Pedro Afonso, in O Observador
Esta é uma geração que para trabalhar abdica de quase tudo o resto; renuncia a constituir família, aos amigos, ao lazer e até à sua própria saúde. O mundo laboral sofre hoje uma grave desmoralização.
No nosso país, nos últimos anos, o acesso ao ensino melhorou significativamente. Para além de existirem mais jovens com formação académica, a qualidade dos nossos profissionais é reconhecida internacionalmente. Médicos, enfermeiros, engenheiros, economistas, arquitetos, etc., encontram com relativa facilidade oportunidades profissionais no estrangeiro e são valorizados pela sua boa preparação.
Apesar disso, o ambiente do trabalho em Portugal apresenta-se estranhamente hostil, com condições laborais inaceitáveis para um país desenvolvido. Comecemos pela relação que muitas empresas têm com o trabalhador doente ou que regressa de uma situação de doença. Em muitos casos, há um «castigo por ter ficado doente». Para ilustrar esta situação darei dois exemplos que testemunhei na última semana.
O primeiro caso é o de uma jovem licenciada que trabalha numa empresa de consultadoria. Teve o infortúnio de sofrer um acidente na deslocação para o trabalho e foi obrigada a permanecer em repouso absoluto durante um mês. A empresa entregou-lhe um computador portátil e pressionou-a a trabalhar a partir de casa. «Tive de o fazer, pois estou apenas há um ano na empresa e sabia que teria consequências se recusasse», explicou ela, com uma voz contristada.
O segundo caso é o de um motorista profissional que devido a uma depressão teve de ficar de baixa médica. Após o seu regresso foi castigado. Colocaram-no no trabalho de longo curso, afastando-o da vida familiar. «Aqui na empresa as doenças psiquiátricas são mal compreendidas, são vistas como uma manha para fugir ao trabalho. Já tinha acontecido a outros colegas», referiu ele resignado e com os olhos marejados de lágrimas.
Este comportamento, observado em muitas empresas, não é compreensível. Esta é uma postura desumana, eticamente reprovável e que gera uma enorme tensão laboral. Muitos, ao passarem por estas situações, tomam finalmente consciência de que as empresas não os valorizam; não os veem como pessoas.
O castigo do excesso de trabalho é outro fenómeno nacional inadmissível. A maioria dos jovens, que terminam os cursos superiores e que aceitam o seu primeiro emprego, já sabem o que os espera: jornadas de trabalho de 10-12 horas diárias. Isto é uma realidade em consultoras, escritórios de advogados, startups, empresas de marketing, imprensa, etc. No caso dos jovens com menos escolaridade, o castigo é diferente. A maioria acaba por obter apenas oportunidades de emprego na área do comércio, turismo, empresas de call center, etc. São confrontados com salários baixos e o castigo do trabalho por turnos e aos fins-de-semana, impossibilitando-os de levarem uma vida social e familiar normal.
Todos eles me respondem o mesmo: «Não tenho alternativa». Consequentemente, os projetos familiares, nomeadamente os filhos, são adiados devido a razões económicas ou de carreira profissional. Ora, isto acontece num país com graves problemas de natalidade.
Esta é uma geração que para trabalhar abdica de quase tudo o resto; renuncia a constituir família, aos amigos, ao lazer e até mesmo à sua própria saúde. O mundo laboral sofre hoje uma grave desmoralização. Pessoalmente, já não acredito no sentido ético e de responsabilidade familiar da maioria das empresas, pois estas têm-se tornado cada vez mais intolerantes, déspotas e insensíveis a estas matérias. O Estado tem de intervir, repondo um equilíbrio na vida laboral, pondo fim a esta ignóbil neurose coletiva que só cria frustrações existenciais. Esta é uma necessidade social urgente, pois este modelo humilha e subjuga cada vez mais pessoas, retirando-lhes um dos bens mais preciosos: a liberdade. Este é, sem sombra de dúvida, atualmente o maior castigo do trabalho em Portugal.