Sofia Lorena, in "Público"
A organização internacional Médicos Sem Fronteiras decidiu deixar de aceitar qualquer ? nanciamento da União Europeia em resposta ao acordo assinado a 20 de Março para a devolução à Turquia de todos os refugiados que cheguem às ilhas gregas a partir dessa data. “Estamos a fazer uma re? exão séria interna sobre o acordo e isso passa por re? ectir sobre os ? nanciamentos de uma União que faz uma instrumentalização da ajuda humanitária”, diz Susana de Deus, a lisboeta que dirige os MSF-Brasil.
“De momento não estamos a receber novos ? nanciamentos, enquanto decorre uma avaliação interna sobre as consequências que a nosso ver este acordo desastroso vai trazer para as tpopulações deslocadas”, explica a responsável, de passagem por Lisboa. Esta decisão não afecta a gigantesca operação dos MSF na Europa, nos países de origem (Turquia, Jordânia, Líbano, Iraque, Chade) e de trânsito (Líbia ou Norte de África), que dependem de fundos próprios.
Ao contrário de outras ONG, os MSF não ponderam sair da Grécia em protesto contra o acordo, mas já abandonaram Moria, em Lesbos, “porque era um centro de acolhimento que foi transformado em centro de detenção” e Susana de Deus descreve “uma situação a piorar” todos os dias. “Os centros que eram de passagem passaram a ser centros de detenção, onde as pessoas esperam períodos in? nitos para serem registadas. Não há condições de água e saneamento. Existem ratos, cobras.
Os bebés que nascem em território europeu estão a nascer em situações desumanas”, descreve.
Do ponto de vista da saúde, as más condições destes centros originam “problemas dermatológicos e gastrointestinais”, para além das doenças respiratórias.
Na Grécia, a ONG está particularmente preocupada com “os menores desacompanhados e mães sozinhas com os ? lhos, num ambiente cada vez mais tenso e de mais vulnerabilidade”.
Médicos Sem Fronteiras reavaliam relação com a UE Enquanto as pessoas conseguiam seguir viagem, antes do acordo e do encerramento das fronteiras, pelo menos tinham uma expectativa de melhoria das suas situações; agora só há “desespero” e “há já tentativas de suicídio entre as pessoas na Grécia”, avisa Susana de Deus. Os MSF conseguem manter quase sempre acesso a estas pessoas nunca abandonaram o campo de Idomeni, junto à fronteira com a Macedónia, por exemplo e têm equipas de saúde mental em todos os lugares onde estão presentes.
Em relação aos que começam a ser reenviados para a Turquia, os MSF “estão especialmente preocupados com os casos de doentes crónicos”, sublinhando que “é preciso garantir que levam consigo a medicação necessária para algum tempo”.
Os milhões prometidos à Turquia no acordo de Março funcionam como “ilusão de se estar a resolver alguma coisa”, mas são apenas o último episódio da “cegueira dos líderes europeus”, que insistem que “a Europa está a receber os refugiados do mundo, uma mentira absoluta”, já que aqui chegam uma ín? ma parte dos 60 milhões de refugiados e deslocados actuais, diz Susana de Deus.
Por causa desta “crise institucional”, os MSF lançaram-se nos últimos dois anos em actividades que nunca tinham ponderado realizar.
“Somos compelidos a fazer coisas que nunca tínhamos feito.” Como quem chegava não tinha informação sobre o processo de pedido de asilo, a ONG criou equipas de aconselhamento legal. Como se morre no mar, os MSF puseram três barcos a resgatar gente, nalguns casos em cooperação com outras organizações.
Já em 2016, entre 21 de Abril e 31 de Maio, estas três embarcações resgataram 1953 pessoas e receberam outras 1793 retiradas do mar por outros barcos. Ao longo do ano passado, estas missões resgataram mais de 23 mil pessoas no Mediterrâneo e mais de 14 mil no mar Egeu. Ao todo, entre os resgatados no mar e os atendidos nos locais de chegada, os MSF trataram mais de 100 mil refugiados na Europa em 2015.