde que a economia não cresça. Na verdade, o Governo americano acredita que défices orçamentais mais elevados e aumento da dívida pública são o mal necessário para evitar a estagnação prolongada ou recessão.
E se os Estados Unidos fossem Portugal?
Se os Estados Unidos fossem Portugal, tinham a Alemanha, Comissão Europeia e BCE à perna porque adotaram políticas expansionistas e deixaram o défice orçamental e a dívida aumentar, uma vez que acreditam que tal vai criar o crescimento da economia necessário para colocar a dívida numa trajetória sustentável. A zona euro, liderada pela Alemanha, preconiza o contrário: políticas recessivas que agravam a situação no curto prazo, mas supostamente produzem uma inversão da trajetória no longo prazo.
Se os Estados Unidos tivessem adotado políticas recessivas cujo resultado fossem as taxas de crescimento negativas do PIB registadas em Portugal, a sua dívida pública seria igual à portuguesa (mesmo descontando o efeito induzido na receita fiscal devido à recessão). A sorte dos Estados Unidos é não fazerem parte da zona euro.
Portugal é um país solvente?
Paul de Grauwe visitou Portugal em 2010 e disse coisas que o governo de então não gostou, mas que, infelizmente, se verificaram. Na realidade, o voluntarismo dos políticos é insuficiente para alterar as leis da economia.
Numa visita recente, afirmou o seguinte: "Portugal tem tanta austeridade que a dívida se tornou insustentável e algo tem de ser feito. Não acho que consiga sair do problema hoje sem uma reestruturação da dívida. É difícil entender como pode o Governo magoar a população e sentir-se orgulhoso disso."
Portugal é um país solvente? É solvente se, e só se, as seguintes condições se cumprirem durante muitos anos. Primeiro, excedentes no saldo primário (sem juros) do Orçamento do Estado. Segundo, taxas de juros muito baixas. Terceiro, um forte crescimento do PIB durante anos a fio. A primeira condição seria mais fácil de atingir caso houvesse uma programação plurianual séria da despesa pública. A segunda depende do BCE. E a terceira depende de se acreditar, ou não, que uma economia que perdeu quase 10% da sua força de trabalho nos últimos dois anos e em que o investimento é 1/3 do que era em 2008 comece a crescer de forma sustentada a taxas muito mais elevadas do que no passado.
Como se vê, a política de empobrecimento é a maior ameaça à solvência do País. Se esta política de empobrecimento não mudar, Portugal ficará durante muitos anos preso numa armadilha em que as alternativas serão a estagnação, o repúdio da dívida ou a saída do euro.
Os casos de maior sucesso em termos de crescimento têm por base uma economia mista
Há quem acredite que o desenvolvimento de um país decorre exclusivamente das políticas destinadas a melhorar o funcionamento dos mercados. Trata-se da visão do chamado "consenso de Washington". Outros, acreditam que o desenvolvimento de um país decorre de uma estratégia cujo objetivo deve ser tirar partido das suas vantagens comparativas, em que é fundamental a articulação entre o Estado e as empresas, num modelo de economia mista. Ainda outros (já muito poucos), pensam que o melhor método de gestão da economia é através de um plano centralizado e de empresas estatais. No meio termo é que está a virtude.
Em termos de presença do Estado na economia, se olharmos sem cegueira ideológica para as experiências de maior sucesso nos últimos cinquenta anos (Alemanha, Coreia, Japão, China, etc.) verifica-se que o modelo dominante são economias mistas onde o Estado está presente na economia, seja como parceiro estratégico das empresas, seja mesmo enquanto acionista. No Japão, o MITI, o Minis-tério da Indústria, tem uma forte ligação aos keiretsu. Na Coreia, o sucesso assentou nos chaebol , grupos familiares com fortíssimas ligações ao Governo. Na China, as dez maiores empresas são diretamente controladas pelo Estado. Na Alemanha, os bancos criaram uma rede complexa de ligações com as empresas, seja como acionistas, seja como credores.
E nos Estados Unidos? Há leis que proíbem estrangeiros de investir um dólar que seja em sectores que o Estado português vendeu ao desbarato.
Desfazer os mitos
A solução para a crise não é empobrecimento, "reformas estruturais" ou "reforma do Estado", é um ajustamento mais gradual, políticas expansionistas nos países que não estão em crise, nomeadamente na Alemanha, uma distribuição dos custos por todos os corresponsáveis, uma reforma credível das instituições do euro, uma agenda para o desenvolvimento.
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam hoje no Diário de Notícias o penúltimo artigo de uma série de cinco sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
A"reforma do Estado" é como o Joker de um baralho de cartas, serve para tudo e não serve para nada. Um dia pretexto para impor mais recessão cortando transversalmente na despesa pública, outro dia agenda para cumprir o velho sonho de privatizar serviços públicos, hoje em dia rascunho do programa eleitoral do CDS.
É pena que assim seja, porque seria muito útil se a "reforma do Estado" consistisse numa programação plurianal da despesa pública (com metas quantificadas e um calendário de roll out) e uma agenda para melhorar o funcionamento das instituições. Se tal fosse o caso, estaríamos todos de acordo. O próximo Governo, seja ele quem vier a ser, devia comprometer-se a iniciar uma "reforma do Estado" séria com estas características e a envolver os parceiros sociais no processo.
Mas não é. É uma trapalhada inenarrável.
Levantam-se diversas questões em torno do mito da "reforma do Estado".
- Primeiro, há algo que justifique que cortar ainda mais a despesa pública, sobretudo a de natureza social, seja a grande prioridade?
- Segundo, a trajetória da dívida pública está controlada?
- Terceiro, há evidência de que o modelo neoliberal subjacente à "reforma do Estado" é o que melhores resultados dá em termos de desenvolvimento das economias?
A resposta a estas três questões é não, não e não. A "reforma do Estado" assenta numa série de ideias erradas e de preconceitos.
Desde 1950 a despesa pública foi menor em Portugal do que na Alemanha
O baixo nível de desenvolvimento de Portugal não é explicável por a despesa pública ser excessivamente elevada. Era bom que fosse, na medida em que estava encontrado o culpado, mas não é. Comparemos o que sucedeu desde 1950 em Portugal e em três países europeus que têm modelos sociais bastante diferentes, Alemanha, França e Áustria, e cujo rendimento por habitante é cerca do dobro de Portugal. De acordo com o mito da "reforma do Estado", Portugal deveria ter tido uma despesa pública francamente superior a estes três países durante os últimos sessenta anos.
Os números mostram que o mito choca com a realidade. A figura 1, com base em dados do FMI relativos a 1950-2010, mostra que à exceção de um curto período entre 1974 e 1977, a despesa pública (expressa em % do PIB) foi menor em Portugal do que na Alemanha, Áustria e Suécia. Se recuarmos a 1900, há um século atrás, a diferença ainda é maior, o que talvez explique o atraso estrutural português em áreas como, por exemplo, a educação. O período de cinco anos em que a despesa pública mais cresceu em Portugal foi 1989-1994. No período pós-adesão ao euro, a despesa pública subiu mais rapidamente em Portugal, porém vinha de um nível bastante inferior.
O passado é o passado. Como Portugal se situa presentemente? A figura 2, com base na mesma fonte, mostra que em 2013 a despesa pública em Portugal é inferior à média da zona euro. Bastante inferior aos países escandinavos e ligeiramente inferior à Itália e Holanda. Depois de décadas abaixo da Alemanha, está agora a um nível ligeiramente superior. E está acima do Reino Unido, Espanha e Irlanda.
Com base nestes dados é difícil, ou mesmo impossível, argumentar que o peso excessivo da despesa pública explica os problemas estruturais da economia portuguesa, tão-pouco os seus problemas de curto prazo. Repetimos que o que importa não é uma "reforma de Estado" casuística, tão-pouco um corte transversal da despesa pública, mas uma programação plurianual com metas quantificadas e uma agenda para melhorar o funcionamento das instituições. É inaceitável que o segredo de justiça seja violado sistematicamente de forma impune. Que Madoff esteja há muito a cumprir uma pena de 150 anos de prisão enquanto o julgamento dos responsáveis pelos maiores escândalos financeiros do último século ainda mal tenha começado. Não há progresso sem confiança nas instituições.
Mais recessão implica mais dívida publica
A economia mundial está frágil. Desde a crise do subprime, a dívida pública dos países da OCDE registou um aumento brutal e nalguns países atingiu níveis inimagináveis. O atual Governo pretende passar a ideia de que o aumento da dívida pública apenas teve lugar em Portugal, mas esta ideia não resiste à evidência.
A figura 2 mostra que a dívida pública aumentou em 26 p.p. na zona Euro e 33 p.p. nos Estados Unidos. Nos países do euro em crise, o aumento foi superior: 79 p.p. na Irlanda, 63 na Grécia, 54 em Espanha e 56 p.p. em Portugal.
Perante a subida da dívida pública americana de 73% do PIB em 2008 para 106% em 2013, Martin Wolf, o redator-chefe do Financial Times, publicou um artigo intitulado "As finanças públicas dos Estados Unidos estão em crise?" A sua resposta é sim... mas só desde que a economia não cresça. Na verdade, o Governo americano acredita que défices orçamentais mais elevados e aumento da dívida pública são o mal necessário para evitar a estagnação prolongada ou recessão.
E se os Estados Unidos fossem Portugal?
Se os Estados Unidos fossem Portugal, tinham a Alemanha, Comissão Europeia e BCE à perna porque adotaram políticas expansionistas e deixaram o défice orçamental e a dívida aumentar, uma vez que acreditam que tal vai criar o crescimento da economia necessário para colocar a dívida numa trajetória sustentável. A zona euro, liderada pela Alemanha, preconiza o contrário: políticas recessivas que agravam a situação no curto prazo, mas supostamente produzem uma inversão da trajetória no longo prazo.
Se os Estados Unidos tivessem adotado políticas recessivas cujo resultado fossem as taxas de crescimento negativas do PIB registadas em Portugal, a sua dívida pública seria igual à portuguesa (mesmo descontando o efeito induzido na receita fiscal devido à recessão). A sorte dos Estados Unidos é não fazerem parte da zona euro.
Portugal é um país solvente?
Paul de Grauwe visitou Portugal em 2010 e disse coisas que o governo de então não gostou, mas que, infelizmente, se verificaram. Na realidade, o voluntarismo dos políticos é insuficiente para alterar as leis da economia.
Numa visita recente, afirmou o seguinte: "Portugal tem tanta austeridade que a dívida se tornou insustentável e algo tem de ser feito. Não acho que consiga sair do problema hoje sem uma reestruturação da dívida. É difícil entender como pode o Governo magoar a população e sentir-se orgulhoso disso."
Portugal é um país solvente? É solvente se, e só se, as seguintes condições se cumprirem durante muitos anos. Primeiro, excedentes no saldo primário (sem juros) do Orçamento do Estado. Segundo, taxas de juros muito baixas. Terceiro, um forte crescimento do PIB durante anos a fio. A primeira condição seria mais fácil de atingir caso houvesse uma programação plurianual séria da despesa pública. A segunda depende do BCE. E a terceira depende de se acreditar, ou não, que uma economia que perdeu quase 10% da sua força de trabalho nos últimos dois anos e em que o investimento é 1/3 do que era em 2008 comece a crescer de forma sustentada a taxas muito mais elevadas do que no passado.
Como se vê, a política de empobrecimento é a maior ameaça à solvência do País. Se esta política de empobrecimento não mudar, Portugal ficará durante muitos anos preso numa armadilha em que as alternativas serão a estagnação, o repúdio da dívida ou a saída do euro.
Os casos de maior sucesso em termos de crescimento têm por base uma economia mista
Há quem acredite que o desenvolvimento de um país decorre exclusivamente das políticas destinadas a melhorar o funcionamento dos mercados. Trata-se da visão do chamado "consenso de Washington". Outros, acreditam que o desenvolvimento de um país decorre de uma estratégia cujo objetivo deve ser tirar partido das suas vantagens comparativas, em que é fundamental a articulação entre o Estado e as empresas, num modelo de economia mista. Ainda outros (já muito poucos), pensam que o melhor método de gestão da economia é através de um plano centralizado e de empresas estatais. No meio termo é que está a virtude.
Em termos de presença do Estado na economia, se olharmos sem cegueira ideológica para as experiências de maior sucesso nos últimos cinquenta anos (Alemanha, Coreia, Japão, China, etc.) verifica-se que o modelo dominante são economias mistas onde o Estado está presente na economia, seja como parceiro estratégico das empresas, seja mesmo enquanto acionista. No Japão, o MITI, o Minis-tério da Indústria, tem uma forte ligação aos keiretsu. Na Coreia, o sucesso assentou nos chaebol , grupos familiares com fortíssimas ligações ao Governo. Na China, as dez maiores empresas são diretamente controladas pelo Estado. Na Alemanha, os bancos criaram uma rede complexa de ligações com as empresas, seja como acionistas, seja como credores.
E nos Estados Unidos? Há leis que proíbem estrangeiros de investir um dólar que seja em sectores que o Estado português vendeu ao desbarato.
Desfazer os mitos
A solução para a crise não é empobrecimento, "reformas estruturais" ou "reforma do Estado", é um ajustamento mais gradual, políticas expansionistas nos países que não estão em crise, nomeadamente na Alemanha, uma distribuição dos custos por todos os corresponsáveis, uma reforma credível das instituições do euro, uma agenda para o desenvolvimento.
Os Estados Unidos têm razão
por Manuel Caldeira Cabral, professor da Universidade do Minho, e Manuel Pinho, ex-ministro da Economia e da Inovação, professor da Universidade Columbia, in Diário de Notícias
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam esta semana no Diário de Notícias uma série de cinco artigos sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
O processo de adesão ao euro e a sobrevalorização da taxa de câmbio quando Portugal deixou de ter moeda própria condicionaram a evolução da economia na década seguinte em termos de endividamento, desenvolvimento do sector dos bens não transacionáveis, fraco crescimento da produtividade, etc. O resultado está em linha com as leis da economia, não é uma surpresa.
A crise tem corresponsáveis, não é exclusivamente culpa de Portugal, trata-se de uma crise do euro nas suas várias vertentes: processo que levou à sua criação, regras e instituições disfuncionais, forma desastrada como a crise foi gerida e estratégia errada de resolução. De forma alguma pode ser resolvida apenas por Portugal.
Tem corresponsáveis, e todos os que para ela contribuíram devem participar na solução. Os portugueses já mostraram a sua capacidade de adaptação e em fazer sacrifícios. É fundamental definir claramente a fronteira que o país não está disposto a ultrapassar, em vez de pretender ser o melhor aluno da classe - que, aliás, não é -, criar uma agenda de desenvolvimento credível e fazer uma parceria com os outros países em crise de maneira a aumentar a margem negocial.
A crise do subprime teve efeitos devastadores nas economias avançadas, de tal maneira que nos Estados Unidos o PIB é apenas superior em 5% face a 2007, enquanto na zona euro ainda é inferior. O Tesouro americano e o FMI argumentam que tal se deve em larga medida à deficiente coordenação das políticas económicas num mundo interdependente e que a Alemanha devia seguir políticas mais expansionistas. Infelizmente, é preciso virem os americanos dizer as verdades à Alemanha.
Uma história trágica
Martin Wolf, redator-chefe do Financial Times, acaba de publicar um artigo intitulado "A Alemanha é um peso para o mundo" em que argumenta que a zona euro é grande demais como um todo para poder aspirar a crescer exclusivamente com base nas exportações e devia seguir uma política de estímulo à procura interna (rebalancing). Aliás, a zona euro tem o mesmo desafio do que a China, com a diferença que os líderes da nova potência mundial já compreenderam tão bem a importância do mercado interno que colocaram o seu desenvolvimento no topo das prioridades do 12.º Plano Quinquenal.
Manter as políticas atuais cria o risco "ou de armadilhar os países mais fracos numa situação de depressão semipermanente ou de conduzir ao fim da união monetária. Seria uma história trágica".
Não vivemos num mundo fechado e a Alemanha não pode pensar apenas em si própria. As suas políticas têm efeitos negativos na economia mundial, nos Estados Unidos, na generalidade da UE e, sobretudo, nos países em crise. É do seu próprio interesse adotar políticas expansionistas e liderar uma reforma credível das regras da zona euro.
O que seria da Alemanha se a sua moeda valesse dois dólares
Os dois países com maior excedente da balança de pagamentos são a China e a Alemanha mas, ao contrário do que se pensa, a Alemanha tem um excedente (seja medido em dólares ou em percentagem do PIB) maior do que a China. A Alemanha mantém excedentes da Balança de Transações Correntes superiores a 6% do PIB desde 2006, estando por isso em incumprimento da regra de desequilíbrios macroeconómicos do six pack. Em 2013, o excedente deve atingir os 7% do PIB. A Alemanha é competitiva porque o euro vale 1,34 dólares, mas deixaria de o ser se o marco valesse dois dólares.
Os holofotes têm estado focados na China, mas o maior problema é a Alemanha. O crescimento da China não é apenas bom para as centenas de milhões de chineses que saíram da pobreza, também é bom para a economia mundial. A China contribui com um terço para o crescimento da economia mundial, enquanto a Europa e os Estados Unidos nem com um décimo contribuem juntos!
Os seis pecados da Alemanha
E a Alemanha? Por razões que a razão desconhece, o governo alemão tem vivido obcecado com as finanças públicas e a ideia de travar a procura interna, o que prejudica os seus parceiros comerciais. Criou o discurso de que é um caso exemplar de reformas bem-sucedidas e de gestão conservadora das finanças públicas, ao contrário dos países em crise que teriam aproveitado a criação do euro para passar a viver acima das suas possibilidades e merecem um castigo.
A realidade é totalmente diferente.
- Primeiro, a Alemanha foi grande beneficiária da criação do euro, que lhe permitiu ter uma taxa de câmbio mais baixa do que se tivesse moeda própria. Se a Alemanha ainda tivesse o marco como moeda, a sua taxa de câmbio seria muito mais alta e as exportações menores. O que seria das PME alemãs vocacionadas para a exportação, ou de grandes empresas como a Siemens e a Volkswagen sem o euro?
- Segundo, a Alemanha é a primeira a criticar um país que tenha um défice orçamental de 3,5% do PIB, em vez de 3%, mas fechou os olhos, talvez por razões de conveniência, a que os países agora em dificuldade aderissem ao euro a uma taxa totalmente errada.
- Terceiro, a arquitetura disfuncional do euro é em larga medida responsabilidade da Alemanha, que nunca aceitou que a criação de uma união monetária na Europa respeitasse os princípios básicos para o bom funcionamento de uma união monetária (voltaremos a este assunto).
- Quarto, a Alemanha não aceita que beneficiou da abertura da Europa a leste e do aparecimento da China como grande player mundial porque, dado o seu padrão de especialização, aumentou as exportações de máquinas-ferramentas, bens de consumo duradouro, etc., mas foi um choque negativo para os países com um padrão de especialização diferente.
- Quinto, a Alemanha e a Comissão Europeia são grandes responsáveis pela estratégia errada de gestão e resolução da crise do euro. Durante a crise, deixaram correr a ideia de que alguns países poderiam ser forçados a abandonar o euro, o que, evidentemente, agravou o pânico nos mercados. Face à crise, impuseram uma estratégia de resolução exclusivamente com base em medidas recessivas, o que tem vindo a ser duramente criticado pela maioria dos economistas. Mesmo o FMI já reconheceu que as medidas de ajustamento dos programas da troika têm um efeito recessivo muito superior ao esperado.
