20.8.20

Adelina vivia numa ruína, até que os voluntários da “Just a Change” lhe entraram pela casa dentro

Teresa Paula Costa, in RR

​Voluntários reabilitam casas de famílias carenciadas. Projeto da associação de jovens “Just a Change” já reconstruiu mais de 200 habitações e instituições particulares de solidariedade social

Adelina vivia com o marido numa casa em ruínas, até que um grupo de voluntários meteu mãos à obra. Fazem parte do projeto “Just a Change”, fundado em 2010, quando um estudo do INE revelava que 4,7% da população vivia em condições severas de privação habitacional.

Isto significa “viver num alojamento sobrelotado, onde se podem encontrar vários problemas: inexistência de casa-de-banho ou de retretes com autoclismo, tetos sem isolamento suficiente, janelas e chão em estado de apodrecimento, presença de humidade nas paredes e luz natural insuficiente”, escreve a associação no seu relatório de impacto de 2019. Segundo o mesmo documento, “este estudo determinava também que a insuficiência habitacional estava ligada ao risco de pobreza”.

Perante a situação, vários jovens decidiram, literalmente, deitar as mãos à obra. Conscientes da dimensão e expansão geográfica do problema, assumiram como missão “reconstruir as casas destas pessoas de maneira a ajudá-las a relançar as suas vidas”.

Assim, com base no voluntariado, e com o apoio de empresas e instituições doadoras, começaram a reabilitar casas sem telhados, janelas e portas, casas onde não há água quente, nem eletricidade e onde se passa frio. Reabilitam casas porque “acreditamos que as condições de vida têm um impacto direto na redução da pobreza e criminalidade da população”, afirma o relatório.

Um trabalho que o diretor-executivo da “Just a Change” acredita que “faz a diferença”. Em declarações públicas em Minde, António Bello explicou que “o que nós queremos é reabilitar a vida das pessoas e olhamos a casa como uma plataforma chave para o fazer”.

“É lá que o nosso dia começa, é lá que o nosso dia acaba e quando este sítio não está digno, nós próprios sentimos que a nossa vida não o é”, acrescentou.

Combater o problema habitacional que, em Portugal, atinge 500 mil pessoas é, assim, o objetivo da associação. Uma “pobreza escondida, que não se vê tanto como nós gostaríamos, por estar entre quatro paredes”, salienta o dirigente associativo.

Desde que nasceu, o projeto já permitiu a reabilitação de 203 casas, além de creches, lares e orfanatos. Segundo António Bello, “todos os anos reabilitamos cerca de 20 instituições pelo país fora”.

Ao longo do ano, as obras acontecem nos grandes polos urbanos, de Lisboa e Porto, e no verão atuam um pouco por todo o país.

A associação atua com base na sinalização dos casos feita pela Segurança Social e pelas autarquias. Depois, faz uma avaliação dos custos da obra, mobiliza os recursos, concretiza a obra e ainda acompanha posteriormente os beneficiários, pois “muitas vezes a casa não é suficiente para quebrar, por exemplo, um ciclo de depressão”.

Dois anos a viver numa ruína

A casa de Adelina Gonçalves, no Vale Alto, Minde, é uma das obras em curso. Depois de mais de 50 anos a viver na Venezuela onde, com o marido, tinha um restaurante, a septuagenária regressou há dois anos a Portugal.

Devido à situação que se vivia no país sul-americano, voltou de mãos vazias. Quando se deparou com a casa da família, ficou devastada. A casa estava literalmente em ruínas.

Em entrevista à Renascença, Adelina Gonçalves, conta que “não tinha água e tinha de ir todos os dias buscá-la a um sítio ainda bastante distante da casa”.

“Quando chovia”, relata, “tínhamos de pôr um trapo ou um chapéu em cima da cabeça para ir à casa de banho, pois chovia lá como na rua”. Já para tomar banho, “tínhamos de aquecer água numa cafeteira e pôr a água num balde”, uma situação que acabou por lhe provocar uma queimadura no braço.

Para lavar a roupa, tinha de ser “à mão.” E de noite, “o frio era terrível porque quando chovia eu tinha de andar toda a noite a apanhar a água”.

Apesar das condições, a casa foi o abrigo do casal durante dois anos, até que, há cerca de uma semana, passou a residir temporariamente com os filhos, pois os jovens voluntários da “Just a Change” começaram as obras de reconstrução.

A equipa é composta por nove jovens, cinco rapazes e quatro raparigas, vindos de vários pontos do país, ajudados por um mestre de obras já com experiência em reconstrução de habitações.

A Maria Sarmento é um dos voluntários num tipo de trabalho que, embora seja mais conotado com o sexo masculino, não a assusta. A estudante universitária de Gestão e Direito revela que faz de tudo, “desde lixar paredes, pintar paredes mais lá para o fim, trabalhar com massa e com tubos de canalização”. Vêm todos, diz a jovem, “com um espírito de serviço, que é o que interessa, e com o foco de acabar a obra para beneficiar o casal”.

Mas o voluntário é também “um mensageiro de esperança e de alegria”, aponta o diretor executivo da “Just Change”. “É alguém que quer conhecer a pessoa que vamos apoiar, que quer ouvi-la, e isso faz a diferença quando nós queremos reabilitar não apenas a casa, mas a vida das pessoas,” rematou António Bello numa cerimónia de apresentação do projeto à ministra do Trabalho, que decorreu em Minde.

Um trabalho de voluntariado que Ana Mendes Godinho disse ser o exemplo da atitude a tomar no presente. “Enfrentamos neste momento, problemas muitíssimos complicados”, disse a governante, que acrescentou que a estratégia a seguir deve ser “não ter medo dos problemas, enfrentá-los, resolvê-los, mas, no terreno, com capacidade de intervenção e é isso que estão a fazer”, o que “deve ser fonte de inspiração para todos nós”.

Um trabalho de voluntariado que mostra que, no meio de muitas tragédias há também muita solidariedade.