Fernando Teixeira, in Público on-line
Neste Portugal onde o racismo anda à solta e de mão dada com todo o tipo de intolerância, não nos podemos dar ao luxo do silêncio e da complacência. É preciso combater o populismo em todas as suas frentes.
Pela internet mais um vídeo de alegada violência e abuso policial em Portugal. A particularidade reside no facto de um polícia encorpado se encontrar em cima, e de forma violenta, de uma pessoa negra. Talvez por isso o senhor agente não achasse que esta senhora merecesse o mesmíssimo tratamento do que qualquer outra pessoa. A mim pouco me importam as circunstâncias ou as razões que levam à detenção porque, se esta é levada a cabo, é para o ser com dignidade, e não me parece que tenha havido resistência à detenção. Aliás, como poderia? É certo que as conclusões mais certeiras e credíveis irão sair de um inquérito que, certamente, irá ser aberto na senda deste abuso, mas tal não impede que, à luz do Portugal de agora, não possamos nós tirar as ilações indispensáveis para compreendermos que a intolerância e o ódio não podem encontrar em nós o silêncio.
É preciso ser-se muito alheado da vida para não se perceber que o país está diferente, que o ódio, seja ele racial, étnico ou político, tem encontrado na praça pública vozes de legitimação e instigação ao pensamento rudimentar do “nós e eles”. O crescente número de afirmações e práticas inadmissíveis na vida pública são um sinal de que quando nos deixamos adormecer em democracia, corremos o risco de acordar em ditadura. Não quero com isto dizer que vivemos num estado totalitário, longe disso, mas o facto é que temos assistido nos últimos anos a muitos episódios de violência policial, como os casos do bairro da Jamaica ou da esquadra de Alfragide.
Mas o mais preocupante é que tais actos encontram conforto na própria Assembleia da República, onde André Ventura insta à intolerância e à política do medo, medo contra os imigrantes, medo contra pessoas de outras cores, medo contra os ciganos. A extrema-direita tem-se imiscuído na vida da sociedade, dando corpo ao Movimento Zero, por exemplo, no seio das forças policiais. Este movimento inorgânico e sem rosto é a ponta da espada que a extrema-direita enverga para nos lançar outra vez no obscurantismo. É incompreensível que este movimento ainda exista e não tenha sido já desmantelado. É incompreensível que estejamos a ser lançados uns contra os outros, diariamente, nos jornais e nas televisões com discursos populistas e inflamados que encontram em muitos o silêncio.
“É preciso ser-se muito alheado da vida para não se perceber que o país está diferente, que o ódio, seja ele racial, étnico ou político, tem encontrado na praça pública vozes de legitimação e instigação ao pensamento rudimentar do 'nós e eles'.”
Não, a extrema-direita combate-se, não se ignora. Quando a sociedade dá sinais de impunidade perante o discurso de ódio e a violência, mais fácil é a sua propagação e, consequentemente, mais difícil conter os seus efeitos. Vejamos o caso de Suzana Garcia, que todos os dias tece considerações inenarráveis sobre alegados crimes cometidos, onde julga e condena em praça pública antes de qualquer tribunal. Aliás, se alguém perder um pouco de tempo a ouvir esta rubrica percebe que, para Suzana Garcia, a solução está no aumento das penas, por exemplo, para possibilitar a prisão preventiva a quase todos os crimes; ou, então, a castração química. É um discurso que está há tempo a mais nas televisões dos portugueses. Não pode ser normal ou banal alguém insultar alegados agentes de crimes em directo sem que exista uma consequência para quem o faz.
Neste Portugal onde o racismo anda à solta e de mão dada com todo o tipo de intolerância, não nos podemos dar ao luxo do silêncio e da complacência. É preciso combater o populismo em todas as suas frentes. Desengane-se quem acha este meu texto dramático ou exagerado, dramático é levar porrada da polícia devido à condição social ou à cor de pele e não se poder defender. Isso, sim, é dramático.