- Sexto, apesar de ter um excedente da balança de pagamentos maior do que a China, a Alemanha recusa-se obstinadamente a expandir a sua economia.
O que se pede à Alemanha?
Por este conjunto de razões, a crítica à Alemanha vai muito para além da feita pelos Estados Unidos. O que os verdadeiros amigos da Alemanha lhe pedem é muito simples. Não pensar apenas nos seus interesses. Liderar uma reformulação das regras e instituições do euro. Adotar políticas orçamentais prudentes, mas contracíclicas.
A Alemanha parece não ter percebido que é quem tem mais a perder se o euro acabar. Os países em crise estão desunidos (o que importa a cada um é tentar provar que é o melhor aluno da classe) e internamente estão totalmente fragmentados (a culpa é sempre do governo em funções). Esta situação é a que mais convém aos interesses de curto prazo da Alemanha e aos credores, mas não é a que melhor serve os interesses nacionais e os da Europa. The time is always right to do what is right.
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho publicam esta semana no Diário de Notícias uma série de cinco artigos sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
O processo de adesão ao euro e a sobrevalorização da taxa de câmbio quando Portugal deixou de ter moeda própria condicionaram a evolução da economia na década seguinte em termos de endividamento, desenvolvimento do sector dos bens não transacionáveis, fraco crescimento da produtividade, etc. O resultado está em linha com as leis da economia, não é uma surpresa.
A crise tem corresponsáveis, não é exclusivamente culpa de Portugal, trata-se de uma crise do euro nas suas várias vertentes: processo que levou à sua criação, regras e instituições disfuncionais, forma desastrada como a crise foi gerida e estratégia errada de resolução. De forma alguma pode ser resolvida apenas por Portugal.
Tem corresponsáveis, e todos os que para ela contribuíram devem participar na solução. Os portugueses já mostraram a sua capacidade de adaptação e em fazer sacrifícios. É fundamental definir claramente a fronteira que o país não está disposto a ultrapassar, em vez de pretender ser o melhor aluno da classe - que, aliás, não é -, criar uma agenda de desenvolvimento credível e fazer uma parceria com os outros países em crise de maneira a aumentar a margem negocial.
A crise do subprime teve efeitos devastadores nas economias avançadas, de tal maneira que nos Estados Unidos o PIB é apenas superior em 5% face a 2007, enquanto na zona euro ainda é inferior. O Tesouro americano e o FMI argumentam que tal se deve em larga medida à deficiente coordenação das políticas económicas num mundo interdependente e que a Alemanha devia seguir políticas mais expansionistas. Infelizmente, é preciso virem os americanos dizer as verdades à Alemanha.
Uma história trágica
Martin Wolf, redator-chefe do Financial Times, acaba de publicar um artigo intitulado "A Alemanha é um peso para o mundo" em que argumenta que a zona euro é grande demais como um todo para poder aspirar a crescer exclusivamente com base nas exportações e devia seguir uma política de estímulo à procura interna (rebalancing). Aliás, a zona euro tem o mesmo desafio do que a China, com a diferença que os líderes da nova potência mundial já compreenderam tão bem a importância do mercado interno que colocaram o seu desenvolvimento no topo das prioridades do 12.º Plano Quinquenal.
Manter as políticas atuais cria o risco "ou de armadilhar os países mais fracos numa situação de depressão semipermanente ou de conduzir ao fim da união monetária. Seria uma história trágica".
Não vivemos num mundo fechado e a Alemanha não pode pensar apenas em si própria. As suas políticas têm efeitos negativos na economia mundial, nos Estados Unidos, na generalidade da UE e, sobretudo, nos países em crise. É do seu próprio interesse adotar políticas expansionistas e liderar uma reforma credível das regras da zona euro.
O que seria da Alemanha se a sua moeda valesse dois dólares
Os dois países com maior excedente da balança de pagamentos são a China e a Alemanha mas, ao contrário do que se pensa, a Alemanha tem um excedente (seja medido em dólares ou em percentagem do PIB) maior do que a China. A Alemanha mantém excedentes da Balança de Transações Correntes superiores a 6% do PIB desde 2006, estando por isso em incumprimento da regra de desequilíbrios macroeconómicos do six pack. Em 2013, o excedente deve atingir os 7% do PIB. A Alemanha é competitiva porque o euro vale 1,34 dólares, mas deixaria de o ser se o marco valesse dois dólares.
Os holofotes têm estado focados na China, mas o maior problema é a Alemanha. O crescimento da China não é apenas bom para as centenas de milhões de chineses que saíram da pobreza, também é bom para a economia mundial. A China contribui com um terço para o crescimento da economia mundial, enquanto a Europa e os Estados Unidos nem com um décimo contribuem juntos!
Os seis pecados da Alemanha
E a Alemanha? Por razões que a razão desconhece, o governo alemão tem vivido obcecado com as finanças públicas e a ideia de travar a procura interna, o que prejudica os seus parceiros comerciais. Criou o discurso de que é um caso exemplar de reformas bem-sucedidas e de gestão conservadora das finanças públicas, ao contrário dos países em crise que teriam aproveitado a criação do euro para passar a viver acima das suas possibilidades e merecem um castigo.
A realidade é totalmente diferente.
- Primeiro, a Alemanha foi grande beneficiária da criação do euro, que lhe permitiu ter uma taxa de câmbio mais baixa do que se tivesse moeda própria. Se a Alemanha ainda tivesse o marco como moeda, a sua taxa de câmbio seria muito mais alta e as exportações menores. O que seria das PME alemãs vocacionadas para a exportação, ou de grandes empresas como a Siemens e a Volkswagen sem o euro?
- Segundo, a Alemanha é a primeira a criticar um país que tenha um défice orçamental de 3,5% do PIB, em vez de 3%, mas fechou os olhos, talvez por razões de conveniência, a que os países agora em dificuldade aderissem ao euro a uma taxa totalmente errada.
- Terceiro, a arquitetura disfuncional do euro é em larga medida responsabilidade da Alemanha, que nunca aceitou que a criação de uma união monetária na Europa respeitasse os princípios básicos para o bom funcionamento de uma união monetária (voltaremos a este assunto).
- Quarto, a Alemanha não aceita que beneficiou da abertura da Europa a leste e do aparecimento da China como grande player mundial porque, dado o seu padrão de especialização, aumentou as exportações de máquinas-ferramentas, bens de consumo duradouro, etc., mas foi um choque negativo para os países com um padrão de especialização diferente.
- Quinto, a Alemanha e a Comissão Europeia são grandes responsáveis pela estratégia errada de gestão e resolução da crise do euro. Durante a crise, deixaram correr a ideia de que alguns países poderiam ser forçados a abandonar o euro, o que, evidentemente, agravou o pânico nos mercados. Face à crise, impuseram uma estratégia de resolução exclusivamente com base em medidas recessivas, o que tem vindo a ser duramente criticado pela maioria dos economistas. Mesmo o FMI já reconheceu que as medidas de ajustamento dos programas da troika têm um efeito recessivo muito superior ao esperado.
- Sexto, apesar de ter um excedente da balança de pagamentos maior do que a China, a Alemanha recusa-se obstinadamente a expandir a sua economia.
O que se pede à Alemanha?
Por este conjunto de razões, a crítica à Alemanha vai muito para além da feita pelos Estados Unidos. O que os verdadeiros amigos da Alemanha lhe pedem é muito simples. Não pensar apenas nos seus interesses. Liderar uma reformulação das regras e instituições do euro. Adotar políticas orçamentais prudentes, mas contracíclicas.
A Alemanha parece não ter percebido que é quem tem mais a perder se o euro acabar. Os países em crise estão desunidos (o que importa a cada um é tentar provar que é o melhor aluno da classe) e internamente estão totalmente fragmentados (a culpa é sempre do governo em funções). Esta situação é a que mais convém aos interesses de curto prazo da Alemanha e aos credores, mas não é a que melhor serve os interesses nacionais e os da Europa. The time is always right to do what is right.
Uma entrada desastrada para o euro
por Manuel Caldeira Cabral, professor na Universidade do Minho e Manuel Pinho, ex-ministro da Economia e da Inovação, professor na Universidade de Columbia, in Diário de Notícias
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho começam hoje a publicar no Diário de Notícias uma série de cinco artigos sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
Há na Europa um país onde apenas um terço das pessoas com mais de 25 anos completaram o antigo liceu, quando nos outros é, em média, mais de dois terços. O stock de capital é metade do registado na média da zona euro. A desigualdade é grande e está a aumentar. Nesse país, os responsáveis pelas maiores falências bancárias do último século aguardam tranquilamente por julgamento há anos.
Naturalmente, esse país devia colocar acima de tudo a educação dos jovens e a requalificação da população ativa; o apoio aos mais desfavorecidos; o investimento modernizador com base numa estratégia para tirar partido das suas vantagens comparativas; melhorar o funcionamento do sistema de justiça. É uma questão de bom senso.
Mas não é o caso. Os jovens qualificados foram aconselhados a emigrar para o estrangeiro. O investimento baixou 38% em cinco anos. Cortou-se nas pensões de viuvez, mas baixaram os impostos das grandes empresas.
Esse país é Portugal.
Estado da situação
O PIB português está sensivelmente ao nível de 2000. A dívida pública em 130% do PIB e a taxa de desemprego acima de 16%. As taxas de juro de longo prazo mantêm-se em 6% apesar das ajudas do BCE. As contas externas melhoraram , porém não há razão para euforia porque a trajetória é igual à da Espanha e Grécia e resulta de uma brutal compressão da despesa.
As desigualdades aumentaram e o confisco das pensões fez que cada vez menos portugueses acreditem no Estado. A reforma da Segurança Social do anterior governo era considerada exemplar pela OCDE, porém nenhum português sabe com que reforma pode contar, o que não surpreende porque a Segurança Social assumiu obrigações com trabalhadores que anteriormente tinham um regime próprio, o desemprego subiu em flecha e o crescimento da economia caiu a pique.
O desenvolvimento do País requer mais investimento, mais qualificações, melhores instituições e sensibilidade social. É importante recuar ao momento em que Portugal aderiu ao euro porque um diagnóstico errado da crise conduz a um tratamento errado que pode matar o doente.
Não é o euro, é a forma como Portugal aderiu ao euro
Criou-se a ideia falsa de que Portugal é um país que estava muito bem e, de repente, "passou a viver acima das suas possibilidades depois de aderir ao euro". Portanto, os portugueses merecem ser castigados, aceitar passivamente o empobrecimento, aplaudir a perda de regalias sociais e encorajar a emigração para o estrangeiro dos jovens com elevadas qualificações. Não devem.
A causa da crise é diferente. Para a explicar imagine-se dois cenários distintos à partida, quando Portugal aderiu ao euro:
- A taxa de câmbio estava equilibrada e a política monetária (taxas de juros e taxa de câmbio do euro) transmitiu os sinais certos.
- A taxa de câmbio estava fortemente sobrevalorizada e os estímulos transmitidos pela política cambial e monetária foram no sentido errado.
No primeiro cenário, a crise não teria corresponsáveis; corresponde a um automóvel que estava num plano horizontal e o condutor teria escolhido entrar num plano inclinado, acelerar e assobiar para o lado.
Em contraste, no segundo teria poucas, ou nenhumas, possibilidades de escapar a uma crise; é como um automóvel que já estivesse num plano inclinado (forte excesso de procura), o condutor deixasse de poder usar os travões (política monetária e cambial) e, para cúmulo, ainda recebeu um empurrão (apreciação do euro e queda das taxas de juro).
O segundo cenário corresponde ao caso de Portugal.
A figura sobre o saldo da balança de transações correntes de Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda desde 1995 e mostra o seguinte:
- Nos anos que precederam a criação do ruro, pode ver-se que Portugal, Espanha e Grécia registavam défices da balança de transações correntes (BTC) cada vez maiores. O caso da Irlanda é diferente, na medida em que o saldo piorou, mas ainda se manteve relativamente próximo do equilíbrio.
- Depois da adesão ao euro, os défices repetiram-se, e nalguns casos agravaram-se. A contrapartida desta situação foi um aumento exponencial do endividamento externo para financiar défices sucessivos da BTC.
Foi como um automóvel que já estivesse num plano inclinado (défices externos crescentes e cada vez maior necessidade de usar financiamento externo), o condutor perdesse os travões (desvalorizar a moeda, subir as taxas de juros) e ainda por cima recebesse um empurrão (valorização do euro).
Portugal aderiu ao euro com uma taxa de câmbio brutalmente sobrevalorizada
Não é matéria de debate, é uma mera constatação, Portugal ter aderido ao ruro a uma taxa sobrevalorizada. Contudo, criou-se a ideia de que depois de aderir ao euro os países podiam deixar de se preocupar com o saldo da balança de pagamentos e quem na altura dissesse o contrário era tomado por um original. Esta visão errada esquecia que a contrapartida de dédices sucessivos são um aumento insustentável do endividamento externo.
Para agravar a situação, quando Portugal abdicou da sua soberania monetária o euro valorizou-se (precisaria de se ter desvalorizado) e as taxas de juros baixaram (precisariam de ter subido).
A política orçamental
As regras da zona euro relativamente ao limite dos défices orçamentais nunca seriam suficientes para corrigir o desalinhamento das taxas de câmbio ao momento da adesão ao euro, tão-pouco para compensar a falta de coordenação ao nível da política monetária e cambial. Até à crise, a Irlanda e a Espanha registaram melhores resultados nas finanças públicas do que a Alemanha (ver figura abaixo), mas que tal foi insuficiente para absorver o excesso de procura com origem no sector privado.
Agentes económicos responderam a incentivos
Muitos economistas e políticos criticam as políticas que supostamente promoveram o sector dos bens não transacionáveis, em detrimento dos bens transacionáveis. Esquecem que Portugal não é uma economia do tipo soviético em que o Estado decide em que sectores se deve investir, é uma economia em que os agentes económicos respondem a incentivos. Qual foi o sinal dado às empresas? Invistam no sector dos bens não transacionáveis porque é nele que podem ter maiores lucros em virtude de a taxa de câmbio estar sobrevalorizada. O desenvolvimento do sector dos bens não transacionáveis não é uma surpresa, é resultado das leis da economia.
Quatro choques externos negativos agravaram a situação
Como se tal problema não bastasse, durante a década passada Portugal sofreu não um, mas quatro choques externos negativos.
- Primeiro, a queda das remessas de emigrantes.
- Segundo, a abertura da Europa a países do Leste, mais próximos do Centro da Europa e com mão de obra mais qualificada e barata.
- Terceiro, a adesão da China à OMC.
- Quarto, a subida do preço da energia.
Este conjunto de choques agravou, em vez de corrigir, a situação inicial.
Os choques assimétricos deveriam ter sido compensados por transferências de maneira a permitir o ajustamento necessário.
A realidade traduz as leis da economia
Portugal abdicou de ter moeda própria. As taxas de juros baixaram. O euro valorizou-se face ao dólar. Criou-se a ilusão de que investir em Portugal tinha o mesmo risco do que investir na Alemanha. A banca internacional avaliou mal o risco.
Se tal não tivesse acontecido significaria que as leis da economia não servem para nada.
A crise tem corresponsáveis
Quando Portugal entrou para o euro já tinha uma taxa de câmbio fortemente sobrevalorizada e a culpa de tal também é de todos os que começaram por fechar os olhos a esta situação porque tal lhes convinha e, posteriormente, preferiram ocupar o tempo a discutir em infindáveis reuniões em Bruxelas se o défice orçamental era de 2,75% do PIB ou de 3,25% em vez de encarar a realidade. Dos que passaram anos a financiar o Estado e os bancos portugueses como se fossem alemães. E dos que, no BCE, perante uma situação de desequilíbrio nas balanças de transações correntes de vários países do Sul da Europa, insistiram em manter uma política monetária que fez o euro valorizar de 0,8 dólares para 1,6, entre 2000 e 2008. Só com aumentos de produtividade superiores aos dos EUA em quase 10% ao ano, ou com descidas de salários correspondentes, teria sido possível manter a competitividade internacional nestas condições.
Uma vez que todos colaboraram no problema, todos devem participar na solução. É errado passar o tempo tentando procurar exclusivamente um responsável interno por uma crise que é europeia. Tal apenas serve o interesse dos corresponsáveis no exterior e contribui para adiar as soluções comuns que temos de encontrar a nível europeu.
Manuel Caldeira Cabral e Manuel Pinho começam hoje a publicar no Diário de Notícias uma série de cinco artigos sobre a crise do euro e as transformações na economia global.
Há na Europa um país onde apenas um terço das pessoas com mais de 25 anos completaram o antigo liceu, quando nos outros é, em média, mais de dois terços. O stock de capital é metade do registado na média da zona euro. A desigualdade é grande e está a aumentar. Nesse país, os responsáveis pelas maiores falências bancárias do último século aguardam tranquilamente por julgamento há anos.
Naturalmente, esse país devia colocar acima de tudo a educação dos jovens e a requalificação da população ativa; o apoio aos mais desfavorecidos; o investimento modernizador com base numa estratégia para tirar partido das suas vantagens comparativas; melhorar o funcionamento do sistema de justiça. É uma questão de bom senso.
Mas não é o caso. Os jovens qualificados foram aconselhados a emigrar para o estrangeiro. O investimento baixou 38% em cinco anos. Cortou-se nas pensões de viuvez, mas baixaram os impostos das grandes empresas.
Esse país é Portugal.
Estado da situação
O PIB português está sensivelmente ao nível de 2000. A dívida pública em 130% do PIB e a taxa de desemprego acima de 16%. As taxas de juro de longo prazo mantêm-se em 6% apesar das ajudas do BCE. As contas externas melhoraram , porém não há razão para euforia porque a trajetória é igual à da Espanha e Grécia e resulta de uma brutal compressão da despesa.
As desigualdades aumentaram e o confisco das pensões fez que cada vez menos portugueses acreditem no Estado. A reforma da Segurança Social do anterior governo era considerada exemplar pela OCDE, porém nenhum português sabe com que reforma pode contar, o que não surpreende porque a Segurança Social assumiu obrigações com trabalhadores que anteriormente tinham um regime próprio, o desemprego subiu em flecha e o crescimento da economia caiu a pique.
O desenvolvimento do País requer mais investimento, mais qualificações, melhores instituições e sensibilidade social. É importante recuar ao momento em que Portugal aderiu ao euro porque um diagnóstico errado da crise conduz a um tratamento errado que pode matar o doente.
Não é o euro, é a forma como Portugal aderiu ao euro
Criou-se a ideia falsa de que Portugal é um país que estava muito bem e, de repente, "passou a viver acima das suas possibilidades depois de aderir ao euro". Portanto, os portugueses merecem ser castigados, aceitar passivamente o empobrecimento, aplaudir a perda de regalias sociais e encorajar a emigração para o estrangeiro dos jovens com elevadas qualificações. Não devem.
A causa da crise é diferente. Para a explicar imagine-se dois cenários distintos à partida, quando Portugal aderiu ao euro:
- A taxa de câmbio estava equilibrada e a política monetária (taxas de juros e taxa de câmbio do euro) transmitiu os sinais certos.
