4.12.15

Esquadra não tem gabinete de apoio à vítima por falta de meios

Pedro Luís Silva, in Jornal Barcelos

PSP recebeu este ano 50 queixas por violência doméstica Esquadra não tem Gabinete de Apoio à Vítima por falta de meios A esquadra da PSP de Barcelos não tem Gabinete de Apoio à Vítima “porque o número de casos não justifica afectar meios ou não há meios para afectar”, referiu o agente Carlos Silva numa conferência no auditório da Biblioteca Municipal, quarta-feira passaPEDRO LUÍS SILVA pedroluissilva@jornaldebarcelos.com.pt da, que assinalou o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. “Humanamente é impossível termos um agente o dia inteiro só a tratar destes casos”, realçou o chefe Francisco Torres, acrescentando que a PSP, não só em Barcelos mas em todo o país, tem “dificuldades financeiras e limitação de meios”. A esquadra de Barcelos tem actualmente 47 operacionais (todos homens, não há uma agente mulher) e registou este ano, até Novembro, mais de 50 queixas de violência doméstica, referiram os polícias. Note-se que a área de acção da PSP refere-se apenas à zona urbana: Barcelos, Vila Frescainha de S. Pedro e S. Martinho e Vila Boa. Entre Janeiro e Outubro, no distrito houve 351 denúncias à PSP, informaram ainda. Desde Novembro de 2014, a polícia faz uma “avaliação de risco” da vítima. Após questionário, é estabelecido um risco que pode ser elevado, médio ou baixo. Em função da avaliação, o processo poderá ser alvo de maior rapidez e até poderão ser tomadas “medidas imediatas” para protecção da vítima. Os dados das queixas apresentadas na esquadra de Barcelos mostram que os dias de maior incidência são o sábado e o domingo, que a maior parte das situações relatadas é entre cônjuges e ocorre à noite e, por fim, que a faixa mais atingida é entre os 35 e os 44 anos. “VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NÃO É MENOS IMPORTANTE QUE A FÍSICA” Célia Barbosa, psicóloga do Grupo de Acção Social Cristã (GASC), também fez parte do painel de oradores da conferência organizada pelo Centro de Emprego e Formação Profissional de Viana do Castelo. O GASC tem um Gabinete de Apoio à Vítima, tal como a Sopro em Barcelinhos – são as duas instituições do concelho que apoiam as vítimas de violência doméstica. Violência que se traduz de várias formas: física, psicológica ou até financeira (quando um dos cônjuges controla o dinheiro do outro e por isso tem sobre ele um ascendente). A psicóloga do GASC vincou que “a violência psicológica não é menos importante do que a física” e que “a vítima não ter marcas” não é razão “para que o processo judicial não prossiga”. Mas como provar que se é vítima de violência doméstica?, questionaram do público, que encheu o auditório da Biblioteca Municipal. Primeiro, “o testemunho da vítima é o mais importante”. E isto é em todos os tipos de violência doméstica. Aliás, Célia Barbosa repara que em muitos casos a vítima, depois de apresentar a queixa (que não pode ser retirada, pois trata-se de crime público), recusa-se a prestar depoimentos ao juiz, o que leva ao arquivamento de muitos casos. Além do depoimento na primeira pessoa, é importante “falar a verdade ao médico” e conservar a “prescrição da medicação” e guardar as mensagens ameaçadoras que depois podem ser apresentadas como provas. As declarações de pessoas próximas com quem a vítima tenha desabafado as situações de violência que viveu podem ser tidas em conta pelo juiz como reforço do testemunho principal. A conferência terminou com a leitura de uma carta de uma vítima de violência doméstica que quis partilhar a sua experiência.
Testemunho impressionante de uma vítima de violência doméstica “Socou e pontapeou, levantou-me e bateu mais, tentou violar” John Travolta era o seu grande ídolo. Ana que tinha um enorme poster do actor de “Saturday Night Fever” na parede do quarto. “Deitada na minha cama sonhava, num dia que eu queria que já tivesse acontecido, dançar sem parar com um rapaz igual”. O desejo concretizou-se no dia 31 de Dezembro de 1980. Festa de passagem de ano. “A primeira fora de casa autorizada pelos meus pais. Rodopiei noite e madrugada fora com aquele que eu sabia - porque soube assim que cruzámos olhares - iria marcar a minha vida para sempre”. Não sabia é que o seria pela negativa. “Vinte e seis anos depois, o rapaz mais bonito e sedutor do mundo a quem eu me dedicara de alma e coração e que me deu dois filhos maravilhosos, deu a golpada final numa relação marcada pela violência psicológica, física e financeira”.

