17.2.16

“Quem está detido deseja o mesmo que nós: ser feliz”

Ângela Roque, in RR

São universitários e visitam regularmente jovens que se encontram detidos em prisões ou centros educativos, muitos deles ainda menores de idade. A iniciativa é de um grupo de católicos.

“Um padre, nosso amigo, perguntou se queríamos visitar jovens que estão presos num centro educativo. E eu disse que sim, mas nunca tinha pensado nisso antes”, conta Mafalda Almeida e Brito, de 19 anos. Desde Setembro de 2015, Mafalda e outros jovens católicos fazem visitas a esta população prisional, todos os sábados.

Carmo Soares Mendes, de 21 anos, uma das voluntárias, diz que a iniciativa "tem sido muito desafiante". "De 15 em 15 dias, ou de três em três semanas, passamos com eles uma tarde. Não há muitos frutos, ainda, mas eu saio contente e gosto de lá ir."

A dedicação dos responsáveis dos centros educativos, que foram conhecendo, também as inspirou: “São pessoas muito humanas, que olham para os jovens detidos como pessoas mesmo importantes. Isso despertou em mim um interesse enorme por conhecer aquelas pessoas, todas elas”, explica Mafalda Almeida e Brito.

A jovem diz que nunca teve a “pretensão” de mudar a vida de quem visita, mas já sentiu que este serviço que prestam pode fazer a diferença: “Percebi que eles desejam exactamente o mesmo que eu, têm um desejo enorme de serem felizes, e olham para mim como alguém que está livre para poder encontrar a felicidade”.

Os grupos, com três ou quatro voluntários, visitam três unidades diferentes onde estão detidos jovens dos 16 aos 20 anos. As visitas são feitas ao sábado, no tempo que os estudantes têm livre. “É o nosso tempo livre, não o das aulas a que vamos faltar. Vamos por opção e termos consciência disso, faz-nos dar tudo”, sublinha Carmo Soares Mendes.

Tentam ir sempre aos mesmos grupos. "São três semanas entre cada visita, se estamos sempre a trocar de grupo é difícil para nós e para eles manter relação. Não facilita a comunicação”, justifica.

Detidos já querem sair com os “betinhos”

Carmo reconhece que comunicar nem sempre é fácil: “Eles acham estranho que pessoas da nossa idade vão ter com eles todos os sábados. Acham-nos ‘betinhos’. A mim faz-me rir, mas eu percebo que para eles seja uma dificuldade e que perguntem: ‘O que é que estes vêm aqui fazer? Caridade connosco?’. Por isso nasceu esta ideia de ver e discutir um filme durante a tarde da visita”.

"A grande dificuldade é mesmo que eles se interessem. Tem de se dar tempo”, afirma Carmo Soares Mendes. Mas não tem dúvidas que este é um projecto com “pernas para andar” e um longo caminho para percorrer: “Eles já nos perguntaram se também podíamos ir durante a semana ajudá-los a estudar, jogar futebol”.

Carmo visita mais rapazes, Mafalda tem contactado mais com as raparigas. Conta como estão sempre a pensar em coisas novas. “Queremos fazer um concurso de culinária, por exemplo. E eu, antes do Natal, até fui lá cortar o cabelo, porque elas estão a treinar para ser cabeleireiras e quis que fizessem alguma coisa em mim. Fiquei com uma ligação enorme às pessoas que estão lá”, diz.

Já Carmo recorda, com satisfação, que na última visita que fez um dos detidos estava muito contente porque talvez se fosse embora e quis saber se podia encontrar-se com os voluntários cá fora: “Perguntou o que fazíamos e eu disse: ‘Saímos juntos, vamos ao cinema juntos, jantamos, vimos aqui.’ Ele disse que quando sair gostava de ir ter connosco. Não sei se vai acontecer ou não, mas para mim foi giro ver que aquilo que eu faço é bom para os outros".

Cariz evangelizador

O projecto tem um propósito também evangelizador, mas a abordagem às questões da fé não é automática, e nem sempre acontece. “Já falámos de Fátima, por exemplo, porque uma das raparigas queria ir lá. Falamos disso se ajudar a dialogar com eles, se implica um afastamento já não falamos”, explica Mafalda, para quem tem sido muito recompensador estar neste projecto: “É tudo muito superior ao que podia imaginar e fazer. Estes jovens, tanto os que estão detidos como os que vão comigo, trazem-me sempre novidade e coisas boas, que me fazem crescer”.

Carmo acrescenta: “O testemunho é das coisas mais bonitas que existem, é contar como Deus age na minha vida. Por isso, dar testemunho, tanto aos meus amigos que vão comigo, como aos rapazes e raparigas que lá estão, é uma coisa boa. Não sei se algum deles vai sair dali, ou se quando sair vai voltar a fazer o que fazia antes, mas pode ser deixada uma semente, sem pretensões nenhumas”.

Esta entrevista foi transmitida no programa “Princípio e Fim” de 14 de Fevereiro, onde foi também emitida uma reportagem sobre o Encontro Nacional da Pastoral Penitenciária, que decorreu em Fátima