- A taxa de câmbio estava fortemente sobrevalorizada e os estímulos transmitidos pela política cambial e monetária foram no sentido errado.
No primeiro cenário, a crise não teria corresponsáveis; corresponde a um automóvel que estava num plano horizontal e o condutor teria escolhido entrar num plano inclinado, acelerar e assobiar para o lado.
Em contraste, no segundo teria poucas, ou nenhumas, possibilidades de escapar a uma crise; é como um automóvel que já estivesse num plano inclinado (forte excesso de procura), o condutor deixasse de poder usar os travões (política monetária e cambial) e, para cúmulo, ainda recebeu um empurrão (apreciação do euro e queda das taxas de juro).
O segundo cenário corresponde ao caso de Portugal.
A figura sobre o saldo da balança de transações correntes de Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda desde 1995 e mostra o seguinte:
- Nos anos que precederam a criação do ruro, pode ver-se que Portugal, Espanha e Grécia registavam défices da balança de transações correntes (BTC) cada vez maiores. O caso da Irlanda é diferente, na medida em que o saldo piorou, mas ainda se manteve relativamente próximo do equilíbrio.
- Depois da adesão ao euro, os défices repetiram-se, e nalguns casos agravaram-se. A contrapartida desta situação foi um aumento exponencial do endividamento externo para financiar défices sucessivos da BTC.
Foi como um automóvel que já estivesse num plano inclinado (défices externos crescentes e cada vez maior necessidade de usar financiamento externo), o condutor perdesse os travões (desvalorizar a moeda, subir as taxas de juros) e ainda por cima recebesse um empurrão (valorização do euro).
Portugal aderiu ao euro com uma taxa de câmbio brutalmente sobrevalorizada
Não é matéria de debate, é uma mera constatação, Portugal ter aderido ao ruro a uma taxa sobrevalorizada. Contudo, criou-se a ideia de que depois de aderir ao euro os países podiam deixar de se preocupar com o saldo da balança de pagamentos e quem na altura dissesse o contrário era tomado por um original. Esta visão errada esquecia que a contrapartida de dédices sucessivos são um aumento insustentável do endividamento externo.
Para agravar a situação, quando Portugal abdicou da sua soberania monetária o euro valorizou-se (precisaria de se ter desvalorizado) e as taxas de juros baixaram (precisariam de ter subido).
A política orçamental
As regras da zona euro relativamente ao limite dos défices orçamentais nunca seriam suficientes para corrigir o desalinhamento das taxas de câmbio ao momento da adesão ao euro, tão-pouco para compensar a falta de coordenação ao nível da política monetária e cambial. Até à crise, a Irlanda e a Espanha registaram melhores resultados nas finanças públicas do que a Alemanha (ver figura abaixo), mas que tal foi insuficiente para absorver o excesso de procura com origem no sector privado.
Agentes económicos responderam a incentivos
Muitos economistas e políticos criticam as políticas que supostamente promoveram o sector dos bens não transacionáveis, em detrimento dos bens transacionáveis. Esquecem que Portugal não é uma economia do tipo soviético em que o Estado decide em que sectores se deve investir, é uma economia em que os agentes económicos respondem a incentivos. Qual foi o sinal dado às empresas? Invistam no sector dos bens não transacionáveis porque é nele que podem ter maiores lucros em virtude de a taxa de câmbio estar sobrevalorizada. O desenvolvimento do sector dos bens não transacionáveis não é uma surpresa, é resultado das leis da economia.
Quatro choques externos negativos agravaram a situação
Como se tal problema não bastasse, durante a década passada Portugal sofreu não um, mas quatro choques externos negativos.
- Primeiro, a queda das remessas de emigrantes.
- Segundo, a abertura da Europa a países do Leste, mais próximos do Centro da Europa e com mão de obra mais qualificada e barata.
- Terceiro, a adesão da China à OMC.
- Quarto, a subida do preço da energia.
Este conjunto de choques agravou, em vez de corrigir, a situação inicial.
Os choques assimétricos deveriam ter sido compensados por transferências de maneira a permitir o ajustamento necessário.
A realidade traduz as leis da economia
Portugal abdicou de ter moeda própria. As taxas de juros baixaram. O euro valorizou-se face ao dólar. Criou-se a ilusão de que investir em Portugal tinha o mesmo risco do que investir na Alemanha. A banca internacional avaliou mal o risco.
Se tal não tivesse acontecido significaria que as leis da economia não servem para nada.
A crise tem corresponsáveis
Quando Portugal entrou para o euro já tinha uma taxa de câmbio fortemente sobrevalorizada e a culpa de tal também é de todos os que começaram por fechar os olhos a esta situação porque tal lhes convinha e, posteriormente, preferiram ocupar o tempo a discutir em infindáveis reuniões em Bruxelas se o défice orçamental era de 2,75% do PIB ou de 3,25% em vez de encarar a realidade. Dos que passaram anos a financiar o Estado e os bancos portugueses como se fossem alemães. E dos que, no BCE, perante uma situação de desequilíbrio nas balanças de transações correntes de vários países do Sul da Europa, insistiram em manter uma política monetária que fez o euro valorizar de 0,8 dólares para 1,6, entre 2000 e 2008. Só com aumentos de produtividade superiores aos dos EUA em quase 10% ao ano, ou com descidas de salários correspondentes, teria sido possível manter a competitividade internacional nestas condições.
Uma vez que todos colaboraram no problema, todos devem participar na solução. É errado passar o tempo tentando procurar exclusivamente um responsável interno por uma crise que é europeia. Tal apenas serve o interesse dos corresponsáveis no exterior e contribui para adiar as soluções comuns que temos de encontrar a nível europeu.
Banco Alimentar Contra a Fome inicia hoje campanha "online" de recolha de alimentos
in Jornal de Notícias
O Banco Alimentar contra a Fome inicia, esta sexta-feira, mais uma campanha "online", de recolha de alimentos, numa altura em que aumentam os pedidos de ajuda e diminuem os produtos doados, disse a presidente da instituição, Isabel Jonet.
Esta é primeira das três campanhas que o Banco Alimentar contra a Fome vai realizar até ao final do ano, e estende-se até ao dia 8 de dezembro.
Na última campanha, que decorreu em maio, o portal de doações www.alimentestaideia.net recolheu quase 90 toneladas de alimentos, num valor global de cerca de 117 mil euros, tendo sido a média de doação de 36,54 euros.
A presidente da Federação Portuguesa dos Banco Alimentares explicou que as pessoas podem fazer o seu donativo através da compra de alimentos básicos que estão disponíveis no site (leite, atum, salsichas, açúcar, óleo e azeite).
"As pessoas podem escolher o Banco Alimentar da sua região e recebem logo no seu e-mail um recibo que permite descontar nos seus impostos o donativo efetuado", adiantou Isabel Jonet.
Segundo a responsável, o portal tem vindo a registar "um número crescente de dadores", embora na campanha de Natal de 2012 tenho tido visitas de pessoas de mais países do que em maio, mas o número de dadores foi "sensivelmente igual", cerca de 3.200.
Isabel Jonet adiantou que a campanha se realiza numa altura em que o Banco Alimentar Contra a Fome tem "mais pedidos [de ajuda] e menos produtos".
"Temos um crescimento do número de pedidos diretos, mas temos também um grande crescimento dos pedidos por parte das instituições, que nos pedem o reforço do cabaz mensal que lhes é entregue, porque têm mais dificuldades", explicou.
Por outro lado, adiantou, os bancos alimentares tiveram "muito menos doações da indústria agroalimentar, que redimensionou a sua produção devido à quebra do consumo em Portugal".
"O que temos de fazer, porque temos mais pedidos e menos produtos, é de ser mais inventivos e, por isso, lançámos a campanha 'Papel por alimentos', para poder completar os cabazes, mas também temos de tentar sensibilizar mais pessoas para serem mais solidárias com as pessoas da sua região", disse Isabel Jonet.
O Banco Alimentar realiza, duas vezes por ano, três campanhas: a campanha online, a tradicional recolha de alimentos nos supermercados e a campanha "Ajuda vale", em que as pessoas podem comprar, na caixa dos supermercados, vales de seis produtos selecionados.
A "Campanha saco" e a "Campanha ajuda vale" vão decorrer entre 30 de novembro e 08 de dezembro.
O Banco Alimentar contra a Fome inicia, esta sexta-feira, mais uma campanha "online", de recolha de alimentos, numa altura em que aumentam os pedidos de ajuda e diminuem os produtos doados, disse a presidente da instituição, Isabel Jonet.
Esta é primeira das três campanhas que o Banco Alimentar contra a Fome vai realizar até ao final do ano, e estende-se até ao dia 8 de dezembro.
Na última campanha, que decorreu em maio, o portal de doações www.alimentestaideia.net recolheu quase 90 toneladas de alimentos, num valor global de cerca de 117 mil euros, tendo sido a média de doação de 36,54 euros.
A presidente da Federação Portuguesa dos Banco Alimentares explicou que as pessoas podem fazer o seu donativo através da compra de alimentos básicos que estão disponíveis no site (leite, atum, salsichas, açúcar, óleo e azeite).
"As pessoas podem escolher o Banco Alimentar da sua região e recebem logo no seu e-mail um recibo que permite descontar nos seus impostos o donativo efetuado", adiantou Isabel Jonet.
Segundo a responsável, o portal tem vindo a registar "um número crescente de dadores", embora na campanha de Natal de 2012 tenho tido visitas de pessoas de mais países do que em maio, mas o número de dadores foi "sensivelmente igual", cerca de 3.200.
Isabel Jonet adiantou que a campanha se realiza numa altura em que o Banco Alimentar Contra a Fome tem "mais pedidos [de ajuda] e menos produtos".
"Temos um crescimento do número de pedidos diretos, mas temos também um grande crescimento dos pedidos por parte das instituições, que nos pedem o reforço do cabaz mensal que lhes é entregue, porque têm mais dificuldades", explicou.
Por outro lado, adiantou, os bancos alimentares tiveram "muito menos doações da indústria agroalimentar, que redimensionou a sua produção devido à quebra do consumo em Portugal".
"O que temos de fazer, porque temos mais pedidos e menos produtos, é de ser mais inventivos e, por isso, lançámos a campanha 'Papel por alimentos', para poder completar os cabazes, mas também temos de tentar sensibilizar mais pessoas para serem mais solidárias com as pessoas da sua região", disse Isabel Jonet.
O Banco Alimentar realiza, duas vezes por ano, três campanhas: a campanha online, a tradicional recolha de alimentos nos supermercados e a campanha "Ajuda vale", em que as pessoas podem comprar, na caixa dos supermercados, vales de seis produtos selecionados.
A "Campanha saco" e a "Campanha ajuda vale" vão decorrer entre 30 de novembro e 08 de dezembro.
21.11.13
Pensões de velhice e sobrevivência representam mais de 50% dos gastos com protecção social em Portugal
in iOnline
As despesas do Estado português com protecção social estão, contudo, abaixo da média europeia
As despesas do Estado português com proteção social atingiram 26,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, continuando abaixo da média europeia, e mais de metade desse valor, 55%, foi dirigido para pensões de velhice e sobrevivência.
De acordo com dados do Eurostat divulgados hoje, em 2011, União Europeia gastou quase 30% do PIB (29,1%) em despesas com proteção social, o que constitui uma descida em relação a 2010 (29,4%) e a 2009 (29,7%).
Os dados disponíveis mostram que desde 2008 Portugal esteve sempre abaixo da média da União Europeia, com 24,3% em 2008, 26,8% em 2009, 26,8% em 2010 e 26,5% em 2011.
As pensões de velhice e sobrevivência representaram em 2011 a maior 'fatia' dos gastos do Estado português em proteção social, atingindo os 55% da despesa, a par da Letónia e Malta, enquanto a média dos 28 Estados-membros foi de 46%.
Apenas a Itália e a Polónia, com 61% e 58%, respetivamente, gastam uma percentagem maior do seu Produto Interno Bruto (PIB) nestas prestações.
O gabinete oficial de estatísticas da União Europeia adverte neste boletim que "a média europeia continua a disfarçar as disparidades entre os Estados-membros" nos seus "níveis de vida" e na sua "estrutura demográfica, económica, social e institucional".
A Dinamarca (34,3%), a França (33,6%), os Países Baixos (32,3%), a Bélgica (30,4%), a Grécia (30,2%) e a Finlândia (30%) foram os países com maior percentagem de despesa em proteção social em 2011, enquanto, abaixo dos 20%, ficaram a Letónia (15,1%), Estónia (16,1%), Roménia (16,3%) e Bulgária (17,7%).
As duas principais fontes de financiamento dos sistemas de proteção social ao nível da União Europeia são as receitas provenientes dos impostos e as contribuições sociais.
As despesas do Estado português com protecção social estão, contudo, abaixo da média europeia
As despesas do Estado português com proteção social atingiram 26,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, continuando abaixo da média europeia, e mais de metade desse valor, 55%, foi dirigido para pensões de velhice e sobrevivência.
De acordo com dados do Eurostat divulgados hoje, em 2011, União Europeia gastou quase 30% do PIB (29,1%) em despesas com proteção social, o que constitui uma descida em relação a 2010 (29,4%) e a 2009 (29,7%).
Os dados disponíveis mostram que desde 2008 Portugal esteve sempre abaixo da média da União Europeia, com 24,3% em 2008, 26,8% em 2009, 26,8% em 2010 e 26,5% em 2011.
As pensões de velhice e sobrevivência representaram em 2011 a maior 'fatia' dos gastos do Estado português em proteção social, atingindo os 55% da despesa, a par da Letónia e Malta, enquanto a média dos 28 Estados-membros foi de 46%.
Apenas a Itália e a Polónia, com 61% e 58%, respetivamente, gastam uma percentagem maior do seu Produto Interno Bruto (PIB) nestas prestações.
O gabinete oficial de estatísticas da União Europeia adverte neste boletim que "a média europeia continua a disfarçar as disparidades entre os Estados-membros" nos seus "níveis de vida" e na sua "estrutura demográfica, económica, social e institucional".
A Dinamarca (34,3%), a França (33,6%), os Países Baixos (32,3%), a Bélgica (30,4%), a Grécia (30,2%) e a Finlândia (30%) foram os países com maior percentagem de despesa em proteção social em 2011, enquanto, abaixo dos 20%, ficaram a Letónia (15,1%), Estónia (16,1%), Roménia (16,3%) e Bulgária (17,7%).
As duas principais fontes de financiamento dos sistemas de proteção social ao nível da União Europeia são as receitas provenientes dos impostos e as contribuições sociais.
Portugal é segundo país com menos gastos em cuidados continuados
in iOnline
Ainda assim, a taxa de crescimento em Portugal da despesa pública com cuidados continuados é uma das que mais cresceu anualmente entre 2005 e 2011
Portugal é o segundo país da OCDE em que a despesa com cuidados de saúde continuados é menor, representando apenas 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo um relatório hoje divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Ainda assim, a taxa de crescimento em Portugal da despesa pública com cuidados continuados é uma das que mais cresceu anualmente entre 2005 e 2011 (uma média de 14,4%), bem acima dos 4,8% da OCDE.
Segundo o documento, a Grécia é o país que menos dinheiro público aplica nos cuidados continuados, logo seguida de Portugal e de mais quatro países que contribuem com menos de 0,5% dos seus PIB: Estónia, Hungria, República Checa e Polónia.
Em 25 países, apenas nove se situam acima da média da OCDE, que é de 1,6% do PIB em gastos com cuidados continuados.
Holanda e Suécia surgem como os países com mais dinheiro gasto em cuidados de longo prazo.
As diferenças entre os países com maior e menor investimento refletem sobretudo, segundo o relatório, o desenvolvimento de uma estrutura mais formal de cuidados continuados nuns casos, enquanto noutros se continua a recorrer a cuidados informais muito baseados em apoio familiar.
Segundo o relatório, a despesa com os cuidados continuados tem crescido nas últimas décadas na grande maioria dos países da OCDE e espera-se que continue a aumentar nos próximos anos, devido sobretudo ao envelhecimento da população
Ainda assim, a taxa de crescimento em Portugal da despesa pública com cuidados continuados é uma das que mais cresceu anualmente entre 2005 e 2011
Portugal é o segundo país da OCDE em que a despesa com cuidados de saúde continuados é menor, representando apenas 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo um relatório hoje divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Ainda assim, a taxa de crescimento em Portugal da despesa pública com cuidados continuados é uma das que mais cresceu anualmente entre 2005 e 2011 (uma média de 14,4%), bem acima dos 4,8% da OCDE.
Segundo o documento, a Grécia é o país que menos dinheiro público aplica nos cuidados continuados, logo seguida de Portugal e de mais quatro países que contribuem com menos de 0,5% dos seus PIB: Estónia, Hungria, República Checa e Polónia.
Em 25 países, apenas nove se situam acima da média da OCDE, que é de 1,6% do PIB em gastos com cuidados continuados.
Holanda e Suécia surgem como os países com mais dinheiro gasto em cuidados de longo prazo.
As diferenças entre os países com maior e menor investimento refletem sobretudo, segundo o relatório, o desenvolvimento de uma estrutura mais formal de cuidados continuados nuns casos, enquanto noutros se continua a recorrer a cuidados informais muito baseados em apoio familiar.
Segundo o relatório, a despesa com os cuidados continuados tem crescido nas últimas décadas na grande maioria dos países da OCDE e espera-se que continue a aumentar nos próximos anos, devido sobretudo ao envelhecimento da população
Há cada vez mais estrangeiros a contribuir para o Banco Alimentar
por Ana Lisboa, in RR
Campanha online começa esta quinta-feira. Voluntários chegam aos supermercados no fim-de-semana de 30 de Novembro e 1 de Dezembro. Existe ainda a Ajuda Vale, que termina a 8 de Dezembro.
Arranca esta quinta-feira a campanha online do Banco Alimentar Contra a Fome e são cada vez mais os estrangeiros e emigrantes a utilizar esta modalidade para ajudar os mais carenciados.
“Há muitos estrangeiros e emigrantes portugueses que querem ajudar”, refere à Renascença a presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet. É “uma boa forma de ajudar quem mais precisa na sua região”, acrescenta.
Até ao dia 8 de Dezembro, quem quiser pode contribuir através do site www.alimenteestaideia.net e escolher um dos cinco produtos básicos considerados necessários pela instituição.
O aumento do número de pedidos de ajuda chega “por via das instituições”, mas não só. Há “pedidos de apoio directos, que nos chegam por varias vias, como o facebook”, afirma Isabel Jonet, que admite relacionar o aumento “com o acréscimo do desemprego” e “do sobreendividamento das famílias”.
Além da campanha online, vão decorrer outras duas: a 30 de Novembro e 1 de Dezembro, a campanha saco, a tradicional realizada nos super e hipermercados; e a Ajuda Vale, que começa na mesma data e termina a 8 de Dezembro.
Campanha online começa esta quinta-feira. Voluntários chegam aos supermercados no fim-de-semana de 30 de Novembro e 1 de Dezembro. Existe ainda a Ajuda Vale, que termina a 8 de Dezembro.
Arranca esta quinta-feira a campanha online do Banco Alimentar Contra a Fome e são cada vez mais os estrangeiros e emigrantes a utilizar esta modalidade para ajudar os mais carenciados.