Era uma manhã de Agosto. Quente. “Conheci as chamas dilacerantes do inferno. O rapaz lindo, sensual e bem-falante dos anos 80 atingiu o seu clímax de violência no ano 2000. Expurgou da forma mais cruel os seus demónios, traumas, complexos e a sua cabePEDRO LUÍS SILVA pedroluissilva@jornaldebarcelos.com.pt ça mal arrumada na companheira de uma vida, na mulher que escolheu para mãe dos seus filhos”.
Cenário de destruição. “Partiu móveis e vidros em casa”. Violência extrema. “Socou e pontapeou, atirou-me contra as paredes, levantou-me e bateu mais, tentou violar e voltou a tentar violar a mulher que lhe deu uma família, estabilidade financeira e estatuto social”.

Tudo com os filhos menores a ver. Pediram ajuda aos vizinhos. “Encontraram portas cerradas e silêncio”. Todos os limites tinham sido atingidos. “Nesse dia encontrei a força que diariamente durante mais de 20 anos devia ter e não tive”. Pegou na mala, nos filhos e conduziu, “ensanguentada e dorida”, até à esquadra da cidade onde vivia. “Depois do medo, do pânico, do terror, da consciência clara de que a minha vida podia ter terminado ali naquela casa, aos 43 anos, senti pela primeira vez em muito tempo uma brisa a bater-me na cara, porque me libertara do cerco, do terrorismo psicológico, do medo. Sim, do medo, que me paralisou durante tantos anos e me fez sentir um ser amorfo, desprezível, sem vontade própria”.

No entanto, o pior ainda estava para vir. “O filme de terror da minha vida começou, ironicamente, nesse dia”. Ana foi viver com os pais, mas as perseguições, as ameaças, agressões, a chantagem emocional por causa dos filhos intensificaram-se. “Cerca de 200 mensagens insultuosas, obscenas e ameaçadoras por dia, chamadas ininterruptas por telemóvel e a mesma frase dita até à exaustão aos nossos filhos: a vossa mãe é uma puta, um dia vou rebentar com ela”. A cabeça acabou por ceder. “Caí numa depressão profunda, tive que pedir protecção policial, acabei por fugir para outro país, fui internada”. A queixa-crime que apresentou resultou – “passados três longos e pesados anos” – numa sentença de cinco anos de prisão.

Com pena suspensa. “Claro, porque não houve morte”. E pena acessória de dois anos de proibição de aproximação à vítima. “Foi uma vitória”. Entretanto, fez a vida, voltou a apaixonar-se (“de uma forma natural e saudável, não da maneira obsessiva e quase patológica que marcou o primeiro casamento”), refez a vida profissional, mudou de cidade, arrumou a cabeça. “Hoje sou imensamente feliz”. Graças ao apoio dos filhos, do novo companheiro, dos pais, da PSP, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a quem agradece. A dor aliviou, mas as feridas não sararam.

“Quando muda o tempo, os 26 pontos que coseram uma agressão que me provocou um traumatismo craniano-encefálico que me atirou para os cuidados intensivos do hospital em coma ainda dói. Mas passa”. No dia seguinte à condenação do marido, recebeu uma mensagem no telemóvel. “Aparentemente lacónica, mas cheia de significado: ‘Até que a morte nos separe’. Senti medo? Não. Senti raiva? Não. Senti mágoa? Não. Apenas compaixão por um ser que, afinal, não deu um novo rumo à sua vida e continua agarrado a um passado que é só dele, porque eu hoje sou livre”.


(Relato lido publicamente na conferência “Violência Doméstica - É hora de mudança”) D ario Sil v a/ ar quiv o Flash mob contra a violência doméstica O Grupo de Acção Social Cristã (GASC) assinalou o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Doméstica com um flash mob na Avenida da Liberdade, quinta-feira passada. Os flash mobs são acções inesperadas de um conjunto de pessoas que os marcam em determinado local e hora. A ideia é surpreender os transeuntes com uma iniciativa diferente do habitual. Por isso, com o objectivo de chegar ao maior número de gente possível, o GASC optou por realizar a iniciativa na quinta-feira (com repetição no sábado) em vez de ser no próprio Dia Internacional pela Eliminação da Violência Doméstica. A acção teve o apoio da Academia João Capela e contou com a participação de alunos da Profitecla. Consistiu numa dança que juntou dezenas de pessoas e terminou com a distribuição de autocolantes de apelo ao fim da violência doméstica. P.L.S.