Gonçalo Carrilho, in Público on-line
Hoje mais do que nunca urge, como recentemente sugeriram Seixas da Costa, João Salgueiro e outros, lançar o debate nacional sobre “Portugal no mundo”. Façamo-lo enquanto há tempo.
Tenho o privilégio de fazer parte de uma geração neta de Abril e filha da União Europeia. Uma geração que teve a sorte de nascer depois de 1974 e a felicidade de crescer num Portugal europeu.
Olhemos para indicadores ao nível da saúde (taxa de mortalidade infantil é exemplo paradigmático), da educação (n.º de cidadãos a frequentar o ensino básico ou superior) ou mesmo da economia (destaco a abertura da economia ao mercado europeu como fator da sua sobrevivência) e só podemos concluir isso mesmo: sorte e felicidade a nossa… Na senda dos eurocéticos dir-se-á “podia ter sido melhor”. A isso respondo: no caso português, sem a União Europeia, “seria muito pior”; está, aliás, por demonstrar o contrário.
Pois bem, esta geração – que no Reino Unido votou maioritariamente “remain” – apreendeu e viveu a integração europeia num contexto único. Sem guerra, num ambiente europeu de defesa dos valores da dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, da justiça ou da solidariedade. Sentiu, nomeadamente pelo “Erasmus”, a pertença a um espaço sem fronteiras, de livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais.
No entanto, ao contrário do que possa parecer, a gratidão ao projeto europeu não significa uma qualquer nuvem em torno das evidentes fragilidades desta União Europeia, nem perturba o sentimento de profunda desilusão dos cidadãos com o status quo europeu.
Na verdade, é cada vez mais claro e dececionante para todos que o modelo de governo estrategicamente delineado pelos grandes Estados – verdadeiro “desgoverno”, visível na panóplia de “Presidentes” de órgãos com relevo decisório – resulta no bloqueio da integração europeia, tendo em vista a garantia de controlo da política europeia por determinados países.
Sendo certo que, essa estratégia, acompanhada de uma política monetária errática e precipitada, sobretudo para os países do sul, vem arrastando a União Europeia para um caminho desconhecido. De tal forma que o inesperado aconteceu: o Reino Unido está prestes a abandonar a UE.
Perante este cenário, Portugal tem todas as razões para “ligar os alarmes”. É bom lembrar que os principais destinos das nossas exportações são Espanha, França, Alemanha, Reino Unido e ainda os Estados Unidos da América, por esta ordem. Assim, a eventual desintegração europeia – acelerada ou progressiva – não pode deixar de constituir uma preocupação nacional e uma hipótese a considerar, atenta a enorme exposição e dependência da economia portuguesa face à UE e seus Estados-Membros.
Neste contexto, e perante a realidade de facto com que nos deparamos, reveladora de uma inexplicável indiferença dos principais Estados e órgãos da UE ao descontentamento com a União, e nessa medida potenciadora de saídas de outros países como a Holanda, torna-se imperioso pensar uma estratégia nacional para a possibilidade de retrocesso da integração comunitária.
Nesse quadro, todas as hipóteses devem ser consideradas.
Sem prejuízo de, a curto prazo, se impor um reforço dos laços com os países para os quais mais exportamos, sem esquecer as ligações aos países da CPLP, importa desde já refletir sobre a aposta no Atlântico, concretamente o reforço da aproximação aos Estados Unidos da América, sob todos os pontos de vista (designadamente, económico, militar, financeiro).
Perante a hipotética desagregação da Europa, só nos EUA poderemos encontrar um aliado com dimensão e capacidade de resposta aos desafios de um mundo globalizado e ao “choque de civilizações”, antecipado na década de 90 por Samuel Huntington, hoje em implosão em diversos pontos do Mundo. Se ao nível militar só os EUA podem hoje garantir a efetiva proteção das democracias ocidentais perante as ameaças da Federação Russa, da Coreia do Norte ou do Estado Islâmico, deve também considerar-se que, no âmbito de uma desagregação da União, será nos EUA que, a Ocidente, encontraremos verdadeira robustez económica e financeira (veja-se já hoje a situação da banca norte-americana e europeia, com clara vantagem para a primeira ao nível da capitalização). Neste plano, para Portugal, deve igualmente estar em cima da “mesa reflexão” a ponderação da questão monetária! Não na perspetiva, defendida por alguns, de abandono imediato do EURO e regresso ao ESCUDO, porventura difícil nos tempos de hoje, mas, por exemplo, equacionando até a possibilidade de integração numa outra moeda – como o DÓLAR – em caso de rutura da União Europeia e da sua moeda.
Em suma, olhemos para o “Brexit” como uma forte ameaça ao enquadramento político, económico e financeiro em que nos encontramos desde 1986, daí retirando a premência de, ao nível nacional, preparar o futuro e definir uma estratégia.
Com efeito, hoje mais do que nunca urge, como recentemente sugeriram Seixas da Costa, João Salgueiro e outros, lançar o debate nacional sobre “Portugal no mundo”. Façamo-lo enquanto há tempo.