Henrique Raposo, in Expresso
Como indivíduos, somos pouco atreitos a confiar em mecanismos sem rosto. Ocorre-nos, então, condenar sumariamente a “mão invisível” dos mercados e clamar pela “determinação” do Estado.
É inquestionável, a globalização trouxe um mundo muito melhor. Nas últimas décadas os indicadores de qualidade de vida e desenvolvimento económico melhoraram em todo o planeta, quase sem exceção. Contudo, não há memória de uma crispação tão grande a propósito das desigualdades, como na distribuição do rendimento e da riqueza. Mesmo nos muitos casos, que os há, em que a informação estatística denuncia falácias.
As estatísticas evidenciam uma melhoria global. Mas, localmente emergem desequilíbrios profundos. No passado, a distinção entre países ricos e pobres coincidia com a divisão entre pessoas ricas e pobres. A globalização, com a livre mobilidade de capitais financeiros à cabeça, cria ganhadores e perdedores dentro de cada país. Ao nível interno, agrava-se o fosso entre classes, gerando angústias e alimentando frustrações.
Com o esmagamento das classes médias - especialmente na Europa - as tensões avultam. O contrato social desintegra-se e as sociedades tornam-se bipolares. Cada um de nós avalia a sua posição em termos relativos e não absolutos: a pobreza de hoje não compara com a do passado, nem a daqui com a doutros lugares. As nossas reações não são racionais, mas antes heurísticas dependentes de crenças e instintos. Comparamo-nos com os nossos vizinhos, acima de tudo, os que "partilham" o mesmo Estado.
Como indivíduos, somos pouco atreitos a confiar em mecanismos sem rosto. Ocorre-nos, então, condenar sumariamente a "mão invisível" dos mercados e clamar pela "determinação" do Estado: pedimos ao "todo-poderoso" restrições às liberdades e um equilíbrio que tenha por modelo o homem de moral e de virtudes. Um caminho com poucas chances de sucesso!
Mais que nunca, este é o tempo da política! Como o caminho já é estreito, convém não confundir meios com fins. Mercados e Estado são apenas instrumentos − complementares e não mutuamente exclusivos - para servir o "bem comum". O mercado não tem "moral" e precisa de regulação, tal como o Estado não é constituído por "super-heróis" e necessita de controlo. Como escrevia há dias Paulo Rangel é "preciso religar os circuitos de decisão aos cidadãos", uniformizando a distribuição e evitando curto-circuitos, acrescentaria eu.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.