Catarina Marques Rodrigues, in o Observador
Querem conhecer o mundo e ser voluntários. Garantem que vêm mais maduros e com certezas sobre o futuro. Pais temem pela segurança e pela perda de um ano. Mas as empresas aplaudem.
Depois de 12 anos de escola, o que é que se segue? Mais escola. Uma licenciatura, provavelmente o mestrado e depois (talvez) um emprego. Um percurso limpinho, sem desvios. Mas há quem prefira quebrar o ciclo por um ano: é o “gap year” ou “ano sabático”. Para descansar, para viajar, para fazer voluntariado, para estudar uma língua ou simplesmente para decidir o que fazer a seguir.
Passada a fase da moda, o “gap year” é hoje sublinhado com caneta de ouro pelos empregadores quando o encontram nos currículos. Querem miúdos desenrascados e que já tenham visto mais mundo além de livros e paredes de salas de aula; e os “gappers” acabam por descobrem um futuro profissional mais claro. Pelo meio ainda recebem injeções de maturidade, dizem. Afinal, quais são as consequências de fazer um intervalo nos estudos?
500 euros para 5 meses a viajar pela Europa? Fácil
De Tomar para o mundo. Joana Paulino Mendes era uma miúda convicta do que queria. Estudou durante todo o secundário com a meta “entrar em Medicina” a zumbir na cabeça. Mas os exames nacionais do 12º ano destronaram as esperanças. Em bom português: “Espalhei-me ao comprido. Foi uma grande frustração. Estudei três anos para aquilo”, recorda.
O sonho de “salvar vidas” morreu ali, mas pouco depois começou a desenhar-se a viagem da sua vida. Joana foi com a mãe a um encontro da associação Gap Year Portugal e saiu de lá determinada a ser “gapper”. Medicina, já foste (ou era, pelo menos por agora).
Joana Gap Year
Fotografia da viagem, cedida por Joana Paulino Mendes.
Primeira ideia: viajar por África durante 5 meses, para fazer voluntariado. Problema: orçamento. Joana tinha só umas poupanças no banco e estava a trabalhar num part time numa churrasqueira, a fazer atendimento ao público. O salário não era maravilhoso e a rapariga, na altura com 18 anos, não queria ficar a dever aos pais. Por isso, havia que ficar mais perto.
Quanto dura um gap year?
“No gap year, o estudante está fora da sua zona de conforto. Dura à volta de seis meses. Por norma, os estudantes vão em setembro/outubro e regressam em março/abril. Não é um ano civil porque a ideia é regressarem e irem para o ensino superior”.
Gonçalo Azevedo Silva, presidente da Gap Year Portugal
Segunda e definitiva ideia: viajar durante 5 meses pela Europa. Para dar mais sal à coisa, já que não dava para ir muito longe, Joana decidiu pôr um limite a si própria: só podia gastar 500 euros no total. Chegou mesmo a ponderar gastar apenas 2 euros por dia, mínimo que nem sempre conseguiu cumprir. Mas foram mesmo só 500 euros que deram para visitar 16 países, de França à Croácia, da Áustria à Eslováquia. Hoje, Joana é feliz a estudar… Gestão. Já vai para o 3º ano.
"Passar de estudante de Medicina a uma rapariga que andava à boleia não foi fácil para os meus pais. Mas depois foram vendo que as coisas iam correndo bem"
Joana Paulino Mendes
E o dinheiro? Não é melhor poupar para um carro?
Fazer um Gap Year custa em média entre 3000 e 4500 euros, diz Gonçalo Azevedo Silva, socorrendo-se das estatísticas da Gap Year Portugal, a que preside. O valor pode subir mas também pode descer drasticamente, consoante as possibilidades e vontades de cada um. “Houve um rapaz que fez 6 a 7 países na Ásia por muito pouco dinheiro. Na Índia, por exemplo, dá para comer por um euro ou ficar num hotel por 4 euros”, ilustra. Por isso, a ideia de que um ano sabático é uma opção só para ricos é um mito, defende. E mesmo que a experiência bata nos 4 mil euros, “um ano de licenciatura não fica assim tão longe” desse preço, diz.
