Ricardo Barroso, in Público on-line
Quanto mais tarde for iniciado um plano no âmbito da violência sexual, mais tarde poderemos ver eficácia em termos de incidência e reincidência.
A violência sexual é reconhecida como sendo uma das formas mais graves de concretização da violência nas sociedades ocidentais, suscitando facilmente nas pessoas uma resposta de repúdio, dada a violação brutal da intimidade das vítimas e as acções de dominação exercidas sobre as mesmas. Por este motivo, diversas instituições internacionais (UE, ONU, OMS) têm vindo a reconhecer o impacto desta problemática, requerendo não apenas uma intervenção profissional urgente e ajustada ou novas investigações no terreno, mas também solicitando políticas concretas e especializadas de combate ao problema.
Neste sentido, no contexto europeu, foram elaboradas directrizes (que deveriam ter sido transpostas há mais de um ano) em que ficava claro que os Estados-membros deveriam levar à prática políticas que conduzissem à diminuição da incidência e reincidência de abusos sexuais. Para dar resposta à necessidade de transposição destas linhas de orientação legal, vários países constituíram atempadamente uma comissão técnica especializada e experiente que, em conjunto com juristas, lhes permitiu elaborar legislação com objectivos concretos e bem definidos a curto, médio e longo prazos.
Sobre estes procedimentos tem sido confrangedor o que se tem passado em Portugal nos últimos meses. Depois de ter sido usado como tema mediático em cerimónias de abertura de anos judiciais, o Ministério da Justiça apresenta, finalmente, ainda que com enorme atraso, uma proposta de lei que não tem em conta os actuais conhecimentos científicos sobre medidas e metodologias eficazes na prevenção da incidência e reincidência da violência sexual. Mais: para um assunto de enorme gravidade e importância que exigia uma discussão técnica e jurídica séria e pragmática, são apresentadas apenas uma ou duas medidas populistas e com efeito inócuo (provado já em vários países) na incidência e/ou reincidência de violência sexual. Portugal perde assim uma oportunidade de desenvolver no seu território um plano de intervenção que permita evidenciar resultados significativos dentro de alguns anos, tal como ocorreu (ou tem vindo a suceder) em outros Estados (Dinamarca, Holanda, Alemanha) que aproveitaram a obrigatoriedade de transposição de medidas comunitárias para estabelecerem um plano de acção contra a violência sexual amplo, objectivo e realista.
Seguindo a experiência nacional e internacional obtida no terreno, permito-me deixar aqui as linhas gerais que um plano desta natureza deverá seguir. Em primeiro lugar, urge atentar com perspicácia nas directrizes europeias e na evolução dos estudos internacionais, envolvendo necessariamente várias entidades governamentais (ministérios da Justiça, da Administração Interna, da Educação e Ciência, da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, da Saúde). A experiência que Portugal teve, com assinalável sucesso, com o plano nacional de prevenção e combate à violência doméstica e de género deverá ser seguido de perto.
Uma maior ênfase deve colocar-se na prevenção primária da violência sexual, isto é, antes que as agressões ocorram. Ao mesmo tempo, devem ser implementadas medidas que aumentem a probabilidade de sucesso ao nível da prevenção da reincidência. Nesse sentido, entendo que um primeiro Plano Nacional Contra a Violência Sexual (PNCVS) deverá estruturar-se a partir de cinco áreas consideradas estratégicas e fundamentais, a seguir indicadas juntamente com sugestões exemplificativas de medidas: 1) Informar, Sensibilizar e Educar — transmitir conhecimentos aos cidadãos sobre o problema, sobre como o reconhecer e quais os comportamentos para prevenir a sua ocorrência; 2) Proteger e Intervir com as Vítimas — constituição, em todos os concelhos, de um serviço especializado e continuado de apoio a vítimas de violência sexual (crianças, adolescentes e/ou adultos); 3) Intervir com os Agressores — paralelamente à responsabilização do agressor, sejam eles adultos ou adolescentes agressores sexuais, devem ser construídos e implementados programas de intervenção especializados para a prevenção da reincidência sexual em centros educativos e em estabelecimentos prisionais; 4) Qualificar os Profissionais — de acordo com a especificidade das funções de cada um, formação especializada de psicólogos, psiquiatras, operadores judiciários, professores, profissionais de lares de infância e juventude, entre outros, com competências técnicas de prevenção e intervenção com vítimas e agressores sexuais — e, 5) Aprofundar o Conhecimento do Fenómeno da Violência Sexual — de modo a conhecer com substância o fenómeno da violência sexual no contexto português, evitando a constante necessidade de estabelecer paralelos, muitas vezes especulativos, com outros países europeus, Canadá ou EUA, devem ser estimulados projectos de investigação rigorosos no âmbito da violência sexual em Portugal.