16.2.16

Especialista defende que rendimento básico não promove a inatividade

Paulo Chitas, in Visão

Economista holandês especializado em projetos de rendimento básico defende que esta pode ser uma forma de fugir à armadilha da pobreza. E, por se tratar de uma política de redistribuição, entende que é possível financiá-la mantendo o Estado Social


Através de crowdfunding conseguiu 25 mil euros para se dedicar apenas à defesa do rendimento básico na Holanda. Aos 25 anos, este economista é consultor de municípios holandeses que querem experimentar novas soluções para lidar com a pobreza. Na Holanda, há mais de 30 municípios a realizarem experiências com este novo tipo de política, que defende um rendimento básico para todos, sem condições de recurso. Em Lisboa, Sjir Hoeijmakers participa num encontro sobre o tema promovido pelo PAN – Pessoas, Animais, Natureza.

Financiou o seu próprio projeto de Rendimento Básico. Qual era o objetivo? Quem o financiou?

Comecei a campanha de recolha de fundos através de crowdfunding em abril e maio do ano passado. Pedi às pessoas que contribuíssem para eu poder continuar (entre outras coisas) a realizar o meu trabalho junto dos municípios interessados em realizar experiências relacionadas com rendimento básico. Escrevia a amigos e conhecidos; usei as redes sociais (LinnkedIn, Facebook e Twitter); enviei comunicados; e mencionei a campanha durante o meu trabalho, que continuou em paralelo. No final consegui 25 mil euros, o equivalente a um rendimento básico de dois anos (mil euros por mês). Metade do dinheiro foi conseguido através de doações de 361 pessoas, que o fizeram ou porque simpatizavam com a ideia do rendimento básico ou porque desejavam apoiar alguém que trabalhava em algo de bom para a sociedade. Algumas das quais eu conhecia muito bem, outras nunca vi na minha vida.

Existem cerca de 30 projetos de rendimento básico em curso em municípios holandeses. Qual é o ambiente em torno desta ideia, no seu país?

A ideia de um rendimento básico fez rápidos progressos na Holanda, durante os últimos dois anos. Membros de quase todos os partidos políticos estão agora envolvidos na implementação de projetos de rendimento básico. Hoje em dia, a discussão sobre o rendimento básico é muito animada em todo o país. Esta mudança ocorreu num movimento da base para o topo, através de iniciativas de cidadãos, de académicos, de políticos locais... Os partidos políticos nacionais ficaram um pouco desfasados, mas a maioria, atualmente, apoia as experiências dentro do nosso sistema de segurança social. Contudo, ainda estamos muito longe de aplicar o rendimento básico a uma escala nacional e muitos dos projetos não são de rendimento básico puro mas apenas de alguns dos seus aspetos (incondicionalidade e a remoção as armadilha da pobreza). Na verdade, a maior parte dos iniciativas nem sequer pretendem ser consideradas projetos de rendimento básico, pois a discussão sobre o rendimento básico ainda é sensível a novel nacional.

Os detratores do rendimento básico argumentam que uma iniciativa desta natureza irá financiar a inatividade, tornará quase impossível encontrar candidatos para empregos mal pagos mas essenciais (por exemplo, de limpeza de ruas) e que acabará com a ideia de que o rendimento depende do esforço e do mérito. O que tem a dizer-lhes?

Quanto ao primeiro argumento: é um preconceito não apoiado pela ciência. Na verdade, há dados que demonstram que a inatividade é mesmo o que não acontece e que as pessoas se tornam mais produtivas. E esta é mais uma razão para realizar experiências (eu próprio não sou um apoiante incondicional do rendimento básico mas sim um apoiante da ideia que se façam experiências em relação a esta matéria).

Quanto ao segundo: esses trabalhos teriam de ser mais bem pagos, o que provavelmente é uma coisa boa.

Em relação ao terceiro: o rendimento básico não é a defesa de que tenhamos todos o mesmo rendimento mas a remoção da insegurança e da pobreza da equação. Deste modo, o mercado de trabalho e o rendimento podem funcionar melhor em função do esforço e do mérito em vez de as pessoas terem de aceitar qualquer trabalho que lhes apareça (que é uma distorção do mercado).

Como é que se financia um esquema geral de rendimento básico?

Há muitas formas de o fazer e a escolha depende do contexto político (por exemplo, pode-se usar um impostos sobre o capital, sobre o rendimento, sobre o consumo ou sobre o ambiente). É possível financiar o rendimento básico e torná-lo sustentável porque não se trata de dar dinheiro extra às pessoas mas apenas de garantir uma base para todos. A maioria das pessoas pagaria de volta o seu rendimento básico através de impostos. A grande diferença é que se garantiria segurança a todos, o que poderia dar origem a muitas formas de benefícios económicos: menos despesa em saúde, maior produtividade, menor criminalidade, mais espaço para a inovação.

A criação de um esquema de rendimento básico tornaria as políticas do Estado Social desnecessárias? O Estado deveria continuar a financiar a Educação, o a Saúde e as pensões? E se o fizesse, como teria recursos para ainda financiar um esquema de rendimento básico?

A ideia do rendimento básico não altera em nada a necessidade desses esquemas sociais. Claro que algumas prestações deixariam de existir (por exemplo, as prestações para evitar a pobreza).

Qual seria o limiar para um esquema de rendimento básico?

Depende do contexto de cada país e da ideia de justiça. O Rendimento Básico deve permitir uma sensação de segurança mas qual o valor que a permite é muito difícil de determinar. Pode-se, claro, testar através de experiências mas também é necessário que se chegue a um compromisso político que determine o valor exato a receber. A maioria das propostas varia entre os 500 e os 2 mil euros por mês.

Como seria possível um sistema de rendimento básico se uns países os assegurassem e outros não? Imagine que um país rico como o seu financia um rendimento básico e que os seus beneficiários se mudam para Portugal onde se consegue um bom nível de vida com menos de 1000 euros por mês...

Esse é um dos maiores desafios do rendimento básico: é difícil de implementar localmente ou pelo menos a uma escala inferior à europeia. Contudo, pode-se pensar em algum tipo de compromisso que limite esses efeitos, tais como condições de cidadania ou lugar de residência ou de trabalho. Essas condições também são hoje usadas para os sistemas de segurança social.