Segundo um estudo de 2012, realizado pela Universidade de Lisboa e intitulado “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português”, o ensinosuperior absorve mais de um quinto dos rendimentos das famílias portuguesas com filhos em universidades. No grupo de 16 países, Portugal é um dos que o esforço financeiro dos pais para ter um filho no ensino superior é maior — comparando com a média de rendimentos do país.
"Há aquela coisa de ‘o meu pai é engenheiro, eu quero ser engenheiro'. Depois chegam lá fora e percebem que gostam é de marketing"
Constança Oliveira e Sousa, responsável da Education First
O dinheiro é relativo e o que se consegue fazer com ele também. Joana gastou tão pouco dinheiro em 5 meses porque ficava a dormir em casa de locais — fazia couch surfing — e apanhava quase sempre boleia para mudar de país — foram 90 boleias no total. O pai é que não achou muita piada, mas já lá vamos.
Joana não é a única. “Nós temos jovens que fazem viagens para Moçambique e lá têm associações que oferecem alimentação e alojamento, por exemplo, em troca do trabalho de voluntariado. Portanto aqui, em termos de custos, falamos só dos voos e de algumas despesas pessoais”, explica o responsável. Há quem vá trabalhando nos sítios por onde passa — em hostéis, por exemplo — e troque o trabalho por estadia — o chamado “work exchange”. Há outros que arriscam tudo: “Uma jovem esteve algum tempo a trabalhar para fazer um gap year nos Estados Unidos. Chegou lá e esteve a trabalhar para depois voltar para Portugal”.
Hoje viajar pode ser mesmo muito barato. Viajar não é caro, o caro pode ser estar em Portugal, como diz o Gonçalo Cadilhe”.
Vários jovens ouvidos pelo Observador apontam as “poupanças” como a fonte de rendimento para o gap year –– a maioria é feita do dinheiro dado pelos avós e pelos tios nas festas de anos e festas religiosas, por exemplo. Mas a experiência de Gonçalo diz-lhe que a maioria do dinheiro vem dos pais, visto que a grande parte dos jovens nunca trabalhou e, no gap year, preferem ir fazer voluntariado e conhecer o mundo.
"Uma pessoa sente-se capaz de tudo. Lá fora estamos sempre a ser confrontados com problemas e temos de os resolver por nós. Quando chegamos cá, tornamos tudo mais simples"
Gonçalo Azevedo e Silva, que também fez um gap year
Ter uma casa e ter um carro são dois objetivos materiais que simbolizam o início da vida adulta e para os quais muitos começam a poupar os primeiros ordenados. Os milhares que se vão gastar na viagem de um gap year já dariam para começar a pensar no automóvel mas, para os gappers, o dinheiro aplicado na viagem é muito bem gasto. “Ter um carro seria um luxo. Fazer uma viagem destas é uma aprendizagem que eu precisava. Em vez de investir num bem, investi em mim”, aponta Guilherme Teixeira.
O rapaz de 22 anos estudou Economia na Faculdade do Porto e optou por tirar um ano sabático a seguir à licenciatura. Com o curso estava tudo ok, mas Guilherme sentia-se “demasiado novo para trabalhar” e as ofertas de emprego não o motivavam. Apeteceu-lhe ir “preparar o futuro” e acabou a perceber que estava a precisar daquela desintoxicação.
“Agora sei que precisava por causa da educação que eu tinha. Em economia, nós aprendemos um pensamento ultra capitalista, fazem-nos pessoas ambiciosas ao extremo. Tornam-nos egoístas. E nesta viagem percebi que podemos fazer muito com pouco”, explica Guilherme. Aprende-se o altruísmo, remata.
Obama anunciou em maio que a filha mais velha, Malia, vai fazer um gap year antes de ir para a Universidade de Harvard. Os media dispararam artigos sobre as vantagens da paragem.