“Há muitos estrangeiros e emigrantes portugueses que querem ajudar”, refere à Renascença a presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet. É “uma boa forma de ajudar quem mais precisa na sua região”, acrescenta.
Até ao dia 8 de Dezembro, quem quiser pode contribuir através do site www.alimenteestaideia.net e escolher um dos cinco produtos básicos considerados necessários pela instituição.
O aumento do número de pedidos de ajuda chega “por via das instituições”, mas não só. Há “pedidos de apoio directos, que nos chegam por varias vias, como o facebook”, afirma Isabel Jonet, que admite relacionar o aumento “com o acréscimo do desemprego” e “do sobreendividamento das famílias”.
Além da campanha online, vão decorrer outras duas: a 30 de Novembro e 1 de Dezembro, a campanha saco, a tradicional realizada nos super e hipermercados; e a Ajuda Vale, que começa na mesma data e termina a 8 de Dezembro.
Défice de 2015 exige 2 mil milhões de euros de cortes permanentes
in Sol
A Comissão Europeia afirma hoje que o esforço orçamental em 2014 será de mais do dobro do estimado para 2013, e diz que são necessários dois mil milhões de euros de cortes permanentes para cumprir o défice em 2015.
Na análise que faz à oitava e nona avaliações do Programa de Assistência Económica e Financeira, Bruxelas diz que para cumprir o acordo de reduzir o défice orçamental para menos de 3% em 2015, Portugal terá de implementar medidas permanentes na ordem dos 1,2% do PIB, cerca de dois mil milhões de euros.
Em 2016 e 2017, a 'troika' espera mais dois mil milhões de euros de cortes acumulados para conseguir reduzir o défice para o nível exigido no tratado orçamental, 0,5% do PIB em 2017.
Se estes cortes forem cumulativos, Portugal teria de aplicar pelo menos mais de 4 mil milhões de euros em medidas adicionais, mesmo com o PIB a crescer, para cumprir as metas.
Bruxelas faz ainda uma análise ao esforço orçamental que tem sido feito e ao que está previsto e conclui que o esforço orçamental previsto para este ano dará uma correcção de apenas 0,5% de PIB, esperando-se que no próximo ano este esforço seja de mais de o dobro, ou seja, 1,1% do PIB.
A Comissão Europeia afirma hoje que o esforço orçamental em 2014 será de mais do dobro do estimado para 2013, e diz que são necessários dois mil milhões de euros de cortes permanentes para cumprir o défice em 2015.
Na análise que faz à oitava e nona avaliações do Programa de Assistência Económica e Financeira, Bruxelas diz que para cumprir o acordo de reduzir o défice orçamental para menos de 3% em 2015, Portugal terá de implementar medidas permanentes na ordem dos 1,2% do PIB, cerca de dois mil milhões de euros.
Em 2016 e 2017, a 'troika' espera mais dois mil milhões de euros de cortes acumulados para conseguir reduzir o défice para o nível exigido no tratado orçamental, 0,5% do PIB em 2017.
Se estes cortes forem cumulativos, Portugal teria de aplicar pelo menos mais de 4 mil milhões de euros em medidas adicionais, mesmo com o PIB a crescer, para cumprir as metas.
Bruxelas faz ainda uma análise ao esforço orçamental que tem sido feito e ao que está previsto e conclui que o esforço orçamental previsto para este ano dará uma correcção de apenas 0,5% de PIB, esperando-se que no próximo ano este esforço seja de mais de o dobro, ou seja, 1,1% do PIB.
Pensões de velhice e sobrevivência representam mais de 50% dos gastos com protecção social em Portugal
in Sol
As despesas do Estado português com protecção social atingiram 26,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, continuando abaixo da média europeia, e mais de metade desse valor, 55%, foi dirigido para pensões de velhice e sobrevivência.
De acordo com dados do Eurostat divulgados hoje, em 2011, União Europeia gastou quase 30% do PIB (29,1%) em despesas com protecção social, o que constitui uma descida em relação a 2010 (29,4%) e a 2009 (29,7%).
Os dados disponíveis mostram que desde 2008 Portugal esteve sempre abaixo da média da União Europeia, com 24,3% em 2008, 26,8% em 2009, 26,8% em 2010 e 26,5% em 2011.
As pensões de velhice e sobrevivência representaram em 2011 a maior 'fatia' dos gastos do Estado português em protecção social, atingindo os 55% da despesa, a par da Letónia e Malta, enquanto a média dos 28 Estados-membros foi de 46%.
Apenas a Itália e a Polónia, com 61% e 58%, respectivamente, gastam uma percentagem maior do seu Produto Interno Bruto (PIB) nestas prestações.
O gabinete oficial de estatísticas da União Europeia adverte neste boletim que "a média europeia continua a disfarçar as disparidades entre os Estados-membros" nos seus "níveis de vida" e na sua "estrutura demográfica, económica, social e institucional".
A Dinamarca (34,3%), a França (33,6%), os Países Baixos (32,3%), a Bélgica (30,4%), a Grécia (30,2%) e a Finlândia (30%) foram os países com maior percentagem de despesa em protecção social em 2011, enquanto, abaixo dos 20%, ficaram a Letónia (15,1%), Estónia (16,1%), Roménia (16,3%) e Bulgária (17,7%).
As duas principais fontes de financiamento dos sistemas de protecção social ao nível da União Europeia são as receitas provenientes dos impostos e as contribuições sociais.
Lusa/SOL
As despesas do Estado português com protecção social atingiram 26,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, continuando abaixo da média europeia, e mais de metade desse valor, 55%, foi dirigido para pensões de velhice e sobrevivência.
De acordo com dados do Eurostat divulgados hoje, em 2011, União Europeia gastou quase 30% do PIB (29,1%) em despesas com protecção social, o que constitui uma descida em relação a 2010 (29,4%) e a 2009 (29,7%).
Os dados disponíveis mostram que desde 2008 Portugal esteve sempre abaixo da média da União Europeia, com 24,3% em 2008, 26,8% em 2009, 26,8% em 2010 e 26,5% em 2011.
As pensões de velhice e sobrevivência representaram em 2011 a maior 'fatia' dos gastos do Estado português em protecção social, atingindo os 55% da despesa, a par da Letónia e Malta, enquanto a média dos 28 Estados-membros foi de 46%.
Apenas a Itália e a Polónia, com 61% e 58%, respectivamente, gastam uma percentagem maior do seu Produto Interno Bruto (PIB) nestas prestações.
O gabinete oficial de estatísticas da União Europeia adverte neste boletim que "a média europeia continua a disfarçar as disparidades entre os Estados-membros" nos seus "níveis de vida" e na sua "estrutura demográfica, económica, social e institucional".
A Dinamarca (34,3%), a França (33,6%), os Países Baixos (32,3%), a Bélgica (30,4%), a Grécia (30,2%) e a Finlândia (30%) foram os países com maior percentagem de despesa em protecção social em 2011, enquanto, abaixo dos 20%, ficaram a Letónia (15,1%), Estónia (16,1%), Roménia (16,3%) e Bulgária (17,7%).
As duas principais fontes de financiamento dos sistemas de protecção social ao nível da União Europeia são as receitas provenientes dos impostos e as contribuições sociais.
Lusa/SOL
Recuperação da zona euro está “atrasada” e fosso entre norte e sul é “cada vez maior”
in Público on-line
Inquérito global a economistas de 120 países aponta para melhoria nas perspectivas económicas na zona euro entre três a cinco anos.
O World Economic Survey, divulgado nesta quarta-feira, refere que a recuperação económica da zona euro está a ser mais lenta do que noutras regiões do mundo e alerta que o fosso entre as economias do Norte e as do Sul “é cada vez maior”.
Embora a confiança no espaço da moeda única tenha crescido, a situação económica no contexto global continua a ser desfavorável e a recuperação está “atrasada”, lê-se no documento publicado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e o Instituto de pesquisa económica alemão Ifo. O documento resulta de um inquérito feito a mais de mil economistas em 120 países.
As razões referidas no estudo têm a ver com os elevados níveis desemprego, os défices orçamentais de vários países e a “fraca procura”. Ainda assim, os inquiridos estão mais confiantes quanto às perspectivas económicas para os próximos três a cinco anos.
O inquérito mostra Portugal, Grécia, Itália, Espanha e Chipre como países ainda em crise, enquanto a Alemanha e a Estónia surgem como as únicas economias avaliadas num nível de “satisfatório” a “bom”. A zona euro interrompeu, no segundo trimestre deste ano, o ciclo de recessão em que se encontrava há um ano e meio, mas o crescimento abrandou no terceiro trimestre – e as perspectivas de crescimento são ainda frágeis.
Com ritmos de progressão distintos entre as maiores economias, a moeda única avançou 0,1% entre Julho e Setembro (face aos três meses anteriores) e 0,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto a Alemanha registou um abrandamento da sua economia, França voltou a registar uma contracção do PIB em cadeia e Itália continuou em recessão.
Ao mesmo tempo, permanecem as dúvidas sobre a capacidade de alguns países manterem perspectivas de crescimento sustentáveis. Pressionados pelos parceiros europeus e os mercados a responderem à crise com medidas restritivas de consolidação das contas públicas, os países mais afectados pela espiral da crise das dívidas soberanas mantêm na agenda medidas de consolidação orçamental para os próximos anos, como é o caso de Portugal. E são países com elevados níveis de desemprego. Grécia (27,6% da população activa), Espanha (26,6%), Chipre (17,1%), Portugal (16,3%), Eslováquia (14%) e Irlanda (13,6%) são os países da moeda única com os maiores níveis de desemprego.
Quanto à economia global, o World Economic Survey refere que clima económico “vai dando esperanças de recuperação”, depois de um terceiro trimestre cauteloso.
O World Economic Survey, divulgado nesta quarta-feira, refere que a recuperação económica da zona euro está a ser mais lenta do que noutras regiões do mundo e alerta que o fosso entre as economias do Norte e as do Sul “é cada vez maior”.
Embora a confiança no espaço da moeda única tenha crescido, a situação económica no contexto global continua a ser desfavorável e a recuperação está “atrasada”, lê-se no documento publicado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e o Instituto de pesquisa económica alemão Ifo. O documento resulta de um inquérito feito a mais de mil economistas em 120 países.
As razões referidas no estudo têm a ver com os elevados níveis desemprego, os défices orçamentais de vários países e a “fraca procura”. Ainda assim, os inquiridos estão mais confiantes quanto às perspectivas económicas para os próximos três a cinco anos.
O inquérito mostra Portugal, Grécia, Itália, Espanha e Chipre como países ainda em crise, enquanto a Alemanha e a Estónia surgem como as únicas economias avaliadas num nível de “satisfatório” a “bom”. A zona euro interrompeu, no segundo trimestre deste ano, o ciclo de recessão em que se encontrava há um ano e meio, mas o crescimento abrandou no terceiro trimestre – e as perspectivas de crescimento são ainda frágeis.
Com ritmos de progressão distintos entre as maiores economias, a moeda única avançou 0,1% entre Julho e Setembro (face aos três meses anteriores) e 0,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto a Alemanha registou um abrandamento da sua economia, França voltou a registar uma contracção do PIB em cadeia e Itália continuou em recessão.
Ao mesmo tempo, permanecem as dúvidas sobre a capacidade de alguns países manterem perspectivas de crescimento sustentáveis. Pressionados pelos parceiros europeus e os mercados a responderem à crise com medidas restritivas de consolidação das contas públicas, os países mais afectados pela espiral da crise das dívidas soberanas mantêm na agenda medidas de consolidação orçamental para os próximos anos, como é o caso de Portugal. E são países com elevados níveis de desemprego. Grécia (27,6% da população activa), Espanha (26,6%), Chipre (17,1%), Portugal (16,3%), Eslováquia (14%) e Irlanda (13,6%) são os países da moeda única com os maiores níveis de desemprego.
Quanto à economia global, o World Economic Survey refere que clima económico “vai dando esperanças de recuperação”, depois de um terceiro trimestre cauteloso.
Inquérito global a economistas de 120 países aponta para melhoria nas perspectivas económicas na zona euro entre três a cinco anos.
O World Economic Survey, divulgado nesta quarta-feira, refere que a recuperação económica da zona euro está a ser mais lenta do que noutras regiões do mundo e alerta que o fosso entre as economias do Norte e as do Sul “é cada vez maior”.
Embora a confiança no espaço da moeda única tenha crescido, a situação económica no contexto global continua a ser desfavorável e a recuperação está “atrasada”, lê-se no documento publicado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e o Instituto de pesquisa económica alemão Ifo. O documento resulta de um inquérito feito a mais de mil economistas em 120 países.
As razões referidas no estudo têm a ver com os elevados níveis desemprego, os défices orçamentais de vários países e a “fraca procura”. Ainda assim, os inquiridos estão mais confiantes quanto às perspectivas económicas para os próximos três a cinco anos.
O inquérito mostra Portugal, Grécia, Itália, Espanha e Chipre como países ainda em crise, enquanto a Alemanha e a Estónia surgem como as únicas economias avaliadas num nível de “satisfatório” a “bom”. A zona euro interrompeu, no segundo trimestre deste ano, o ciclo de recessão em que se encontrava há um ano e meio, mas o crescimento abrandou no terceiro trimestre – e as perspectivas de crescimento são ainda frágeis.
Com ritmos de progressão distintos entre as maiores economias, a moeda única avançou 0,1% entre Julho e Setembro (face aos três meses anteriores) e 0,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto a Alemanha registou um abrandamento da sua economia, França voltou a registar uma contracção do PIB em cadeia e Itália continuou em recessão.
Ao mesmo tempo, permanecem as dúvidas sobre a capacidade de alguns países manterem perspectivas de crescimento sustentáveis. Pressionados pelos parceiros europeus e os mercados a responderem à crise com medidas restritivas de consolidação das contas públicas, os países mais afectados pela espiral da crise das dívidas soberanas mantêm na agenda medidas de consolidação orçamental para os próximos anos, como é o caso de Portugal. E são países com elevados níveis de desemprego. Grécia (27,6% da população activa), Espanha (26,6%), Chipre (17,1%), Portugal (16,3%), Eslováquia (14%) e Irlanda (13,6%) são os países da moeda única com os maiores níveis de desemprego.
Quanto à economia global, o World Economic Survey refere que clima económico “vai dando esperanças de recuperação”, depois de um terceiro trimestre cauteloso.
O World Economic Survey, divulgado nesta quarta-feira, refere que a recuperação económica da zona euro está a ser mais lenta do que noutras regiões do mundo e alerta que o fosso entre as economias do Norte e as do Sul “é cada vez maior”.
Embora a confiança no espaço da moeda única tenha crescido, a situação económica no contexto global continua a ser desfavorável e a recuperação está “atrasada”, lê-se no documento publicado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e o Instituto de pesquisa económica alemão Ifo. O documento resulta de um inquérito feito a mais de mil economistas em 120 países.
As razões referidas no estudo têm a ver com os elevados níveis desemprego, os défices orçamentais de vários países e a “fraca procura”. Ainda assim, os inquiridos estão mais confiantes quanto às perspectivas económicas para os próximos três a cinco anos.
O inquérito mostra Portugal, Grécia, Itália, Espanha e Chipre como países ainda em crise, enquanto a Alemanha e a Estónia surgem como as únicas economias avaliadas num nível de “satisfatório” a “bom”. A zona euro interrompeu, no segundo trimestre deste ano, o ciclo de recessão em que se encontrava há um ano e meio, mas o crescimento abrandou no terceiro trimestre – e as perspectivas de crescimento são ainda frágeis.
Com ritmos de progressão distintos entre as maiores economias, a moeda única avançou 0,1% entre Julho e Setembro (face aos três meses anteriores) e 0,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto a Alemanha registou um abrandamento da sua economia, França voltou a registar uma contracção do PIB em cadeia e Itália continuou em recessão.
Ao mesmo tempo, permanecem as dúvidas sobre a capacidade de alguns países manterem perspectivas de crescimento sustentáveis. Pressionados pelos parceiros europeus e os mercados a responderem à crise com medidas restritivas de consolidação das contas públicas, os países mais afectados pela espiral da crise das dívidas soberanas mantêm na agenda medidas de consolidação orçamental para os próximos anos, como é o caso de Portugal. E são países com elevados níveis de desemprego. Grécia (27,6% da população activa), Espanha (26,6%), Chipre (17,1%), Portugal (16,3%), Eslováquia (14%) e Irlanda (13,6%) são os países da moeda única com os maiores níveis de desemprego.
Quanto à economia global, o World Economic Survey refere que clima económico “vai dando esperanças de recuperação”, depois de um terceiro trimestre cauteloso.
"Europa está num ponto de viragem económico"
por Lusa, publicado por Luís Manuel Cabral, in Diário de Notícias
O comissário europeu dos Assuntos Económicos defendeu hoje, perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que a Europa já está em condições de abrandar o ritmo da consolidação das finanças públicas e focar-se em medidas para o crescimento e emprego.
Na apresentação, perante a comissão parlamentar de Assuntos Económicos, da "Análise Anual do Crescimento" publicada pela Comissão na semana passada -- o documento que aponta as prioridades económicas de Bruxelas -, Olli Rehn afirmou que é necessário "prosseguir uma consolidação consistente das finanças públicas", mas admitiu haver espaço para um abrandamento da mesma.
"Reduzimos para metade os nossos défices nos últimos dois, três anos, e podemos agora permitirmo-nos abrandar o ritmo da consolidação", disse.
Segundo Rehn, o "balão de oxigénio" que esse abrandamento da consolidação proporciona permitirá à Europa focar-se "na qualidade das medidas amigas do crescimento", sobretudo ao nível fiscal e de reformas que impulsionem um crescimento que, observou, já está a regressar à economia europeia.
O comissário do euro disse que as previsões económicas de outono divulgadas na semana passada pelo executivo comunitário "mostram que a Europa está num ponto de viragem económico", com o crescimento a regressar, a Europa a entrar numa fase de retoma "e os Estados-membros gradualmente a corrigir os desequilíbrios que se acumularam antes da crise", apontando a propósito o exemplo de Portugal.
"Um reequilíbrio significativo está a ter lugar na economia europeia, com uma mudança para um crescimento mais assente nas exportações, como vemos por exemplo na Irlanda, Espanha e Portugal", afirmou.
O comissário europeu dos Assuntos Económicos defendeu hoje, perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que a Europa já está em condições de abrandar o ritmo da consolidação das finanças públicas e focar-se em medidas para o crescimento e emprego.
Na apresentação, perante a comissão parlamentar de Assuntos Económicos, da "Análise Anual do Crescimento" publicada pela Comissão na semana passada -- o documento que aponta as prioridades económicas de Bruxelas -, Olli Rehn afirmou que é necessário "prosseguir uma consolidação consistente das finanças públicas", mas admitiu haver espaço para um abrandamento da mesma.
"Reduzimos para metade os nossos défices nos últimos dois, três anos, e podemos agora permitirmo-nos abrandar o ritmo da consolidação", disse.
Segundo Rehn, o "balão de oxigénio" que esse abrandamento da consolidação proporciona permitirá à Europa focar-se "na qualidade das medidas amigas do crescimento", sobretudo ao nível fiscal e de reformas que impulsionem um crescimento que, observou, já está a regressar à economia europeia.
