1.7.15

Uma estranha forma de solidariedade

José Cabrita Saraiva, in iOnline

Hoje em dia, quando penso nos gregos, não me lembro de Homero, Péricles ou Platão, mas sim de uma viagem que fiz em 2011. Foram 15 dias fantásticos passados em Atenas, Delfos, Corinto, Epidauro e algumas ilhas. Tudo correu lindamente, tirando dois ou três contratempos: quando nos cobraram seis euros por um iogurte; quando fomos enganados acerca da hora de chegada de um barco e nos vimos, às cinco da manhã, com um bebé num local desconhecido; ou quando pagámos 50 euros por uma pescada num restaurante manhoso. A Grécia é um país belíssimo, mas fiquei com a impressão de que muitos gregos são machistas, brutamontes e exploradores.

Ainda assim, é preciso dizer que nenhum povo merece passar por aquilo que os gregos terão de passar caso se concretize a saída do país do euro. Compreendo, por isso, perfeitamente a enorme onda de solidariedade que se tem gerado um pouco por toda a Europa. Um jovem britânico bem-intencionado chegou a lançar uma campanha de crowdfunding para pagar a dívida grega...

Mas o que significa exactamente a palavra solidariedade? Em português é um belo conceito que, à custa de tanto ser repetido, começa a perder conteúdo. Significa entreajuda, sacrificar-se pelo outro, cumprir o velho lema dos mosqueteiros: “Um por todos e todos por um.” Ou seja, implica uma ideia de reciprocidade.

Porém, talvez em grego a palavra queira dizer outra coisa qualquer. Por um lado, parece ser um eufemismo para “financiem o nosso modo de vida” – ou seja, uma solidariedade de sentido único. Por outro lado, Alexis Tsipras já deixou bem claro: “Fiquem a saber que, se cairmos no abismo, tudo faremos para vos arrastarmos connosco.” Ao mesmo tempo que ameaçava isto, o primeiro-ministro grego ia negociando com a Rússia, para assustar (chantagear) a Europa. É uma estranha ideia de solidariedade, convenhamos.

Continuemos a falar desta palavra tão cara aos que tomam o partido dos gregos. Em 1985, a Grécia vetou a entrada de Portugal e da Espanha na CEE. Para aceitar a inclusão dos países ibéricos, exigiu um valor astronómico. Qual solidariedade, qual carapuça. E, só para aqueles que são mesmo muito esquecidos, recordemos que em 2011 os credores perdoaram à Grécia cerca de metade da sua dívida, no valor de 200 mil milhões de euros.

Há quem traga para o debate o legado dos filósofos, a invenção da democracia ou as atrocidades nazis para mostrar que a Europa é que está em dívida para com a Grécia, não o contrário. Ora, se se lembram tão bem do que aconteceu há 70 e até há 2500 anos, porque insistem em ignorar o que aconteceu em 1985 e em 2011? A memória, às vezes, prega-nos destas partidas.