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“Os jovens não conhecem nada além da escola”
Depois de anos e anos de livros, uma pausa para viajar ou para fazer voluntariado é um trunfo que distingue um aluno dos milhares que fizeram tudo igual e seguido: ensino básico, secundário, licenciatura e mestrado. “Eles percebem que estiveram a vida toda na escola e não conhecem mais nada além daquilo. Nunca saíram daquele ambiente controlado de educação formal”, explica Gonçalo Azevedo Silva.
Do lado dos empregadores, esta formatação significa muitas vezes imaturidade e pouca distinção entre os alunos. Nuno Troni faz vida de analisar e recrutar candidatos que as empresas vão gostar. Enquanto diretor da área de Professionals da Randstad, diz-se fã de gap years no currículo. Até porque licenciados há muitos. “Nos recém licenciados, a experiência de trabalho é nula. O que é que os diferencia? Pode ser a nota de final de curso, que vale o que vale, e para mim não é o mais importante”, remata.
Na sala de aula aprendes teoria. A viajar aprendes sobre a vida”, diz Guilherme Teixeira.
Então, o que é que os torna únicos à luz dos empregadores? “As coisas que já fizeram e a visão que têm do mundo são coisas muito mais importantes. Seja viajar, seja fazer voluntariado, são tudo coisas que valorizam os candidatos. Ganha, mundo, abrem um pouco as vistas. Hoje em dia os alunos acabam o curso muito novos, com 20 anos, 21 anos. Ainda são muito imaturos. Conhecer outras realidades e outras culturas dá-lhes maturidade e pragmatismo — nós estamos habituados a analisar tudo pela nossa perspetiva e, quando conhecemos outras culturas, vemos outras formas de analisar as coisas”, considera Nuno Troni.
O responsável admite mesmo que sublinha os candidatos que fizeram este tipo de experiências. “Quando recruto, valorizo muito este tipo de experiências. Pergunto sempre porque é que fizeram, o que fizeram, o que é que aprenderam”, explica.
"A experiência de trabalho dos recém licenciados é nula. O que é que os diferencia? Pode ser a nota de final de curso, que vale o que vale. Para mim, a visão que têm do mundo é muito mais importante"
Nuno Troni, diretor da área de Professionals da Randstad
Os candidatos gostam da experiência e as empresas agradecem. Há mesmo algumas que já pedem candidatos com experiências internacionais, revela Jorge Macedo, manager da área de Finance da Spring Professional na Adecco. A consultora de recursos humanos faz o mesmo trabalho que a Randstad — poupando tempo às empresas no recrutamento ao arranjar os melhores candidatos para determinadas funções. As empresas pagam a estas consultoras e confiam que só vão receber as pessoas mais qualificadas e habilitadas do mercado.
Nessas qualificações é já valorizado o gap year, mas também outras experiências internacionais: “Erasmus, estágios em diferentes contextos, geografias ou setores de trabalho de aproximação à vida ativa (quase obrigatórios em outros países do norte europeu), projetos académicos desportivos internacionais e todo o associativismo orientado para um projeto internacional, como os centros de investigação europeus”, aponta Jorge Macedo.
Em determinados empregos a experiência internacional é por vezes “decisiva” na contratação, como em “empresas multinacionais” ou em empresas que tenham “colaboradores de diferentes nacionalidades”, aponta o responsável da Adecco. A mobilidade e o espírito aberto são qualidades que, por norma, são apreciadas nos candidatos e identificadas nos “viajantes”.
"Quem contrata está a avaliar o potencial de adaptabilidade a uma função. Qualquer experiência que escape à rotina da caminhada académica normal, como um gap year, Erasmus, voluntariado ou viagens internacionais, é sempre valor acrescentado"
Jorge Macedo, Manager da área de Finance da Adecco
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“Não pode ser um ano de férias à conta dos pais”
Em fevereiro deste ano, Guilherme Teixeira apanhou um avião para a Índia e há uma semana voltou para Portugal. Durante cinco meses passou pelo Camboja, por Laos, Hong Kong, Macau, pela Tailândia e outros países do Oriente. No Nepal fez duas semanas de voluntariado com crianças e no Vietname cumpriu sete semanas também de voluntariado a dar aulas de inglês numa escola.