O comissário do euro disse que as previsões económicas de outono divulgadas na semana passada pelo executivo comunitário "mostram que a Europa está num ponto de viragem económico", com o crescimento a regressar, a Europa a entrar numa fase de retoma "e os Estados-membros gradualmente a corrigir os desequilíbrios que se acumularam antes da crise", apontando a propósito o exemplo de Portugal.
"Um reequilíbrio significativo está a ter lugar na economia europeia, com uma mudança para um crescimento mais assente nas exportações, como vemos por exemplo na Irlanda, Espanha e Portugal", afirmou.
Câmara do Porto lança consulta para alterar Regulamento de Habitação
Carla Sofia Luz, in Jornal de Notícias
O Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Porto será reapreciado. A Câmara portuense vai lançar uma consulta pública até ao final de dezembro.
O objetivo é recolher propostas para adequar o documento a uma política que estimule a "reabitação da cidade" e assegure "uma maior intervenção e responsabilização dos moradores dos bairros municipais".
A abertura do período de auscultação pública foi determinada, por despacho a que o JN teve acesso, pelo vereador da Habitação, Manuel Pizarro. O autarca considera que a existência de um regulamento "é absolutamente essencial", mas deverá consagrar, "de forma clara", os deveres e os direitos dos inquilinos e do Município enquanto senhorio de mais de 13 mil famílias.
Urge, no entanto, humanizá-lo. O regulamento não será suspenso nem revogado, enquanto decorre a consulta.
O vereador da Habitação da Câmara do Porto espera que a auscultação seja bastante participada, não só por inquilinos e associações de moradores das urbanizações municipais, mas também por outros residentes e entidades da cidade.
O Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Porto será reapreciado. A Câmara portuense vai lançar uma consulta pública até ao final de dezembro.
O objetivo é recolher propostas para adequar o documento a uma política que estimule a "reabitação da cidade" e assegure "uma maior intervenção e responsabilização dos moradores dos bairros municipais".
A abertura do período de auscultação pública foi determinada, por despacho a que o JN teve acesso, pelo vereador da Habitação, Manuel Pizarro. O autarca considera que a existência de um regulamento "é absolutamente essencial", mas deverá consagrar, "de forma clara", os deveres e os direitos dos inquilinos e do Município enquanto senhorio de mais de 13 mil famílias.
Urge, no entanto, humanizá-lo. O regulamento não será suspenso nem revogado, enquanto decorre a consulta.
O vereador da Habitação da Câmara do Porto espera que a auscultação seja bastante participada, não só por inquilinos e associações de moradores das urbanizações municipais, mas também por outros residentes e entidades da cidade.
União Europeia admite abrandar austeridade para apostar no crescimento
in Jornal de Notícias
O comissário europeu dos Assuntos Económicos defendeu, esta quinta-feira, perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que a Europa já está em condições de abrandar o ritmo da consolidação das finanças públicas e focar-se em medidas para o crescimento e emprego.
Na apresentação, perante a comissão parlamentar de Assuntos Económicos, da "Análise Anual do Crescimento" publicada pela Comissão na semana passada - o documento que aponta as prioridades económicas de Bruxelas -, Olli Rehn afirmou que é necessário "prosseguir uma consolidação consistente das finanças públicas", mas admitiu haver espaço para um abrandamento da mesma.
"Reduzimos para metade os nossos défices nos últimos dois, três anos, e podemos agora permitirmo-nos abrandar o ritmo da consolidação", disse.
Segundo Rehn, o "balão de oxigénio" que esse abrandamento da consolidação proporciona permitirá à Europa focar-se "na qualidade das medidas amigas do crescimento", sobretudo ao nível fiscal e de reformas que impulsionem um crescimento que, observou, já está a regressar à economia europeia.
O comissário do euro disse que as previsões económicas de outono divulgadas na semana passada pelo executivo comunitário "mostram que a Europa está num ponto de viragem económico", com o crescimento a regressar, a Europa a entrar numa fase de retoma "e os Estados-membros gradualmente a corrigir os desequilíbrios que se acumularam antes da crise", apontando a propósito o exemplo de Portugal.
"Um reequilíbrio significativo está a ter lugar na economia europeia, com uma mudança para um crescimento mais assente nas exportações, como vemos por exemplo na Irlanda, Espanha e Portugal", afirmou.
O comissário europeu dos Assuntos Económicos defendeu, esta quinta-feira, perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que a Europa já está em condições de abrandar o ritmo da consolidação das finanças públicas e focar-se em medidas para o crescimento e emprego.
Na apresentação, perante a comissão parlamentar de Assuntos Económicos, da "Análise Anual do Crescimento" publicada pela Comissão na semana passada - o documento que aponta as prioridades económicas de Bruxelas -, Olli Rehn afirmou que é necessário "prosseguir uma consolidação consistente das finanças públicas", mas admitiu haver espaço para um abrandamento da mesma.
"Reduzimos para metade os nossos défices nos últimos dois, três anos, e podemos agora permitirmo-nos abrandar o ritmo da consolidação", disse.
Segundo Rehn, o "balão de oxigénio" que esse abrandamento da consolidação proporciona permitirá à Europa focar-se "na qualidade das medidas amigas do crescimento", sobretudo ao nível fiscal e de reformas que impulsionem um crescimento que, observou, já está a regressar à economia europeia.
O comissário do euro disse que as previsões económicas de outono divulgadas na semana passada pelo executivo comunitário "mostram que a Europa está num ponto de viragem económico", com o crescimento a regressar, a Europa a entrar numa fase de retoma "e os Estados-membros gradualmente a corrigir os desequilíbrios que se acumularam antes da crise", apontando a propósito o exemplo de Portugal.
"Um reequilíbrio significativo está a ter lugar na economia europeia, com uma mudança para um crescimento mais assente nas exportações, como vemos por exemplo na Irlanda, Espanha e Portugal", afirmou.
Remessas de emigrantes subiram 10,8%
in Jornal de Notícias
As remessas de trabalhadores portugueses no estrangeiro subiram 10,8% em setembro, acelerando para os 212 milhões de euros, ao passo que o envio de dinheiro por estrangeiros em Portugal subiu 5,4%, para 46,3 milhões de euros.
De acordo com o boletim estatístico do Banco de Portugal, divulgado esta quinta-feira, os emigrantes nacionais tinham enviado para Portugal, de janeiro a setembro, 2,19 mil milhões de euros, ao passo que os imigrantes em território nacional tinham enviado para os seus países de origem um total de 410 milhões de euros.
Em setembro, a França liderou a lista dos países emissores de divisa por parte dos trabalhadores, com 57,6 milhões de euros, o que representa uma subida de 4,2% face a setembro do ano passado, superando a Suíça, país de onde os emigrantes portugueses enviaram 50,3 milhões, subindo 11,8% face ao mês homólogo de 2012.
Olhando em sentido inverso, constata-se que os imigrantes brasileiros são, de longe, os que mais dinheiro enviam para o seu país: os dados mostram que os brasileiros enviaram 23,4 milhões de euros em setembro, representando uma subida de 29,8% face a setembro do ano passado.
Nos primeiros nove meses deste ano, aliás, o montante de dinheiro enviado para o Brasil (176 milhões) pelos seus trabalhadores supera a soma dos envios de todos os outros imigrantes em território nacional.
As remessas de trabalhadores portugueses no estrangeiro subiram 10,8% em setembro, acelerando para os 212 milhões de euros, ao passo que o envio de dinheiro por estrangeiros em Portugal subiu 5,4%, para 46,3 milhões de euros.
De acordo com o boletim estatístico do Banco de Portugal, divulgado esta quinta-feira, os emigrantes nacionais tinham enviado para Portugal, de janeiro a setembro, 2,19 mil milhões de euros, ao passo que os imigrantes em território nacional tinham enviado para os seus países de origem um total de 410 milhões de euros.
Em setembro, a França liderou a lista dos países emissores de divisa por parte dos trabalhadores, com 57,6 milhões de euros, o que representa uma subida de 4,2% face a setembro do ano passado, superando a Suíça, país de onde os emigrantes portugueses enviaram 50,3 milhões, subindo 11,8% face ao mês homólogo de 2012.
Olhando em sentido inverso, constata-se que os imigrantes brasileiros são, de longe, os que mais dinheiro enviam para o seu país: os dados mostram que os brasileiros enviaram 23,4 milhões de euros em setembro, representando uma subida de 29,8% face a setembro do ano passado.
Nos primeiros nove meses deste ano, aliás, o montante de dinheiro enviado para o Brasil (176 milhões) pelos seus trabalhadores supera a soma dos envios de todos os outros imigrantes em território nacional.
Famílias com uma só pessoa quase duplicaram em 50 anos
in Jornal de Notícias
As famílias com uma só pessoa quase duplicaram em 50 anos, representando 8% da população de Portugal, revelam dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, que assinalam também uma redução significativa da dimensão dos agregados familiares.
O número de famílias unipessoais passou de 11,5%, em 1960, para 20,4%, em 2011, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), que assinala o grande crescimento desta realidade a partir de 1991, no destaque "Como evoluíram as famílias em Portugal?", divulgado esta quarta-feira.
Em 1991, 435864 pessoas viviam sozinhas e, em 2011, eram já 866827, número que representa 8% da população portuguesa.
O aumento das famílias unipessoais registou-se na generalidade do território português, assinala o INE, adiantando que, em 2001, a maior preponderância destas famílias se fazia sentir no sul do país, na Grande Lisboa e no Interior Centro. Em 2011 aumentou o número de regiões que registam uma proporção de famílias de uma só pessoa acima dos 20%.
Estas famílias são sobretudo constituídas por mulheres (5,2% contra 3% de homens) e quase metade das pessoas nestes agregados têm 65 ou mais anos (46,9%).
Inferior é a percentagem de pessoas até 49 anos que viviam sozinhas, situando-se nos 7,4% na faixa entre os 15-29 anos e de 24%, entre os 30 e os 49 anos.
As famílias unipessoais acima dos 65 anos encontram-se sobretudo em municípios do interior Norte e Centro, como reflexo do envelhecimento da população que vive nestas regiões.
Apesar do aumento das famílias unipessoais, Portugal mantém-se ainda abaixo da média europeia quanto ao peso destas famílias na população total (14,5% na UE27).
O envelhecimento da população e as mudanças de vida na população mais jovem, sobretudo solteiros e divorciados, explicam, segundo o INE, este aumento.
Os dados do INE revelam ainda uma "redução significativa" da dimensão das famílias portuguesas, que passaram de 3,8 pessoas em 1960 para 2,6 em 2011.
O INE assinala também um decréscimo das famílias numerosas (pelo menos 3 filhos), que eram, em 2011, 4,8% do total de famílias e 7,4% das famílias com filhos.
Regista-se ainda uma diminuição "expressiva" da percentagem de famílias com mais de cinco pessoas que, em 2011, representavam apenas 2% das famílias, em comparação com os 17,1%, em 1960.
O casal continua a ser a forma de organização familiar predominante, com 59% das famílias a serem constituídas por um casal, em 2011.
Os casais com filhos continuam a ser predominantes, mas caíram de 47,5%, em 1960, para 35,2%, em 2011.
O número de casais sem filhos aumentou, passando de 14,8 para 23,8 das famílias em meio século.
As famílias complexas - aquelas em que, ao casal, com ou sem filhos, se juntam outras pessoas aparentadas - caiu quase para metade, passando de 15,4, em 1960, para 8,7, em 2011.
O INE destaca ainda a diminuição do número de idosos a viverem em famílias complexas, que baixou de 19,6% para 15,8%, entre 2001 e 2011.
As famílias com uma só pessoa quase duplicaram em 50 anos, representando 8% da população de Portugal, revelam dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, que assinalam também uma redução significativa da dimensão dos agregados familiares.
O número de famílias unipessoais passou de 11,5%, em 1960, para 20,4%, em 2011, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), que assinala o grande crescimento desta realidade a partir de 1991, no destaque "Como evoluíram as famílias em Portugal?", divulgado esta quarta-feira.
Em 1991, 435864 pessoas viviam sozinhas e, em 2011, eram já 866827, número que representa 8% da população portuguesa.
O aumento das famílias unipessoais registou-se na generalidade do território português, assinala o INE, adiantando que, em 2001, a maior preponderância destas famílias se fazia sentir no sul do país, na Grande Lisboa e no Interior Centro. Em 2011 aumentou o número de regiões que registam uma proporção de famílias de uma só pessoa acima dos 20%.
Estas famílias são sobretudo constituídas por mulheres (5,2% contra 3% de homens) e quase metade das pessoas nestes agregados têm 65 ou mais anos (46,9%).
Inferior é a percentagem de pessoas até 49 anos que viviam sozinhas, situando-se nos 7,4% na faixa entre os 15-29 anos e de 24%, entre os 30 e os 49 anos.
As famílias unipessoais acima dos 65 anos encontram-se sobretudo em municípios do interior Norte e Centro, como reflexo do envelhecimento da população que vive nestas regiões.
Apesar do aumento das famílias unipessoais, Portugal mantém-se ainda abaixo da média europeia quanto ao peso destas famílias na população total (14,5% na UE27).
O envelhecimento da população e as mudanças de vida na população mais jovem, sobretudo solteiros e divorciados, explicam, segundo o INE, este aumento.
Os dados do INE revelam ainda uma "redução significativa" da dimensão das famílias portuguesas, que passaram de 3,8 pessoas em 1960 para 2,6 em 2011.
O INE assinala também um decréscimo das famílias numerosas (pelo menos 3 filhos), que eram, em 2011, 4,8% do total de famílias e 7,4% das famílias com filhos.
Regista-se ainda uma diminuição "expressiva" da percentagem de famílias com mais de cinco pessoas que, em 2011, representavam apenas 2% das famílias, em comparação com os 17,1%, em 1960.
O casal continua a ser a forma de organização familiar predominante, com 59% das famílias a serem constituídas por um casal, em 2011.
Os casais com filhos continuam a ser predominantes, mas caíram de 47,5%, em 1960, para 35,2%, em 2011.
O número de casais sem filhos aumentou, passando de 14,8 para 23,8 das famílias em meio século.
As famílias complexas - aquelas em que, ao casal, com ou sem filhos, se juntam outras pessoas aparentadas - caiu quase para metade, passando de 15,4, em 1960, para 8,7, em 2011.
O INE destaca ainda a diminuição do número de idosos a viverem em famílias complexas, que baixou de 19,6% para 15,8%, entre 2001 e 2011.
Só a Grécia gasta menos que Portugal nos cuidados continuados de saúde
Romana Borja-Santos, in Público on-line
Relatório da OCDE analisa 26 países. Apesar de o país estar na cauda da lista é dos que mais tem conseguido crescer.
Portugal é, depois da Grécia, o segundo país que menos dinheiro público gasta nos cuidados continuados de saúde, de acordo com os dados da OCDE que comparou este indicador em 26 países.
Os números fazem parte do relatório Health at a Glance 2013, cujos dados preliminares tinham sido avançados em Junho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), tendo o relatório final sido agora publicado.
No campo em concreto dos cuidados de longo termo, em 2011, Portugal gastou 0,2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) nesta área em termos de despesa pública, surgindo quase empatado com a Estónia e Hungria, que só por centésimas estão melhor. Pior apenas está a Grécia. Logo após a Hungria vem a República Checa, Polónia, Israel, Coreia do Sul, Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Eslovénia, Luxemburgo, Áustria, Canadá, Nova Zelândia, Suíça, Islândia, Japão, França, Bélgica, Finlândia e Dinamarca.
Os três países no topo da tabela são a Holanda, que ocupa o primeiro lugar com 3,7% do PIB, mas que agrega além da despesa pública em saúde a despesa com o lado social, que é apresentada de forma separada, e de que há dados para apenas nove dos 26 países (Portugal é um dos que fica de fora). Segue-se a Suécia com 3,6% e a Noruega com 2,4%. No caso da Suécia a despesa social tem um peso de mais de dois terços.
Necessidades vão continuar a crescer
No documento, a OCDE explica que a despesa com os cuidados continuados disparou nos últimos anos na maior parte dos países e é expectável que continue a crescer com o envelhecimento da população. A organização destaca as assimetrias no investimento entre países, dizendo que apesar de as diferenças entre Holanda ou Suécia e Portugal ou Grécia reflectirem distintas estruturas na população, demonstram sobretudo diferentes níveis de desenvolvimento entre “sistemas de cuidados continuados formais, por oposição a formais mais informais baseadas sobretudo em tratamentos providenciados por familiares não remunerados”.
A OCDE analisa, ainda, a taxa de crescimento anual da despesa pública nos cuidados continuados entre 2005 e 2011 e aqui percebe-se que, apesar de Portugal estar na cauda da lista em termos do PIB, foi dos que mais cresceu, conseguindo 14,4%, logo após a Coreia do Sul que obteve 43,9%.
Neste campo a OCDE apresenta também dados sobre os profissionais que trabalham na área dos cuidados continuados e o número de camas afectas a esta área nas instituições e hospitais, mas Portugal não é incluído nessa lista.
O PÚBLICO tentou ouvir a coordenadora da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, Inês Guerreiro, até ao momento sem sucesso.
Mais camas até ao fim do ano
Os dados dizem ainda respeito a 2011 mas, ao longo de 2013, o Ministério da Saúde tem vindo a aumentar a oferta da área dos cuidados continuados – com alguns atrasos que têm merecido críticas por parte da oposição, que também acusa a tutela de estar a reduzir o número de camas em relação ao inicialmente prometido.
Até ao final deste ano a tutela prometeu abrir cerca de 30 unidades de cuidados continuados, com um total de cerca de 800 camas. São menos lugares de internamento do que aquilo que chegou a ser anunciado no início do ano (1169 camas), mas vão permitir aumentar de forma significativa a resposta nesta área tão carenciada. As unidades que vão começar a funcionar foram construídas por Misericórdias e outras instituições de solidariedade social. Algumas estavam prontas desde o ano passado e só permaneceram encerradas por falta de verbas.
Só neste ano, o custo de funcionamento destas novas estruturas totalizará cerca de sete milhões de euros, verba que deverá duplicar no próximo ano. De acordo com um despacho publicado em Julho, a maior parte dos lugares de internamento pertence a equipamentos destinados a longa duração, e Lisboa e Vale do Tejo é a região com mais novos lugares (280). Desta forma o número total no país aproxima-se das 6500 camas.
No início de Novembro a tutela também publicou em Diário da República que cerca de metade do valor das receitas dos jogos sociais atribuído ao Ministério da Saúde irá financiar, em 2014, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.
Despesa transferida para as famílias
Em geral, o relatório Health at a Glance 2013 olha para vários indicadores e tira uma fotografia global aos impactos da crise na saúde, referindo que em Portugal, apesar dos cortes, a situação não está a ter um impacto muito forte, apenas com ligeiros aumentos dos tempos de espera nas cirurgias. Contudo, no campo da despesa, a redução das verbas públicas está a transferir muitos dos custos para o bolso das famílias.
Em 34 países, Portugal está entre os cinco que mais cortaram na despesa pública em saúde per capita entre 2009 e 2011 e as famílias portuguesas tornaram-se nas quartas a gastar mais dos seus rendimentos. Em 2011 as famílias portuguesas gastavam 4,3% do seu bolso em saúde quando a média da OCDE era 2,9%.
