25.7.16

“É possível criar muito emprego na economia social”

Mónica Silvares e Rosário Lira, in Económico

Portugal “ganharia muito em ter um novo programa estratégico de economia social e solidária e terceiro sector”, mas a esquerda não está “nas melhores condições” para o fazer. “Pode haver boicotes diversos”, reconhece Carvalho da Silva.

Combater o desemprego, a pobreza e a emigração são as três prioridades que Carvalho da Silva enuncia no Conversa Capital. Na entrevista ao Económico, Antena 1 e RTP 2, o antigo dirigente da CGT defende que Portugal "ganharia muito em ter um novo programa estratégico de economia social e solidária e terceiro sector". Isto porque esta é uma área onde é possível criar muito emprego. Contudo, reconhece que a composição à esquerda do Executivo não é um garante desta discussão. "Não se pense que esta é hoje uma área em que as diversas forças de esquerda estão em melhores condições para abordar, porque pode haver boicotes diversos", defende.

O que é neste momento capital em Portugal?
O que é fundamental é o pais encontrar condições para definir e efectivar um modelo de desenvolvimento próprio não significa isolado do mundo, mas que se dirija às necessidades, à possibilidade de utilização das capacidades que temos, dos meios que dispomos. E termos essa possibilidade concreta de ter um modelo de desenvolvimento que não olhe apenas o crescimento económico. Mas também dimensões múltiplas do desenvolvimento humano. Neste momento estamos muito impossibilitados de atingir este objectivo por uma série de constitucionalismos externos, por regras e práticas que estão instituídas na União Europeia. Neste modelo de desenvolvimento humano é capital responder a três questões: o desemprego, ou seja a criação de emprego e procurar que o emprego tenha qualidade, o combate à pobreza e às desigualdades, o estancar da emigração e reverter o saldo demográfico. Este problema da emigração é um problema gravíssimo para o qual não existe suficiente uma sensibilização da sociedade portuguesa, mas que está ao mesmo nível das preocupações que nos coloca o emprego e o combate à pobreza.

Falemos de um desses aspectos – o desemprego. Nos últimos números o desemprego tem vindo a diminuir mas a precariedade tem vindo a aumentar. Como é possível compatibilizar as duas tendências e justificar esta descida do desemprego?
Em situações como aquela em que vivemos é muito importante olhar para o desemprego e, simultaneamente olhar para o emprego: qual a taxa de emprego que temos, como se comporta, se há desfasamentos em relação à taxa de emprego, o tipo de emprego que temos – onde a questão da precariedade surge com toda a força – e também a situação dos desempregados (como é que se tratam os desempregados). Todas estas dimensões devem ser observadas.

Mas numa economia que não cresce como é que temos o desemprego a reduzir?
O conceito de crescimento e de competitividade são outras questões. No futuro as sociedades vão estar desafiadas a terem de encontrar soluções para o emprego debaixo do padrão comum de paradigmas, que não estão habituados. Esta ideia da inevitabilidade do crescimento, e sempre crescimento, pode não ser... Sem se secundarizar dimensões muito importantes que é olharmos para o conceito de industrialização muito amplo, do que se pode e deve fazer para que a economia tenha alguma sustentação, olhando, simultaneamente para outras áreas onde o emprego deve ser criado com qualidade, entre a aposta na formação, na investigação e no conhecimento, dinâmicas novas e novos tipos de actividade e de trabalho, novos tipos de emprego, por exemplo, Portugal ganharia muito – e esta até ser uma das prioridades em certas áreas das políticas – em ter uma discussão e um novo programa estratégico de economia social e solidária e terceiro sector.

Esta composição à esquerda do Executivo é terreno fértil para esse tipo de discussão que nestes oito meses de governação não assistimos.
Não se pense que esta é hoje uma área em que as diversas forças de esquerda estão em melhores condições para abordar, porque pode haver boicotes diversos. Falei nestas três expressões - economia social e solidária e terceiro sector – porque são realidade distintas. Hoje é possível conceber um terceiro sector, com uma amplitude que já não é a velha concepção do terceiro sector muito centrado no movimento cooperativo, é preciso apoiá-lo e desenvolvê-lo; e em certas actividades que marcavam o terceiro sector. Hoje há muita actividade de iniciativa pessoal, de pequenas actividades que beneficiam muito em ser consideradas no âmbito de terceiro sector. A economia social e solidária numa concepção de efectividade da cidadania. Ou seja, não vermos a economia social e solidária como se estava a encaminhar nos últimos anos, muito determinada por uma concepção de solidariedade um pouco de caridade ou de sistemas assistencialistas, muito voltadas para a sobrevivência, mas retirando aos indivíduos as dimensões da cidadania. É possível criar muito emprego, há muita actividade na economia social, uma reinvenção de novas formas económicas, da economia solidária que têm emprego que deve ser altamente valorizado.

Os fundos comunitários disponíveis nessa área podem ser fundamentais para a criação de emprego nesses sectores.
O Governo tem pegado em algumas componentes destas áreas e tem avançado medidas, mas isto precisa de uma discussão estratégica, de um envolvimento forte não apenas do poder central, mas de organizações, do movimento cooperativo e das autarquias – é muito importante que estejam envolvidas na discussão – toda uma teia de condições e de impulsos que se podem gerar para o desenvolvimento de actividades com estas características podem beneficiar, da intervenção do poder local se estiver organizado. O país precisa desta discussão estratégica, onde naturalmente entram as IPSS, algum tipo de fundações. Aí é preciso fazer algum tipo de reacertos. Tudo isto deve-se criar uma dinâmica que produz uma nova concepção de compromisso para estas áreas que fosse assumido. Há forças políticas de direita que têm grande influência em subsectores destes. É precisa uma discussão alargada.