Levou 3500 euros na mala, resultado de uma conta no banco que os pais abriram quando Guilherme nasceu. Sem saberem, avós e familiares contribuíram em cada aniversário para a viagem que o rapaz viria a fazer. “Eu peguei nos 3500 euros e disse: vou viajar com este dinheiro até onde puder. E ainda sobrou dinheiro!”, conta, entre risos.
Só fez três viagens de avião e tudo o resto de autocarro: “Fazia sempre as viagens de autocarro durante a noite porque assim poupava uma noite de hotel”, refere. Grande parte do dinheiro gastou nos vistos, em comissões para levantar dinheiro nos locais e em algumas atrações turísticas. De resto, fez couch surfing (ficar no sofá de locais) e gastou pouco em refeições. “Os próprios países são baratos. Gastava 3 dólares (pouco mais de 2 euros) para dormir e numa refeição completa às vezes gastava 1 dólar (menos de 1 euro)”.
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Fotografias da viagem, cedidas pelo próprio. (Composição: Andreia Reisinho Costa)
Guilherme diz que regateava tudo, até por cêntimos, porque a poupança também pode ser viciante. No extremo oposto estão alguns conhecidos que vão de férias apenas”relaxar”. “Havia muita gente que ia para lá beber todos os dias”, refere Guilherme. “Podes ir para bons hotéis, para resorts e fazer umas férias de rei. Ou podes integrar-te na comunidade, comer o que os locais comem e ficar onde eles estão. Aí é que vês a importância da viagem”, defende.
Mas há quem ache a ideia errada. Contactada pelo Observador, a psicóloga e responsável do projeto “Aventura Social” mostrou-se bastante crítica em relação à defesa cega da experiência: “O gap year não pode ser um ano de férias à conta dos pais. Não pode ser um ano de irresponsabilidade ou de desperdício. Tem de ser um ano de autossustento, de responsabilização e de reflexão sobre o futuro”, começa por atirar Margarida Gaspar de Matos.
Se os miúdos estiverem conscientes, tudo bem, mas o problema é que também falta um empurrão: “Temos estudos que sugerem que os pais portugueses são dos mais protetores, os nossos jovens são dos que têm menos autonomia, somos também dos mais pobres e dos mais agarrados à família — nem que seja pelo conflito”, diz a coordenadora em Portugal do estudo da Organização Mundial de Saúde “Health Behaviour in School-Aged Children”.
"Os nossos jovens são dos que têm menos autonomia e são dos mais agarrados à família -- nem que seja pelo conflito"
Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e coordenadora do "Atividade Social"
Estudar uma língua pode chegar aos 20 mil euros
Além do voluntariado e do viajar por si só, praticar uma língua num país estrangeiro é outra das opções. Esta opção é organizada por escolas de línguas e pode ter um custo bastante elevado. Na Education First (EF), os cursos de curta duração são de 15 dias e os de longa duração podem ser de um semestre ou um ano. No mínimo, paga-se 12 mil euros e no máximo 20 mil, valor que não inclui viagens de avião nem despesas pessoais.
“Nós acreditamos que uma língua aprende-se mais depressa e melhor se os alunos viajarem para o país, para além das imensas competências que ganham”, diz Constança Oliveira e Sousa, responsável pela escola em Portugal. Mas os valores não são definitivamente para todos.
Parar para aprender uma língua
O jovem vai por exemplo para Londres para aprender melhor inglês. Fica numa casa de uma família local, de manhã vai às aulas e à tarde tem atividades. Há também excursões ao fim de semana.
Rafaela Simas foi uma das felizes contempladas. Não pela EF, mas pela Multiway, que também organiza cursos no estrangeiro. O gap year dela acaba de terminar e aconteceu no 11º ano, mais cedo que a maioria. Os pais disseram que “sim” e ela lá foi para os Estados Unidos. Ficou no estado do Tennessee com uma família de acolhimento. Prepara-se agora para entrar no 12º ano, já em Portugal.