Do lado positivo há a queda no consumo do tabaco e do álcool, assim como a redução de acidentes rodoviários – indicadores também atribuídos ao menor poder de compra. No campo da mortalidade, as doenças cerebrovasculares continuam a matar mais que noutros países, mas com uma tendência progressiva de melhoria.
Relatório da OCDE analisa 26 países. Apesar de o país estar na cauda da lista é dos que mais tem conseguido crescer.
Portugal é, depois da Grécia, o segundo país que menos dinheiro público gasta nos cuidados continuados de saúde, de acordo com os dados da OCDE que comparou este indicador em 26 países.
Os números fazem parte do relatório Health at a Glance 2013, cujos dados preliminares tinham sido avançados em Junho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), tendo o relatório final sido agora publicado.
No campo em concreto dos cuidados de longo termo, em 2011, Portugal gastou 0,2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) nesta área em termos de despesa pública, surgindo quase empatado com a Estónia e Hungria, que só por centésimas estão melhor. Pior apenas está a Grécia. Logo após a Hungria vem a República Checa, Polónia, Israel, Coreia do Sul, Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Eslovénia, Luxemburgo, Áustria, Canadá, Nova Zelândia, Suíça, Islândia, Japão, França, Bélgica, Finlândia e Dinamarca.
Os três países no topo da tabela são a Holanda, que ocupa o primeiro lugar com 3,7% do PIB, mas que agrega além da despesa pública em saúde a despesa com o lado social, que é apresentada de forma separada, e de que há dados para apenas nove dos 26 países (Portugal é um dos que fica de fora). Segue-se a Suécia com 3,6% e a Noruega com 2,4%. No caso da Suécia a despesa social tem um peso de mais de dois terços.
Necessidades vão continuar a crescer
No documento, a OCDE explica que a despesa com os cuidados continuados disparou nos últimos anos na maior parte dos países e é expectável que continue a crescer com o envelhecimento da população. A organização destaca as assimetrias no investimento entre países, dizendo que apesar de as diferenças entre Holanda ou Suécia e Portugal ou Grécia reflectirem distintas estruturas na população, demonstram sobretudo diferentes níveis de desenvolvimento entre “sistemas de cuidados continuados formais, por oposição a formais mais informais baseadas sobretudo em tratamentos providenciados por familiares não remunerados”.
A OCDE analisa, ainda, a taxa de crescimento anual da despesa pública nos cuidados continuados entre 2005 e 2011 e aqui percebe-se que, apesar de Portugal estar na cauda da lista em termos do PIB, foi dos que mais cresceu, conseguindo 14,4%, logo após a Coreia do Sul que obteve 43,9%.
Neste campo a OCDE apresenta também dados sobre os profissionais que trabalham na área dos cuidados continuados e o número de camas afectas a esta área nas instituições e hospitais, mas Portugal não é incluído nessa lista.
O PÚBLICO tentou ouvir a coordenadora da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, Inês Guerreiro, até ao momento sem sucesso.
Mais camas até ao fim do ano
Os dados dizem ainda respeito a 2011 mas, ao longo de 2013, o Ministério da Saúde tem vindo a aumentar a oferta da área dos cuidados continuados – com alguns atrasos que têm merecido críticas por parte da oposição, que também acusa a tutela de estar a reduzir o número de camas em relação ao inicialmente prometido.
Até ao final deste ano a tutela prometeu abrir cerca de 30 unidades de cuidados continuados, com um total de cerca de 800 camas. São menos lugares de internamento do que aquilo que chegou a ser anunciado no início do ano (1169 camas), mas vão permitir aumentar de forma significativa a resposta nesta área tão carenciada. As unidades que vão começar a funcionar foram construídas por Misericórdias e outras instituições de solidariedade social. Algumas estavam prontas desde o ano passado e só permaneceram encerradas por falta de verbas.
Só neste ano, o custo de funcionamento destas novas estruturas totalizará cerca de sete milhões de euros, verba que deverá duplicar no próximo ano. De acordo com um despacho publicado em Julho, a maior parte dos lugares de internamento pertence a equipamentos destinados a longa duração, e Lisboa e Vale do Tejo é a região com mais novos lugares (280). Desta forma o número total no país aproxima-se das 6500 camas.
No início de Novembro a tutela também publicou em Diário da República que cerca de metade do valor das receitas dos jogos sociais atribuído ao Ministério da Saúde irá financiar, em 2014, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.
Despesa transferida para as famílias
Em geral, o relatório Health at a Glance 2013 olha para vários indicadores e tira uma fotografia global aos impactos da crise na saúde, referindo que em Portugal, apesar dos cortes, a situação não está a ter um impacto muito forte, apenas com ligeiros aumentos dos tempos de espera nas cirurgias. Contudo, no campo da despesa, a redução das verbas públicas está a transferir muitos dos custos para o bolso das famílias.
Em 34 países, Portugal está entre os cinco que mais cortaram na despesa pública em saúde per capita entre 2009 e 2011 e as famílias portuguesas tornaram-se nas quartas a gastar mais dos seus rendimentos. Em 2011 as famílias portuguesas gastavam 4,3% do seu bolso em saúde quando a média da OCDE era 2,9%.
Do lado positivo há a queda no consumo do tabaco e do álcool, assim como a redução de acidentes rodoviários – indicadores também atribuídos ao menor poder de compra. No campo da mortalidade, as doenças cerebrovasculares continuam a matar mais que noutros países, mas com uma tendência progressiva de melhoria.
Portugal gastou menos 2,2% em saúde nos primeiros anos da crise
in Jornal de Notícias
Portugal gastou menos 2,2% na saúde entre 2009 e 2011, revertendo a tendência de aumento médio entre 2000 e 2009 de 1,8%, revela o relatório 'Health at a Glance 2013', da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Segundo a OCDE, os primeiros anos de crise económica internacional inverteram a tendência de aumento constante dos gastos com a saúde, com 11 dos 33 países da organização a chegarem a gastar menos neste setor.
"A despesa total em saúde caiu em um em cada três países da OCDE entre 2009 e 2011, com os mais atingidos pela crise a serem os mais afetados", lê-se no relatório agora divulgado.
Para a organização com sede em Paris, e que reúne a maioria dos países mais avançados do mundo, os dados comprovam a importância de "os países tornarem os seus sistemas de saúde mais produtivos, eficientes e financeiramente comportáveis".
A Grécia, o país mais afetado pela crise económica, viu os seus gastos com a saúde diminuírem 11,1% entre 2009 e 2011, e a Irlanda gastou menos 6,6% nesse período.
Entre as áreas mais afetadas por esta mudança na tendência de aumento dos gastos em saúde estão o preço dos bens médicos, especialmente medicamentos, restrições orçamentais e cortes nos gastos dos hospitais, diz o relatório, que sublinha ainda que mais de três quartos dos países da OCDE cortaram em programas de prevenção em 2011 face a 2010, e metade gastou menos do que em 2008.
"Os cortes em programas rentáveis [comparando o custo com o benefício] de combate à obesidade, uso abusivo do álcool e tabaco são uma fonte de preocupação", diz o relatório, lembrando que quaisquer benefícios de curto prazo nestes cortes são provavelmente anulados pelos gastos mais avultados a longo prazo não só na própria despesa do Estado, mas também na saúde dos cidadãos.
As reduções na oferta de cuidados de saúde e as alterações ao financiamento - chamando os cidadãos a pagarem mais - estão a afetar o acesso à saúde, nota a OCDE, exemplificando com os tempos de espera para algumas cirurgias em Portugal, Espanha, Inglaterra e Irlanda, que "depois de anos de melhoramento, estão agora a aumentar".
Portugal gastou menos 2,2% na saúde entre 2009 e 2011, revertendo a tendência de aumento médio entre 2000 e 2009 de 1,8%, revela o relatório 'Health at a Glance 2013', da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Segundo a OCDE, os primeiros anos de crise económica internacional inverteram a tendência de aumento constante dos gastos com a saúde, com 11 dos 33 países da organização a chegarem a gastar menos neste setor.
"A despesa total em saúde caiu em um em cada três países da OCDE entre 2009 e 2011, com os mais atingidos pela crise a serem os mais afetados", lê-se no relatório agora divulgado.
Para a organização com sede em Paris, e que reúne a maioria dos países mais avançados do mundo, os dados comprovam a importância de "os países tornarem os seus sistemas de saúde mais produtivos, eficientes e financeiramente comportáveis".
A Grécia, o país mais afetado pela crise económica, viu os seus gastos com a saúde diminuírem 11,1% entre 2009 e 2011, e a Irlanda gastou menos 6,6% nesse período.
Entre as áreas mais afetadas por esta mudança na tendência de aumento dos gastos em saúde estão o preço dos bens médicos, especialmente medicamentos, restrições orçamentais e cortes nos gastos dos hospitais, diz o relatório, que sublinha ainda que mais de três quartos dos países da OCDE cortaram em programas de prevenção em 2011 face a 2010, e metade gastou menos do que em 2008.
"Os cortes em programas rentáveis [comparando o custo com o benefício] de combate à obesidade, uso abusivo do álcool e tabaco são uma fonte de preocupação", diz o relatório, lembrando que quaisquer benefícios de curto prazo nestes cortes são provavelmente anulados pelos gastos mais avultados a longo prazo não só na própria despesa do Estado, mas também na saúde dos cidadãos.
As reduções na oferta de cuidados de saúde e as alterações ao financiamento - chamando os cidadãos a pagarem mais - estão a afetar o acesso à saúde, nota a OCDE, exemplificando com os tempos de espera para algumas cirurgias em Portugal, Espanha, Inglaterra e Irlanda, que "depois de anos de melhoramento, estão agora a aumentar".
Mais de metade dos casais têm apenas um filho
in Jornal de Notícias
Mais de metade dos casais portugueses têm apenas um filho, tendência que se acentuou nas últimas décadas, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, que registam também um aumento dos casais sem filhos e das famílias monoparentais.
Dos 2745928 casais existentes em Portugal em 2011, 55% tinham apenas um filho. Em 1991 essa percentagem era de 44% e, em 2001, de 51%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira e que analisam a evolução da realidade familiar portuguesa nos últimos 50 anos.
O INE regista também um aumento dos casais sem filhos, que representam já 41% do total de casais portugueses. Em 1991, eram 32% e, em 2001, 35%.
O maior aumento destes casais registou-se nos grupos etários até aos 39 anos, o que, segundo o INE, indicia o adiamento da parentalidade.
O número de casais com três ou mais filhos sofreu uma quebra (17% em 1991, 11% em 2001 e 8% em 2011), tendo-se mantido relativamente estável o número de casais com dois filhos (39% em 1991 e 2001 e 38% em 2011).
A tendência para a diminuição do número de filhos verifica-se também nas famílias recompostas (separados ou divorciados que voltam a formar família), apesar de nestes casais a percentagem de filhos continuar a ser mais do dobro da do total de casais com filhos.
O número de casais recompostos mais do que duplicou desde 2001, passando de 46786 para 105763 em 2011, o que fez aumentar o seu peso no total dos casais com filhos.
Também as uniões de facto com e sem filhos aumentaram, com variações de 120% e 80%, respetivamente, face a 2001.
O crescimento das uniões de facto é ainda mais expressivo nos casais recompostos, com seis em cada 10 destes casais a viverem este tipo de união.
O número de uniões de facto é maior na região da grande Lisboa, Península de Setúbal, Alentejo Litoral e Algarve (acima de 20%), zonas onde um em cada cinco casais vivem em união de facto.
As famílias monoparentais continuam também a crescer, sobretudo as só de mães com filhos menores de 18 anos, que na década de 2001-2011 cresceram 47,7%.
Em 2011, existiam em Portugal 480443 famílias monoparentais, que representavam 14,9% do total de famílias e 22,9% das famílias com filhos.
Estes valores representam um crescimento de 35% deste tipo de família em relação a 2001.
Destas 480443 famílias, 416343 eram constituídas só por uma mãe e 64100 só por um pai.
A grande diferença entre o número de agregados de pai e mãe sós indica, segundo o INE, "a persistência da 'guarda materna' após o divórcio ou separação".
Em 2011, 15% das famílias monoparentais com filhos menores de 18 anos eram afetadas pelo desemprego, sendo mais elevado no caso das mães.
Os dados apontam ainda que cerca de um terço das famílias monoparentais com filhos menores vivem em famílias complexas - em que ao pai/mãe se juntam outras pessoas aparentadas 32,4% em 2011).
Mais de metade dos casais portugueses têm apenas um filho, tendência que se acentuou nas últimas décadas, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, que registam também um aumento dos casais sem filhos e das famílias monoparentais.
Dos 2745928 casais existentes em Portugal em 2011, 55% tinham apenas um filho. Em 1991 essa percentagem era de 44% e, em 2001, de 51%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira e que analisam a evolução da realidade familiar portuguesa nos últimos 50 anos.
O INE regista também um aumento dos casais sem filhos, que representam já 41% do total de casais portugueses. Em 1991, eram 32% e, em 2001, 35%.
O maior aumento destes casais registou-se nos grupos etários até aos 39 anos, o que, segundo o INE, indicia o adiamento da parentalidade.
O número de casais com três ou mais filhos sofreu uma quebra (17% em 1991, 11% em 2001 e 8% em 2011), tendo-se mantido relativamente estável o número de casais com dois filhos (39% em 1991 e 2001 e 38% em 2011).
A tendência para a diminuição do número de filhos verifica-se também nas famílias recompostas (separados ou divorciados que voltam a formar família), apesar de nestes casais a percentagem de filhos continuar a ser mais do dobro da do total de casais com filhos.
O número de casais recompostos mais do que duplicou desde 2001, passando de 46786 para 105763 em 2011, o que fez aumentar o seu peso no total dos casais com filhos.
Também as uniões de facto com e sem filhos aumentaram, com variações de 120% e 80%, respetivamente, face a 2001.
O crescimento das uniões de facto é ainda mais expressivo nos casais recompostos, com seis em cada 10 destes casais a viverem este tipo de união.
O número de uniões de facto é maior na região da grande Lisboa, Península de Setúbal, Alentejo Litoral e Algarve (acima de 20%), zonas onde um em cada cinco casais vivem em união de facto.
As famílias monoparentais continuam também a crescer, sobretudo as só de mães com filhos menores de 18 anos, que na década de 2001-2011 cresceram 47,7%.
Em 2011, existiam em Portugal 480443 famílias monoparentais, que representavam 14,9% do total de famílias e 22,9% das famílias com filhos.
Estes valores representam um crescimento de 35% deste tipo de família em relação a 2001.
Destas 480443 famílias, 416343 eram constituídas só por uma mãe e 64100 só por um pai.
A grande diferença entre o número de agregados de pai e mãe sós indica, segundo o INE, "a persistência da 'guarda materna' após o divórcio ou separação".
Em 2011, 15% das famílias monoparentais com filhos menores de 18 anos eram afetadas pelo desemprego, sendo mais elevado no caso das mães.
Os dados apontam ainda que cerca de um terço das famílias monoparentais com filhos menores vivem em famílias complexas - em que ao pai/mãe se juntam outras pessoas aparentadas 32,4% em 2011).
Em nome do interesse da criança
Ana Cristina Pereira, in Público on-line
O que orienta a intervenção do Estado é o interesse das crianças, um conceito indeterminado, que só se vai percebendo na situação concreta de cada uma. Essa interpretação pode ser controversa, como aconteceu recentemente no caso de Liliana Melo, a quem o Tribunal de Sintra mandou retirar sete dos dez filhos
Aassistente social Carla Carvalho entra no gabinete da presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ).
- Tenho uma situação de emergência. É uma miúda.
- Que idade tem?
- Catorze. Desapareceu na sexta-feira. Anda a PSP atrás dela. Está em casa do namorado. A mãe dele acabou de ligar.
Joana Trigó, a presidente da CPCJ-Porto Oriental, chama as outras técnicas. Por lei, está em perigo qualquer criança abandonada ou entregue a si própria; vítima de maus-tratos psíquicos, físicos ou sexuais; que não receba cuidados ou afecto; que faça trabalhos excessivos ou esteja sujeita a outros comportamentos que afectem a sua saúde, segurança, formação, educação ou o seu desenvolvimento.
Conhecem bem a história de Cátia. Cresceu com a mãe e com a avó sem saber a quem chamar pai. A mãe dizia-lhe que ele trabalhava num restaurante ali perto, mas havia quem lhe garantisse que não, que não era esse, que era Miguel, um amigo da família. Tudo se confirmou em Setembro, depois de uma briga feia.
"Tínhamos ido a um café", haverá de recordar, daqui a bocado, quando aqui estiver. "Ela não foi. Quando ela está alcoolizada, ela sabe o que faz. Depende do ponto em que está. Naquele ponto, sentiu-se envergonhada. Foi para casa. Mas bebeu. Bebeu, até não saber o que estava a fazer. Ela estava a ouvir música no rádio que a gente tem em casa. A minha avó disse: "Ó Cátia, baixa-me um bocadinho o rádio." Eu disse: "Até te apago." E apaguei. Só que ela acordou. Eu tinha feito um bolo. O bolo estava em cima da mesa. Eu estava sentada a arranjar as unhas. Ela estava a mandar vir comigo. Eu estava a mandar vir com ela. Eu levantei-me. Ela pegou para me tirar a navalha e cortou-me. A minha avó meteu-se no meio. Ela deu-lhe uma cabeçada e puxou-lhe a mão. Partiu-lhe um dedo ou torceu-lhe, não sei. Nós saímos de casa. Pedimos ajuda à vizinha do canto. Ela ligou para o meu tio. O meu tio chamou o INEM e a polícia. Nós fizemos queixa."
Ao ouvi-la queixar-se de agressões frequentes, a PSP alertou a CPCJ. E Carla Carvalho tratou de perceber o que se passava naquela família. Cabia-lhe zelar pelo superior interesse daquela criança.
O interesse da criança, princípio orientador da intervenção do Estado na família, é "interpretativo", explica-nos Julieta Monginho, procuradora no Tribunal de Família e Menores de Lisboa. Encontra-se ao analisar a situação concreta de cada criança. O seu carácter aberto, elástico, presta-se à subjectividade. Não é, todavia, salienta a especialista em Direito da Família Maria Clara Sottomayor, um conceito "vazio, a que cada um atribui o significado que bem entende".
"Privilegiamos as questões da segurança e da vida e, em paralelo, as questões afectivas", explica Joana Trigó. "Isto não é linear. É mais evidente quando temos uma criança a dizer que não quer estar com a mãe ou com o pai, embora possa haver afecto. É mais difícil com as mais pequeninas, que ainda não falam, têm uma ligação maior à mãe, mesmo que ela seja maltratante."
A lei obriga a ouvir maiores de 12 anos. Nada impede de ouvir menores de 12. Não para lhes conferir a responsabilidade de decidir, o que até podiam encarar como um fardo. Para recolher a perspectiva delas, para que sintam que têm alguma coisa a dizer sobre a sua própria vida.
A experiência da assistente social Joana Trigó ensinou-lhe que há muitas maneiras de perguntar sem perguntar. Pode sentar a criança no colo: "Que fizeste hoje?" "Hoje, saí da escola e fui comprar um garrafão de vinho à minha mãe. Ela já nem consegue ir buscar o garrafão."
