Ana Cristina Pereira, in Público on-line
O número de desempregados inscritos no Instituto de Emprego atingiu em Maio o valor mais baixo deste século, mas os salários continuam baixos. Cerca de 21% dos trabalhadores por contra de outrem têm um contrato a termo ou estão noutra situação precária.
Duarte Silva gostava do seu trabalho. Imaginava-se “velhinho” naquela empresa de design de interiores. A empresa fechou as portas. E o desenhador projectista desceu aos infernos. Demorou a abrir-se uma porta. E essa dava para uma empresa de trabalho temporário – uma sucessão de contratos quinzenais e um call center.
Seria difícil o Governo ter melhor trunfo para usar no último debate do estado da nação, que nesta quarta-feira decorre na Assembleia da República: a taxa de desemprego era em Maio de 6,8%, segundo o Instituto Nacional de Estatística; o número de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) atingiu em Maio o valor mais baixo deste século (305.171). Para encontrar um número mais baixo do que este (297 mil) é preciso recuar até Dezembro de 1991.
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Quem fizer uma análise retrospectiva, como ainda agora fez Paulo Marques, do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, no estudo Menos Reformas, Melhores Políticas, ontem divulgado, encontrará evolução positiva na taxa de desemprego, nos salários, no tipo de relações contratuais, na cobertura da negociação colectiva. Só que ainda não houve uma “reversão completa”. Por considerar que, “apesar dos avanços alcançados”, subsistem "problemas”, a CGTP-IN agendou para esta quarta-feira uma manifestação nacional, que parte às 14h30 da Praça da Figueira e vai até à Assembleia da República.
O salário mínimo continua abaixo da média da União Europeia. A diferença entre o salário mínimo e o salário médio é uma das mais baixas. O rendimento do trabalho continua a perder peso face ao PIB – representava 52,1% em 2018, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho.
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Não é só o baixo valor do salário. É também a natureza do vínculo. No primeiro trimestre deste ano, os trabalhadores com contrato a termo e os trabalhadores noutras situações precárias representam 21,3% do total. Não muito diferente do que se encontra recuando até ao primeiro trimestre de 2011: 21,9%
Não é difícil encontrar exemplos. Albino Costa trabalhava havia 19 anos numa grande empresa de construção sediada no Grande Porto. Em Outubro de 2015, estava o país a discutir a formação do Governo, houve despedimento colectivo e rescisões amigáveis. “Fiquei um bocado à toa.” O engenheiro civil, de 51 anos, aproveitou o subsídio de desemprego e a indemnização para fazer um mestrado. Agora, trabalha por projecto. Passa recibos verdes. “Se antes tirava 2500 euros, agora tiro uma média de 1400/1500.” Viu muitos colegas a emigrar, mas nunca sentiu o impulso de partir. Acha que ser solteiro e não ter filhos lhe permitiu reajustar-se e ficar em Gondomar.
A situação de Duarte Silva mostra até aonde podem ir algumas destas perdas. Estava desempregado havia três meses quando a mulher, que trabalhava numa loja de souvenirs da Madeira, ficou na mesma situação. Tinham pedido um crédito à habitação, tinham uma filha de 11 anos para criar, estavam ambos desempregados e agravou-se a doença rara e crónica que fora diagnosticada à mulher em 2007.
Ela nunca mais conseguiu regressar ao mercado de trabalho. Recebe uma pensão de invalidez de 280 euros. Duarte conseguiu, mas, através de uma empresa de trabalho temporário. O contrato, renovado a cada 15 dias, tornou-se anual no final do ano passado. “Dá para sobreviver.”
Antes da crise da dívida, já havia estudiosos como José Machado Pais a alertar para as “trajectórias ioiô”, os jovens presos a transitoriedades feitas de estágios, cursos, subempregos, desempregos. Durante a crise, a precariedade generalizou-se, sintetiza Renato do Carmo. Este investigador do ISCTE nota que nos anos que se seguiram à troika criou-se muito emprego precário, muito associado ao turismo, com impacto na hotelaria, na restauração, no comércio a retalho e noutros sectores. Nos anos mais recentes já se nota uma subida de emprego permanente.
Salários vão melhorar?
Parece-lhe importante desmontar a ideia de naturalização da precariedade entre os mais jovens. “A experiência da precariedade não é nada natural”, salienta. “Afecta várias esferas do quotidiano. Afecta a capacidade de prever o futuro.” Sem prever o futuro, quem pode tomar decisões como sair de casa dos pais, investir em habitação própria ou ter uma criança?
O último estudo anual sobre o mercado de emprego e a situação social na Europa, divulgado pela Comissão Europeia há cerca de um mês, mostra que ainda há dois anos Portugal se destacava no espaço comunitário pela negativa. Mais de 80% dos trabalhadores jovens (menos de 35 anos) contratados a termo disseram que aceitaram o vínculo precário por falta de alternativa. Pior do que isso apenas Chipre (quase 90%). A média europeia é cerca de metade (45%).
A precariedade não afecta apenas os mais jovens. Também quem fica desempregado a meio da carreira contributiva ou mesmo no fim. E isso, nota Renato do Carmo, pode ser “traumatizante”. Até pela expectativa de emprego para a vida, a inexperiência de precariedade, os encargos, as responsabilidades que se possa ter com descendentes ou ascendentes.
“Quem sempre teve um emprego não faz ideia do que isto é”, diz Sofia Sá, engenheira agrónoma de 44 anos. “Uma pessoa tem de estar sempre a fazer-se à vida, sempre à procura de oportunidades.”
Trabalhava havia perto de 15 anos numa grande empresa sediada em Lisboa. Fazia avaliações para expropriação. A companhia foi encolhendo. “Foram despedindo pessoas. A minha vez chegou em 2014.” Voltou à terra, a Viseu, onde já estava o marido, professor no ensino superior. Não aproveitou para engravidar. Descobriu que estava grávida naquela altura. “Foi uma coincidência feliz.”
Para alargar hipóteses, frequentou pequenos cursos. Agora, dá formação e inspecciona explorações de agricultura biológica no distrito de Viseu. Como trabalha a recibos verdes, o rendimento é muito irregular. Somando tudo e dividindo por doze, não tira um salário mínimo mensal. Ganha três vezes menos do que quando estava em Lisboa. Reduziu os gastos ao essencial.
Não tem grande expectativa. Acha que quem perde um emprego estável nesta faixa etária jamais volta a encarrilar. O mercado de trabalho tende a estar menos disposto a reintegrar quem tem mais de 45 anos.
A situação pode estar a alterar-se. O emprego está a crescer acima da média entre os maiores de 45 anos. E os salários estão a começar a descolar. Pelas contas do Instituto Nacional de Estatística, o salário médio estava nos 951 euros em Abril, mais 3,1% do que no mês anterior, a maior variação dos últimos cinco anos.
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Renato do Carmo pergunta-se se esses já não serão sinais de mudança. Julga que, com a taxa de desemprego a atingir mínimos históricos, os empregadores vão ter de começar a melhorar as condições que oferecem.