Hoje, com 17 anos, Rafaela diz estar “com a mente mais aberta” e “mais crescida”. Mas como é que isso se vê na prática? “Apesar de estarmos com uma família, nós é que tínhamos de fazer as nossas coisas: deixar o quarto arrumado, meter a nossa roupa para lavar, etc. Agora chego cá e acabo por fazer isso sozinha. Já não deixo para a minha empregada ou para a minha mãe”.
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Rafaela à chegada aos EUA, num jogo de futebol americano e com a família de acolhimento. (Composição: Andreia Reisinho Costa)
A própria confiança dos pais aumentou, garante. “Acho que eles notam que estou mais independente. Já há uma confiança maior, por exemplo nas saídas à noite. Estou mais organizada. Já sabem que consigo fazer as coisas sozinha”, explica.
Sair da zona de conforto também fez com que Rafaela mudasse o foco. “Eu já estava decidida que ia para Direito, que queria ser advogada, mas agora a minha ideia é Relações Internacionais ou Comunicação e Marketing. Gosto de estar lá fora, gosto de comunicar. Ficou cá o bichinho”, resume.
"Estar noutros ambientes fá-los desenvolver outras competências. E isso vê-se depois na forma como participam numa discussão, como conversam, como expõem opiniões"
Nuno Troni, diretor da área de Professionals da Randstad
Perder ou não perder um ano, eis a questão
Um ano faz diferença? A questão divide opiniões. “O meu pai preocupava-se com isso. Dizia: ‘vais perder um ano, vais acabar o curso um ano mais tarde’, mas eu acho que a experiência compensa”, diz Joana. O diretor de Professionals da Randstad também desvaloriza: “É indiferente acabar o curso com 20 ou 21 anos. Para o mundo do trabalho, é irrelevante. Têm sempre 46 ou 47 anos de trabalho à frente. O fundamental é o perfil que a pessoa tem”, assegura Nuno Troni.
Guilherme está prestes a voar para Milão, onde vai fazer o mestrado em Gestão Internacional. O gap year não só não atrapalhou como ainda contribuiu para que o aceitassem neste curso, garante. “E há muita gente que até trabalha para fazer o mestrado. No mestrado tens gente que parou de estudar e que voltou depois. Não é problemático”, considera.
Constança Oliveira e Sousa, da Education First, estranha a pergunta: “Perder um ano? Eu acho que se ganha um ano! Repare que muitos alunos entram num curso, começam a não gostar, chegam ao segundo ano e continuam porque os pais insistem — já que já só falta um — chegam ao terceiro ano, já não aguentam mais e desistem. Aí é que se perdem três anos. Mais vale aproveitar aquele ano para saber exatamente o que querem”, sentencia.
Há um conformismo e um conforto de ficar no seu país, sempre com as mesmas pessoas e com os mesmos cantos conhecidos. As pessoas encostam-se”
Ela própria viveu seis anos nos EUA, experiência que “só fez bem”, e acompanha muitos alunos que decidem fazer um ano sabático. Todos diferentes, mas todos no mesmo padrão: vêm mais independentes. “Um jovem que não fala alemão mas que está no meio da Alemanha e precisa de alguma coisa, tem de se desenvencilhar. Outro que chega à noite e o metro fecha, tem de arranjar uma forma de chegar a casa”, exemplifica.
“A autonomia ganha-se no dia a dia. ‘Tenho pouco dinheiro até ao fim do mês, então tenho de poupar. Tenho uma festa logo à noite, a morada é aqui: tenho de ver os transportes que há, os horários, os preços… Se calhar em casa pedia ajuda ao pai e pronto, mas se está fora não, tem de se desenrascar. Tudo isso torna-o mais forte”, explica Constança. Eu quando tenho um funcionário quero que ele seja autónomo, não quero que ele me peça ajuda para tudo“, remata.