Há uma gradação de medidas na lei de promoção e protecção: apoio junto dos pais; apoio junto de outro familiar; confiança a pessoa idónea; apoio para autonomia de vida; acolhimento familiar; acolhimento em instituição. Em nome do interesse da criança, a ordem é para manter a sua vida familiar e social tanto quanto possível, não a desenraizar do ambiente em que tem vivido.
Cátia já diz o que quer. O pai de Cátia apareceu. Ela alegrou-se. Iria aquele homem, que ela conhecia bem, que era quase um tio, protegê-la? Queria viver com ele. Ele registou-a, mas não a acolheu no seu apartamento minúsculo. Ganha a vida como vendedor. Passa grande parte da semana fora.
O pai ficou com responsabilidade parental. Ela já não teria de passar as noites com a mãe, tomada pelo vinho. Moraria em casa dos tios maternos, também padrinhos, de quem o pai é próximo. Ficaria no antigo quarto da prima. Podia almoçar com a mãe, que até prometeu procurar tratamento.
Não havendo pais capazes, a CPCJ procura uma avó, uma tia, uma madrinha ou até uma vizinha por quem a criança tenha afecto e que a possa cuidar. A criança, escreveu na revista Infância e Juventude Armando Leandro, presidente de Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJ), tem "direito ao respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das relações afectivas significativas".
Medidas temporárias podem eternizar-se. Catarina Ribeiro, psicóloga forense, docente da Universidade Católica Portuguesa, dá o exemplo de uma miúda retirada à mãe com um ano de vida e entregue aos padrinhos com quem permanece, quase a fazer sete. "Agora, a mãe diz que tem condições, que é mãe, que tem direito. Qual é o superior interesse da criança? A perspectiva de sair é demolidora. Foi mantendo contacto com a mãe, mas tem com ela uma relação distanciada."
Estouram casos, gerando debates mais ou menos apaixonados, como o da menina russa durante quatro anos entregue a um casal de Barcelos. "Quando está em causa um conflito entre pais biológicos e os adultos que desempenham uma função de substituição parental, os tribunais têm partido da convicção, muito difundida na nossa cultura, de que as crianças estão melhor com a família biológica ou que esse é o seu lugar certo ou natural", entende Maria Clara Sottomayor.
Está nos livros. Ao longo de séculos, as crianças foram encaradas como mera propriedade dos pais. Até ao século XVII, o seu poder era absoluto. A partir daí, tímidos sinais de mudança. Só no século XIX, com os avanços da ciência, as crianças emergiram como categoria social vulnerável.
Ao fundar a Save the Children Fund International Union, a inglesa Eglantine Jebb lançou o movimento que em 1923 haveria de dar origem à primeira declaração dos direitos da criança, a Declaração de Genebra, com cinco princípios assentes na premissa: "A criança em primeiro lugar."
Portugal ia no grupo da frente. Em 1911, aprovara a Lei de Protecção da Infância, rampa para a Tutoria de Infância, que haveria de evoluir para Tribunal de Família e Menores. O princípio então subjacente já era "o interesse do menor". Evoluiu para o superior interesse da criança. Havendo conflito, explica-nos Julieta Monginho, os direitos da criança prevalecem sobre os do adulto.
Na sala, as técnicas da CPCJ debatem o que fazer. A presidente está sentada, as quatro técnicas de pé. Cinco cabeças pensam melhor do que uma. Ninguém, ali, toma qualquer decisão solitária. Partilham as dúvidas para diminuírem a probabilidade de cometerem algum erro.
- Ela em casa da mãe não pode ficar. A madrinha chora. Está mal porque a miúda desaparece, não vai às aulas.
- Porquê?
- Ela diz que não se sente bem em lado algum.
- Diz para ela vir cá e propõe-lhe acolhimento.
- Foi nisso que pensei. Já telefonei ao pai dela e ele diz que tem de ser, que tentou evitar e não conseguiu. Ela não pode ficar entregue a si própria. A última vez que falei com ela foi a 15 de Janeiro, na escola. Estava o pai, a mãe, a psicóloga. Eu disse-lhe: "Estás a deixar-me sem alternativa."
Neste ano lectivo, Cátia mal pôs os pés dentro das salas de aula. Acumulou 152 faltas. Justificaram-lhas, criaram-lhe uma oportunidade de recomeçar, mas ela ignorou o esforço, já somou outras 69. Ainda hoje, segunda-feira, Carla Carvalho tinha estado a olhar para a extensa lista de faltas.
- Deixa-me ver se ela me atende.
- Se for preciso ir buscá-la, nós vamos.
Têm de ir. E nesse ir Carla Carvalho ainda abana a cabeça. Não percebe como é que só no ano passado, depois do episódio da navalha, aquela miúda foi sinalizada, como é que ninguém antes, na escola, no centro de saúde, na família, na vizinhança percebeu que aquela criança estava em risco. Que pode fazer ainda para ajudar alguém com a cabeça num desacerto tão grande? Tantos anos a ser posta em risco pela mãe. Agora, era ela própria a assumir comportamentos de risco.
Às vezes, deixa-se andar. Até para evitar chatices. Esta semana, uma professora foi ameaçada por uma família por ter comunicado à CPCJ de Viana do Castelo que o filho aparecera na escola com marcas físicas de aparente violência. O seu nome não fora acautelado. O director do agrupamento de Escolas de Darque, Luís Braga, estava indignado. Noutras vezes, investe-se anos nos adultos.
Assim, de repente, Catarina Ribeiro lembra-se de quatro crianças - de dez, oito, seis e três anos. "Nasceu a primeira, foi institucionalizada. Nasceu a segunda, foi institucionalizada. Nasceu a terceira, foi institucionalizada. Pai alcoólico, mãe passiva, frequentaram programas de educação parental, de promoção de saúde, de tudo. Não é fazer laqueação de trompas, mas chega a um ponto em que é preciso dizer às famílias: "Não investimos mais."" Esgotado o tempo dos adultos, pode ser demasiado tarde para as crianças verem respeitado o seu direito a ter uma família.
Se ficarem agora disponíveis para adopção, outra questão relacionada com o interesse das crianças se levantará: a separação de irmãos. Sabe que a regra é não separar, mas, por vezes, parece-lhe aleatório. "Como é que se explica que no mesmo agregado haja umas crianças institucionalizadas e outras em casa? Ainda há pouco tive um caso em que estavam dois irmãos com seis e oito anos institucionalizados e um com um ano e outro com três em casa. Isto acontece."
A situação das crianças acolhidas, enfatiza a psicóloga, não é comparável à das que têm pais emigrados. Esses, embora sintam saudades, encontram um motivo para a ausência. "Dizer a um miúdo de seis ou sete anos que se vai tirá-lo de casa porque os seus pais não têm condições é dar-lhe esperança de que se vão reorganizar. Ele deseja que isso aconteça, cria fantasias. E há pais que não fazem esforço algum, mas fazem questão de manter a esperança dos filhos."
Inês esperou seis anos pela mãe, profissional do sexo, consumo abusivo de álcool, companheiro agressor, e pelo pai, toxicodependente, que também trabalha "na noite". Sentiu-se mais em perigo no lar do que com a mãe negligente ou com os avós paternos, que não tinham condições para a acolher. "Senti-me em perigo de perder a minha família e de ficar só. Era o meu maior medo."
Entrou no lar com seis. "Quando acontecia algo mau, ia para a janela. Rezava para sair de lá. Às vezes, até ia de noite para a beira de alguém falar." Saiu com 12, mas para a alçada dos avós, que entretanto se mudaram para um apartamento digno. Tem 12 anos. Teve uma palavra a dizer. Pareceu-lhe que ficaria melhor com eles do que com a mãe, que a reclama. "Aqui, não ia passar fome, tinha carinho, o que é considerado uma família." O que é considerado uma família? "Amor, respeito, apoio."
Mesmo assim, Inês sonha com uma família como a dos amigos lá da escola, que vivem com os pais e vão ao cinema ao fim-de-semana. "Se tivesse 18 anos, trabalhava, arranjava dinheiro, levava o meu pai para uma desintoxicação. Ele ficava lá um ano. A minha mãe a mesma coisa. Arranjava um trabalho para eles, uma casa para nós. Depois, trabalhava mais e arranjava uma casa mim."
Cátia já desistiu de "salvar" a mãe dela. Resta saber se se deixa "salvar" a partir desta segunda-feira, dia 4.
Está crescida. Ultrapassa 1,60 metros. Tem uma cabeleira longa, farta. Agarra-se ao namorado, três anos mais velho. Veste umas calças dele, um blusão dele. A mãe dele observa-os, inquieta. Fosse ela mais velha, aquela relação mais consistente, até podia ficar, mas assim não, não pode.
Com ela fala Carla Carvalho, no quarto; com ele Carla Cid, que o acompanha na CPCJ, por absentismo, na sala. Tudo lhes é explicado, não vão pensar que ela será encerrada e que ele não a poderá voltar a ver. Entretanto, no gabinete, procura-se uma vaga num sítio considerado apropriado.
Despedem-se com um longo abraço. Ela só traz na mão um saco de plástico com a roupa que vestia na sexta, não quer ir a casa da mãe nem da madrinha, não quer encará-las. "Vou para a instituição. Não vou estar a chatear. Não vou ter de me preocupar se a minha avó está bem, se a minha mãe está a olhar por ela; se a minha mãe deixa um cigarro aceso e começa aquilo a arder."
"Tinha tudo na minha madrinha", resume, no caminho para a CPCJ. "Alimentação, cuidados de higiene, um quarto só para mim, mas... não sei, não sei. Faltava-me carinho... As pessoas falavam. "Já não está na mãe. Está na madrinha. A mãe é uma bêbada." Agora, o que vão falar? "Está numa instituição. Ninguém a quer." Eu antes não me preocupava com o que andavam para aí a dizer. Acho que estou mais frágil. Tudo me afecta. Podem estar longe de mim, tão longe que eu não consigo ouvir. Apontam o dedo. Pode não ser para mim. Eu penso que é para mim e choro."
Não houve disputa entre o pai e a mãe, como naquelas histórias que Cátia ouve. Nada lhe dói tanto como isso. "Ela entregou-me ao meu pai de mão beijada." Nem agora há disputa entre o pai e a protecção de crianças e jovens. Parece-lhe que desistiram dela. Parece-lhe que toda a gente desistiu dela. Hoje, acha que estará melhor num sítio para raparigas com histórias semelhantes à sua, tão semelhantes que não se atreverão a julgá-la, que a acolherão como uma igual. Amanhã não, amanhã fugirá.
Nem sempre a CPCJ obtém consentimento da família. Sem consentimento, remete os processos para o Tribunal de Família e Menores. E a mediatização de inúmeras decisões mostra o quanto podem divergir as apreciações sobre o superior interesse das crianças e jovens, como ainda agora aconteceu com o processo que envolveu Liliana Melo, a quem o Tribunal de Sintra decidiu tirar sete dos dez filhos.
Em cada caso, explica Catarina Ribeiro, "é preciso perceber o que é mais funcional para a criança". "E perceber qual é o interesse da criança passa por decidir sem preconceitos, sem estereótipos, com base numa avaliação rigorosa das circunstâncias que podem potenciar perigo, configurar um risco. De outro modo, estaremos a deixar de fora os meninos que vivem nos condomínios fechados."
As famílias mais pobres são mais vigiadas por escolas, centros de saúde, hospitais, segurança social. As famílias mais ricas autoprotegem-se, contrapõe Teresa Espírito Santo, da CNPCJ. "É mais difícil saber o que se passa numa escola privada do que numa pública. A sinalização feita por escolas privadas é residual. A escola pública sinaliza cada vez mais. É obrigatório por lei."
Fala-se de negligência afectiva e de abuso emocional nas classes altas, o que Catarina Ribeiro traduz por fazer exigências não expectáveis para a idade, desrespeitar as condições emocionais da crianças, dizer-lhes: "Vais passar o fim-de-semana com o pai ou com a mãe e eu vou ficar aqui a chorar até tu voltares." Ou: " Vou ficar tão triste que não vou sair." Ou: "Queres ir porque já não gostas de mim."
Esse tipo de abuso sente-se, de modo particular, na separação por violência doméstica. Muitos agressores utilizam as crianças para localizar as mães, que, por razões de segurança, se refugiaram numa casa-abrigo. Perguntam-lhes: qual é o infantário?; qual é a escola?; onde moras? Amiúde, observa Joana Sampaio, directora do Porto de Abrigo, estrutura dirigida pela organização internacional de mulheres Soroptimist, tentam desestabilizá-las. "O papá não está mais vezes contigo porque a mamã não deixa."
Algumas crianças nem querem ver o pai. "Têm de ir", diz. "O tribunal decreta. Tenho casos em que se decreta duas ou três visitas para perceber se aquilo é mesmo um não ou se é uma reacção de revolta e as coisas podem ser ultrapassadas. Se as coisas correm mal, isso é levado em conta."
Parece-lhe evidente que algumas estão melhor sem ver o pai. "Voltam a fazer chichi na cama, voltam a ter pesadelos com ele a bater na mãe. É um reavivar de tudo o que de traumático se passou. Eram crianças que estavam mais tranquilas e regridem, ficam mais nervosas, e isto manifesta-se nas relações com os pares. Empurram os outros. Portam-se mal na escola, não se concentram."
Antes de os pais se separarem, Diogo frequentava um colégio privado. Um dia, a violência psíquica que o pai exercia contra a mãe tornou-se física. A PSP foi chamada lá a casa. Sinalizou-o à CPCJ. A mãe, Edite, assustou-se com a carta. Tirar-lhe-iam o filho? Não tardou a sair porta fora.
Os primeiros meses foram duríssimos. Havia uma penhora sobre parte do seu salário. "Recebia 487 euros de ordenado e pagava uma renda de 325 euros." Como é funcionária pública, responderam-lhe que não podia valer-se da boca de cofre da Segurança Social. Cabia à entidade patronal, a Câmara do Porto, ajudá-la. Só que os serviços municipais já tinham esgotado a verba prevista.
Preocupada com a mudança do colégio para a escola pública, a técnica da CPCJ pediu à psicóloga escolar que acompanhasse o miúdo. Noutra frente, conseguiu um perdão dos débitos no colégio e um acerto no horário laboral, para que a mãe ficasse com o filho à noite sem perder o subsídio de turnos. Recorreu ao fundo específico para necessidades básicas de crianças e jovens com processos de promoção e protecção para Edite cobrir despesas com a saúde do filho.
"Não tenho pais", sublinha Edite, como se tal fosse igual a ninguém ter. "Não tive ajudas de lado nenhum a não ser do meu novo marido que me dava jantar às vezes. Somos colegas de trabalho. Ele via que eu estava assim. Às vezes, pagava-me a luz. Tenho uma amiga que me dava almoço. Eu comia na cantina dos serviços. Eu fazia as compras no supermercado em função do Diogo."
O rapaz, então com 12 anos, agora com 17, já percebia o que estava a acontecer: "Sentia que era quase a minha mãe a tirar da boca dela para mim. Sentia que estávamos a passar dificuldades. Não havia dinheiro para sair, jantar fora. Havia para o essencial, que era dormir e comer."
Pergunte-se-lhe o que é o superior interesse da criança: "Acho que um pai deve cuidar, dar carinho. Isso é o mais importante. Depois dar as condições mínimas para a criança crescer. Deve apoiar na saúde, nos estudos, vesti-lo calçá-lo, amá-lo. Amá-lo toda a vida e o resto pelo menos até aos 18 anos."
Há formas de negligência associadas a pobreza extrema. Pode, exemplifica Julieta Monginho, faltar dinheiro para pagar uma casa decente. Pode faltar dinheiro para pagar a electricidade ou a água corrente. Ao acompanhar as CPCJ do Sul do país, Teresa Espírito Santo nota o reflexo da entrega das casas aos bancos. "Mudam-se para casa dos pais ou dos sogros. As casas, que já eram pequenas, tornam-se mais pequenas. Isso potencia conflitos - de espaço, de gerações, de interesses."
Todas as semanas temos situações novas associadas à pobreza, refere Joana Trigó. Uma das coisas que mais preocupam Teresa Espírito Santo é a falta de qualidade da alimentação. "Vamos a casa das pessoas e encontramos tachos de arroz. Os miúdos chegam a casa e comem arroz. Rende mais do que o pão e é mais barato." Há pouco, Joana Trigó entrou na casa de um casal com um bebé e na cozinha só encontrou um iogurte, uma fruta, umas batatas e umas cenouras.
A pobreza é condição para apoiar uma família, não para a retirar de um contexto afectivo. As CPCJ ainda conseguem chegar à boca do cofre da acção social para enfrentar despesas urgentes de renda, luz, água ou gás, mas também sentem, na articulação com outros estruturas, que falta habitação social, formação, emprego para que as famílias se organizem e garantam o interesse das suas crianças.
A situação económica actual, diz Teresa Espírito Santo, "potencia desequilíbrios vários, nomeadamente desequilíbrios emocionais, e isso repercute-se no elo mais fraco". A mulher que matou os filhos e se suicidou em Oeiras será o exemplo extremado disso. Mas pode acontecer tudo ao contrário disso. Na zona de Lisboa, há pais que batem à porta das CPCJ a dizer: "Não tenho capacidade para continuar a cuidar dos meus filhos, o Estado que tome conta deles."
O que orienta a intervenção do Estado é o interesse das crianças, um conceito indeterminado, que só se vai percebendo na situação concreta de cada uma. Essa interpretação pode ser controversa, como aconteceu recentemente no caso de Liliana Melo, a quem o Tribunal de Sintra mandou retirar sete dos dez filhos
Aassistente social Carla Carvalho entra no gabinete da presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ).
- Tenho uma situação de emergência. É uma miúda.
- Que idade tem?
- Catorze. Desapareceu na sexta-feira. Anda a PSP atrás dela. Está em casa do namorado. A mãe dele acabou de ligar.
Joana Trigó, a presidente da CPCJ-Porto Oriental, chama as outras técnicas. Por lei, está em perigo qualquer criança abandonada ou entregue a si própria; vítima de maus-tratos psíquicos, físicos ou sexuais; que não receba cuidados ou afecto; que faça trabalhos excessivos ou esteja sujeita a outros comportamentos que afectem a sua saúde, segurança, formação, educação ou o seu desenvolvimento.
Conhecem bem a história de Cátia. Cresceu com a mãe e com a avó sem saber a quem chamar pai. A mãe dizia-lhe que ele trabalhava num restaurante ali perto, mas havia quem lhe garantisse que não, que não era esse, que era Miguel, um amigo da família. Tudo se confirmou em Setembro, depois de uma briga feia.
"Tínhamos ido a um café", haverá de recordar, daqui a bocado, quando aqui estiver. "Ela não foi. Quando ela está alcoolizada, ela sabe o que faz. Depende do ponto em que está. Naquele ponto, sentiu-se envergonhada. Foi para casa. Mas bebeu. Bebeu, até não saber o que estava a fazer. Ela estava a ouvir música no rádio que a gente tem em casa. A minha avó disse: "Ó Cátia, baixa-me um bocadinho o rádio." Eu disse: "Até te apago." E apaguei. Só que ela acordou. Eu tinha feito um bolo. O bolo estava em cima da mesa. Eu estava sentada a arranjar as unhas. Ela estava a mandar vir comigo. Eu estava a mandar vir com ela. Eu levantei-me. Ela pegou para me tirar a navalha e cortou-me. A minha avó meteu-se no meio. Ela deu-lhe uma cabeçada e puxou-lhe a mão. Partiu-lhe um dedo ou torceu-lhe, não sei. Nós saímos de casa. Pedimos ajuda à vizinha do canto. Ela ligou para o meu tio. O meu tio chamou o INEM e a polícia. Nós fizemos queixa."