"É indiferente acabar o curso com 20 ou com 21 anos. Para o mundo do trabalho, é irrelevante. Tem mais 46, 47 anos de trabalho à frente. O que é fundamental é o perfil e a riqueza das experiencias que se tem"
Nuno Troni, diretor da área de Professionals da Randstad
Fugir para decidir o que se quer ao voltar? Gonçalo Azevedo Silva conta que, na base da vontade de ir, está muitas vezes a indefinição em relação ao que se quer fazer no futuro. Muitos não sabem o curso que querem tirar ou a profissão que desejam ter. A Gap Year organiza eventos em escolas secundárias para divulgar as várias opções e, aí, os organizadores encontram muita indecisão.
“Quando perguntamos se já têm a certeza do que querem, a maioria diz que não. Não sabem o que hão de escolher e não têm noção nenhuma do que é a realidade do ensino superior. A maior parte decide por aquilo que um amigo disse, ou por aquilo que os pais disseram, ou pela faculdade que deu mais informação quando foram à feira de emprego que costuma haver para os finalistas do secundário”, aponta Gonçalo. Nuno Troni alinha no mesmo sentido: “Nós temos um problema gravíssimo. Os nossos alunos desconhecem o que é o mundo laboral. Escolhem um curso mas não sabem as saídas nem o que podem fazer com esse curso”.
A ideia é que a distância física que um gap year implica ajude a que o jovem pense por si e que também teste as suas capacidades: porque vai ter de se desenvencilhar sem ajuda dos mais próximos, vai perceber quais são as suas verdadeiras capacidades e limites, vai perceber o que gosta e o que não gosta.
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Assaltos, abusos sexuais, doenças. “Pais, vai tudo correr bem”
O pai não queria e a avó ligou-lhe todos os dias na primeira semana a pedir para “largar aquela ideia maluca” e voltar para Tomar, a terra natal. A mãe até a incentivou, mas no momento da ida chegou a preocupação.
“Estavam preocupados, sim. Sobretudo por ser rapariga. Até porque apanhei imensas boleias e ficava sempre em casa de outras pessoas. Mas eu falava sempre com os meus pais por Skype e eles também falavam com as pessoas que me davam casa. E isso foi acalmando as preocupações. Nunca tive problemas de segurança e isso deu-me força a mim e tranquilidade a eles”, ilustra Joana Paulino. “Esta viagem também foi um crescimento para eles”.
A Gap Year Portugal recebe pessoas que estão interessadas em fazer a experiência — ou seja, em tirar uns meses para fazer voluntariado ou conhecer o mundo — e traça-lhes um plano: orienta cada pessoa consoante o país que querem, o tempo que pretendem despender e o que querem fazer com ele. Há quem decida fazer esta interrupção da licenciatura para o mestrado, mas a maioria fá-lo do secundário para a licenciatura — e esses têm 17, 18 ou 19 anos. Rapazes e raparigas que precisam da autorização (e do dinheiro) dos pais para embarcar na aventura.
"Já há pais que acham que os filhos são pessoas muito acanhadas e que precisam de algo que lhes abra os horizontes. Então pedem-nos ajuda para os convencer a ir"
Gonçalo Azevedo Silva, presidente da Gap Year Portugal
“Os pais primeiro dizem que não, mas nós incentivamos o jovem a elaborar um projeto. Não é ir dar uma volta, é elaborar um plano e mostrá-lo aos pais. Também ajuda conhecer outras pessoas que já tenham feito a viagem e falar disso com os pais. Assim eles vão percebendo”, diz.
“A maior preocupação é a segurança. Se os locais são seguros, se estão protegidos, se vão ser assaltados. No caso das raparigas, preocupam-se com a questão dos abusos”, explica o presidente da associação. “Mas já há pais muito informados que percebem que o mundo está a mudar e que até já nos pedem ajuda para convencer os filhos. Percebem que as exigências do mercado de trabalho são diferentes. Antigamente, quem tinha licenciatura tinha emprego garantido. Hoje só a licenciatura quase não garante nada”.