Ao ouvi-la queixar-se de agressões frequentes, a PSP alertou a CPCJ. E Carla Carvalho tratou de perceber o que se passava naquela família. Cabia-lhe zelar pelo superior interesse daquela criança.
O interesse da criança, princípio orientador da intervenção do Estado na família, é "interpretativo", explica-nos Julieta Monginho, procuradora no Tribunal de Família e Menores de Lisboa. Encontra-se ao analisar a situação concreta de cada criança. O seu carácter aberto, elástico, presta-se à subjectividade. Não é, todavia, salienta a especialista em Direito da Família Maria Clara Sottomayor, um conceito "vazio, a que cada um atribui o significado que bem entende".
"Privilegiamos as questões da segurança e da vida e, em paralelo, as questões afectivas", explica Joana Trigó. "Isto não é linear. É mais evidente quando temos uma criança a dizer que não quer estar com a mãe ou com o pai, embora possa haver afecto. É mais difícil com as mais pequeninas, que ainda não falam, têm uma ligação maior à mãe, mesmo que ela seja maltratante."
A lei obriga a ouvir maiores de 12 anos. Nada impede de ouvir menores de 12. Não para lhes conferir a responsabilidade de decidir, o que até podiam encarar como um fardo. Para recolher a perspectiva delas, para que sintam que têm alguma coisa a dizer sobre a sua própria vida.
A experiência da assistente social Joana Trigó ensinou-lhe que há muitas maneiras de perguntar sem perguntar. Pode sentar a criança no colo: "Que fizeste hoje?" "Hoje, saí da escola e fui comprar um garrafão de vinho à minha mãe. Ela já nem consegue ir buscar o garrafão."
Há uma gradação de medidas na lei de promoção e protecção: apoio junto dos pais; apoio junto de outro familiar; confiança a pessoa idónea; apoio para autonomia de vida; acolhimento familiar; acolhimento em instituição. Em nome do interesse da criança, a ordem é para manter a sua vida familiar e social tanto quanto possível, não a desenraizar do ambiente em que tem vivido.
Cátia já diz o que quer. O pai de Cátia apareceu. Ela alegrou-se. Iria aquele homem, que ela conhecia bem, que era quase um tio, protegê-la? Queria viver com ele. Ele registou-a, mas não a acolheu no seu apartamento minúsculo. Ganha a vida como vendedor. Passa grande parte da semana fora.
O pai ficou com responsabilidade parental. Ela já não teria de passar as noites com a mãe, tomada pelo vinho. Moraria em casa dos tios maternos, também padrinhos, de quem o pai é próximo. Ficaria no antigo quarto da prima. Podia almoçar com a mãe, que até prometeu procurar tratamento.
Não havendo pais capazes, a CPCJ procura uma avó, uma tia, uma madrinha ou até uma vizinha por quem a criança tenha afecto e que a possa cuidar. A criança, escreveu na revista Infância e Juventude Armando Leandro, presidente de Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJ), tem "direito ao respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das relações afectivas significativas".
Medidas temporárias podem eternizar-se. Catarina Ribeiro, psicóloga forense, docente da Universidade Católica Portuguesa, dá o exemplo de uma miúda retirada à mãe com um ano de vida e entregue aos padrinhos com quem permanece, quase a fazer sete. "Agora, a mãe diz que tem condições, que é mãe, que tem direito. Qual é o superior interesse da criança? A perspectiva de sair é demolidora. Foi mantendo contacto com a mãe, mas tem com ela uma relação distanciada."
Estouram casos, gerando debates mais ou menos apaixonados, como o da menina russa durante quatro anos entregue a um casal de Barcelos. "Quando está em causa um conflito entre pais biológicos e os adultos que desempenham uma função de substituição parental, os tribunais têm partido da convicção, muito difundida na nossa cultura, de que as crianças estão melhor com a família biológica ou que esse é o seu lugar certo ou natural", entende Maria Clara Sottomayor.
Está nos livros. Ao longo de séculos, as crianças foram encaradas como mera propriedade dos pais. Até ao século XVII, o seu poder era absoluto. A partir daí, tímidos sinais de mudança. Só no século XIX, com os avanços da ciência, as crianças emergiram como categoria social vulnerável.
Ao fundar a Save the Children Fund International Union, a inglesa Eglantine Jebb lançou o movimento que em 1923 haveria de dar origem à primeira declaração dos direitos da criança, a Declaração de Genebra, com cinco princípios assentes na premissa: "A criança em primeiro lugar."
Portugal ia no grupo da frente. Em 1911, aprovara a Lei de Protecção da Infância, rampa para a Tutoria de Infância, que haveria de evoluir para Tribunal de Família e Menores. O princípio então subjacente já era "o interesse do menor". Evoluiu para o superior interesse da criança. Havendo conflito, explica-nos Julieta Monginho, os direitos da criança prevalecem sobre os do adulto.
Na sala, as técnicas da CPCJ debatem o que fazer. A presidente está sentada, as quatro técnicas de pé. Cinco cabeças pensam melhor do que uma. Ninguém, ali, toma qualquer decisão solitária. Partilham as dúvidas para diminuírem a probabilidade de cometerem algum erro.
- Ela em casa da mãe não pode ficar. A madrinha chora. Está mal porque a miúda desaparece, não vai às aulas.
- Porquê?
- Ela diz que não se sente bem em lado algum.
- Diz para ela vir cá e propõe-lhe acolhimento.
- Foi nisso que pensei. Já telefonei ao pai dela e ele diz que tem de ser, que tentou evitar e não conseguiu. Ela não pode ficar entregue a si própria. A última vez que falei com ela foi a 15 de Janeiro, na escola. Estava o pai, a mãe, a psicóloga. Eu disse-lhe: "Estás a deixar-me sem alternativa."
Neste ano lectivo, Cátia mal pôs os pés dentro das salas de aula. Acumulou 152 faltas. Justificaram-lhas, criaram-lhe uma oportunidade de recomeçar, mas ela ignorou o esforço, já somou outras 69. Ainda hoje, segunda-feira, Carla Carvalho tinha estado a olhar para a extensa lista de faltas.
- Deixa-me ver se ela me atende.
- Se for preciso ir buscá-la, nós vamos.
Têm de ir. E nesse ir Carla Carvalho ainda abana a cabeça. Não percebe como é que só no ano passado, depois do episódio da navalha, aquela miúda foi sinalizada, como é que ninguém antes, na escola, no centro de saúde, na família, na vizinhança percebeu que aquela criança estava em risco. Que pode fazer ainda para ajudar alguém com a cabeça num desacerto tão grande? Tantos anos a ser posta em risco pela mãe. Agora, era ela própria a assumir comportamentos de risco.
Às vezes, deixa-se andar. Até para evitar chatices. Esta semana, uma professora foi ameaçada por uma família por ter comunicado à CPCJ de Viana do Castelo que o filho aparecera na escola com marcas físicas de aparente violência. O seu nome não fora acautelado. O director do agrupamento de Escolas de Darque, Luís Braga, estava indignado. Noutras vezes, investe-se anos nos adultos.
Assim, de repente, Catarina Ribeiro lembra-se de quatro crianças - de dez, oito, seis e três anos. "Nasceu a primeira, foi institucionalizada. Nasceu a segunda, foi institucionalizada. Nasceu a terceira, foi institucionalizada. Pai alcoólico, mãe passiva, frequentaram programas de educação parental, de promoção de saúde, de tudo. Não é fazer laqueação de trompas, mas chega a um ponto em que é preciso dizer às famílias: "Não investimos mais."" Esgotado o tempo dos adultos, pode ser demasiado tarde para as crianças verem respeitado o seu direito a ter uma família.
Se ficarem agora disponíveis para adopção, outra questão relacionada com o interesse das crianças se levantará: a separação de irmãos. Sabe que a regra é não separar, mas, por vezes, parece-lhe aleatório. "Como é que se explica que no mesmo agregado haja umas crianças institucionalizadas e outras em casa? Ainda há pouco tive um caso em que estavam dois irmãos com seis e oito anos institucionalizados e um com um ano e outro com três em casa. Isto acontece."
A situação das crianças acolhidas, enfatiza a psicóloga, não é comparável à das que têm pais emigrados. Esses, embora sintam saudades, encontram um motivo para a ausência. "Dizer a um miúdo de seis ou sete anos que se vai tirá-lo de casa porque os seus pais não têm condições é dar-lhe esperança de que se vão reorganizar. Ele deseja que isso aconteça, cria fantasias. E há pais que não fazem esforço algum, mas fazem questão de manter a esperança dos filhos."
Inês esperou seis anos pela mãe, profissional do sexo, consumo abusivo de álcool, companheiro agressor, e pelo pai, toxicodependente, que também trabalha "na noite". Sentiu-se mais em perigo no lar do que com a mãe negligente ou com os avós paternos, que não tinham condições para a acolher. "Senti-me em perigo de perder a minha família e de ficar só. Era o meu maior medo."
Entrou no lar com seis. "Quando acontecia algo mau, ia para a janela. Rezava para sair de lá. Às vezes, até ia de noite para a beira de alguém falar." Saiu com 12, mas para a alçada dos avós, que entretanto se mudaram para um apartamento digno. Tem 12 anos. Teve uma palavra a dizer. Pareceu-lhe que ficaria melhor com eles do que com a mãe, que a reclama. "Aqui, não ia passar fome, tinha carinho, o que é considerado uma família." O que é considerado uma família? "Amor, respeito, apoio."
Mesmo assim, Inês sonha com uma família como a dos amigos lá da escola, que vivem com os pais e vão ao cinema ao fim-de-semana. "Se tivesse 18 anos, trabalhava, arranjava dinheiro, levava o meu pai para uma desintoxicação. Ele ficava lá um ano. A minha mãe a mesma coisa. Arranjava um trabalho para eles, uma casa para nós. Depois, trabalhava mais e arranjava uma casa mim."
Cátia já desistiu de "salvar" a mãe dela. Resta saber se se deixa "salvar" a partir desta segunda-feira, dia 4.
Está crescida. Ultrapassa 1,60 metros. Tem uma cabeleira longa, farta. Agarra-se ao namorado, três anos mais velho. Veste umas calças dele, um blusão dele. A mãe dele observa-os, inquieta. Fosse ela mais velha, aquela relação mais consistente, até podia ficar, mas assim não, não pode.
Com ela fala Carla Carvalho, no quarto; com ele Carla Cid, que o acompanha na CPCJ, por absentismo, na sala. Tudo lhes é explicado, não vão pensar que ela será encerrada e que ele não a poderá voltar a ver. Entretanto, no gabinete, procura-se uma vaga num sítio considerado apropriado.
Despedem-se com um longo abraço. Ela só traz na mão um saco de plástico com a roupa que vestia na sexta, não quer ir a casa da mãe nem da madrinha, não quer encará-las. "Vou para a instituição. Não vou estar a chatear. Não vou ter de me preocupar se a minha avó está bem, se a minha mãe está a olhar por ela; se a minha mãe deixa um cigarro aceso e começa aquilo a arder."
"Tinha tudo na minha madrinha", resume, no caminho para a CPCJ. "Alimentação, cuidados de higiene, um quarto só para mim, mas... não sei, não sei. Faltava-me carinho... As pessoas falavam. "Já não está na mãe. Está na madrinha. A mãe é uma bêbada." Agora, o que vão falar? "Está numa instituição. Ninguém a quer." Eu antes não me preocupava com o que andavam para aí a dizer. Acho que estou mais frágil. Tudo me afecta. Podem estar longe de mim, tão longe que eu não consigo ouvir. Apontam o dedo. Pode não ser para mim. Eu penso que é para mim e choro."
Não houve disputa entre o pai e a mãe, como naquelas histórias que Cátia ouve. Nada lhe dói tanto como isso. "Ela entregou-me ao meu pai de mão beijada." Nem agora há disputa entre o pai e a protecção de crianças e jovens. Parece-lhe que desistiram dela. Parece-lhe que toda a gente desistiu dela. Hoje, acha que estará melhor num sítio para raparigas com histórias semelhantes à sua, tão semelhantes que não se atreverão a julgá-la, que a acolherão como uma igual. Amanhã não, amanhã fugirá.
Nem sempre a CPCJ obtém consentimento da família. Sem consentimento, remete os processos para o Tribunal de Família e Menores. E a mediatização de inúmeras decisões mostra o quanto podem divergir as apreciações sobre o superior interesse das crianças e jovens, como ainda agora aconteceu com o processo que envolveu Liliana Melo, a quem o Tribunal de Sintra decidiu tirar sete dos dez filhos.
Em cada caso, explica Catarina Ribeiro, "é preciso perceber o que é mais funcional para a criança". "E perceber qual é o interesse da criança passa por decidir sem preconceitos, sem estereótipos, com base numa avaliação rigorosa das circunstâncias que podem potenciar perigo, configurar um risco. De outro modo, estaremos a deixar de fora os meninos que vivem nos condomínios fechados."
As famílias mais pobres são mais vigiadas por escolas, centros de saúde, hospitais, segurança social. As famílias mais ricas autoprotegem-se, contrapõe Teresa Espírito Santo, da CNPCJ. "É mais difícil saber o que se passa numa escola privada do que numa pública. A sinalização feita por escolas privadas é residual. A escola pública sinaliza cada vez mais. É obrigatório por lei."
Fala-se de negligência afectiva e de abuso emocional nas classes altas, o que Catarina Ribeiro traduz por fazer exigências não expectáveis para a idade, desrespeitar as condições emocionais da crianças, dizer-lhes: "Vais passar o fim-de-semana com o pai ou com a mãe e eu vou ficar aqui a chorar até tu voltares." Ou: " Vou ficar tão triste que não vou sair." Ou: "Queres ir porque já não gostas de mim."
Esse tipo de abuso sente-se, de modo particular, na separação por violência doméstica. Muitos agressores utilizam as crianças para localizar as mães, que, por razões de segurança, se refugiaram numa casa-abrigo. Perguntam-lhes: qual é o infantário?; qual é a escola?; onde moras? Amiúde, observa Joana Sampaio, directora do Porto de Abrigo, estrutura dirigida pela organização internacional de mulheres Soroptimist, tentam desestabilizá-las. "O papá não está mais vezes contigo porque a mamã não deixa."
Algumas crianças nem querem ver o pai. "Têm de ir", diz. "O tribunal decreta. Tenho casos em que se decreta duas ou três visitas para perceber se aquilo é mesmo um não ou se é uma reacção de revolta e as coisas podem ser ultrapassadas. Se as coisas correm mal, isso é levado em conta."
Parece-lhe evidente que algumas estão melhor sem ver o pai. "Voltam a fazer chichi na cama, voltam a ter pesadelos com ele a bater na mãe. É um reavivar de tudo o que de traumático se passou. Eram crianças que estavam mais tranquilas e regridem, ficam mais nervosas, e isto manifesta-se nas relações com os pares. Empurram os outros. Portam-se mal na escola, não se concentram."
Antes de os pais se separarem, Diogo frequentava um colégio privado. Um dia, a violência psíquica que o pai exercia contra a mãe tornou-se física. A PSP foi chamada lá a casa. Sinalizou-o à CPCJ. A mãe, Edite, assustou-se com a carta. Tirar-lhe-iam o filho? Não tardou a sair porta fora.
Os primeiros meses foram duríssimos. Havia uma penhora sobre parte do seu salário. "Recebia 487 euros de ordenado e pagava uma renda de 325 euros." Como é funcionária pública, responderam-lhe que não podia valer-se da boca de cofre da Segurança Social. Cabia à entidade patronal, a Câmara do Porto, ajudá-la. Só que os serviços municipais já tinham esgotado a verba prevista.
Preocupada com a mudança do colégio para a escola pública, a técnica da CPCJ pediu à psicóloga escolar que acompanhasse o miúdo. Noutra frente, conseguiu um perdão dos débitos no colégio e um acerto no horário laboral, para que a mãe ficasse com o filho à noite sem perder o subsídio de turnos. Recorreu ao fundo específico para necessidades básicas de crianças e jovens com processos de promoção e protecção para Edite cobrir despesas com a saúde do filho.
"Não tenho pais", sublinha Edite, como se tal fosse igual a ninguém ter. "Não tive ajudas de lado nenhum a não ser do meu novo marido que me dava jantar às vezes. Somos colegas de trabalho. Ele via que eu estava assim. Às vezes, pagava-me a luz. Tenho uma amiga que me dava almoço. Eu comia na cantina dos serviços. Eu fazia as compras no supermercado em função do Diogo."
O rapaz, então com 12 anos, agora com 17, já percebia o que estava a acontecer: "Sentia que era quase a minha mãe a tirar da boca dela para mim. Sentia que estávamos a passar dificuldades. Não havia dinheiro para sair, jantar fora. Havia para o essencial, que era dormir e comer."
Pergunte-se-lhe o que é o superior interesse da criança: "Acho que um pai deve cuidar, dar carinho. Isso é o mais importante. Depois dar as condições mínimas para a criança crescer. Deve apoiar na saúde, nos estudos, vesti-lo calçá-lo, amá-lo. Amá-lo toda a vida e o resto pelo menos até aos 18 anos."
Há formas de negligência associadas a pobreza extrema. Pode, exemplifica Julieta Monginho, faltar dinheiro para pagar uma casa decente. Pode faltar dinheiro para pagar a electricidade ou a água corrente. Ao acompanhar as CPCJ do Sul do país, Teresa Espírito Santo nota o reflexo da entrega das casas aos bancos. "Mudam-se para casa dos pais ou dos sogros. As casas, que já eram pequenas, tornam-se mais pequenas. Isso potencia conflitos - de espaço, de gerações, de interesses."
Todas as semanas temos situações novas associadas à pobreza, refere Joana Trigó. Uma das coisas que mais preocupam Teresa Espírito Santo é a falta de qualidade da alimentação. "Vamos a casa das pessoas e encontramos tachos de arroz. Os miúdos chegam a casa e comem arroz. Rende mais do que o pão e é mais barato." Há pouco, Joana Trigó entrou na casa de um casal com um bebé e na cozinha só encontrou um iogurte, uma fruta, umas batatas e umas cenouras.
A pobreza é condição para apoiar uma família, não para a retirar de um contexto afectivo. As CPCJ ainda conseguem chegar à boca do cofre da acção social para enfrentar despesas urgentes de renda, luz, água ou gás, mas também sentem, na articulação com outros estruturas, que falta habitação social, formação, emprego para que as famílias se organizem e garantam o interesse das suas crianças.
A situação económica actual, diz Teresa Espírito Santo, "potencia desequilíbrios vários, nomeadamente desequilíbrios emocionais, e isso repercute-se no elo mais fraco". A mulher que matou os filhos e se suicidou em Oeiras será o exemplo extremado disso. Mas pode acontecer tudo ao contrário disso. Na zona de Lisboa, há pais que batem à porta das CPCJ a dizer: "Não tenho capacidade para continuar a cuidar dos meus filhos, o Estado que tome conta deles."
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