11.8.20

Uma recuperação desigual e ainda limitada. O que dizem os indicadores sobre a evolução da economia portuguesa

Sónia M. Lourenço, in Expresso

Retoma da atividade ganhou alguma dinâmica a partir de junho depois de afundar em abril e permanecer muito fraca em maio. Mas, de forma limitada e permanecendo no vermelho na comparação homóloga. Evolução é muito assimétrica entre os vários sectores de atividade. Recuperação tarda a sentir-se no turismo 

Depois do trambolhão sofrido no segundo trimestre, com o PIB a recuar 16,5% em termos homólogos – a maior quebra da história da democracia portuguesa – a grande questão que se coloca é a velocidade com que a economia vai conseguir recuperar da crise associada à pandemia de covid-19. E a evolução da atividade nos próximos trimestres será crucial para perceber o que aí vem, alertam os economistas. Ou seja, se teremos uma crise relativamente curta, ou uma recessão mais prolongada e estrutural.

A resposta ainda não é certa: “Precisamos de mais informação para conseguir avaliar a velocidade de saída da crise”, diz ao Expresso Rui Constantino, economista-chefe do Santander em Portugal, assumindo uma “postura cautelosa”, dado que estamos a ter “uma recuperação lenta”, até agora.

José Maria Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, aponta no mesmo sentido: "Junho foi ainda muito fraco. Houve uma dinâmica positiva face a maio, mas em parte porque maio foi péssimo".

O Expresso analisou diversos indicadores, para perceber o que indicam sobre essa velocidade de saída da crise. E a conclusão é que depois de afundar em abril e permanecer muito fraca em maio, a partir de junho a recuperação ganhou alguma dinâmica, mas ainda é limitada, com a comparação homóloga a manter-se claramente no vermelho.

"Os dados de alta frequência mensal de julho e junho estão todos melhores face a abril e maio. E em geral consistentes com o desconfinamento gradual em curso", aponta João Borges Assunção, professor da Catolica LIsbon School of Business & Economics. Contudo, "o nível dos indicadores continua a sinalizar uma recessão", alerta. Ou seja, mesmo sem os dados de abril e maio, o período mais severo do confinamento, "os dados disponíveis de junho e julho, correspondem a uma quebra significativa da atividade económica face à situação no final do ano de 2019", vinca João Borges Assunção.

Além disso, a recuperação sentida é muito desigual entre sectores de atividade, com os mais afetados pela pandemia ainda com poucas razões de otimismo. Pelo contrário, a retoma tarda em sectores como o turismo.

Quase mês e meio após o arranque do terceiro trimestre, a informação sobre o andamento da atividade económica neste período do Verão é ainda escassa. Começam a surgir os primeiros indicadores sobre o mês de julho, mas são ainda muito poucos.

Um deles é a evolução das vendas de veículos automóveis, que, com 18.101 veículos, regista uma queda de 16,9% face julho de 2019, indicam os dados da Associação Automóvel de Portugal (ACAP). É uma melhoria face a junho, quanto o tombo atingiu 54%, e maio, quando a queda foi de 71,6%, e em abril, quando o recuo foi de 84,6%. Ainda assim, as vendas continuam sem conseguir atingir os níveis observados na mesma altura do ano passado. No segmento de ligeiros de passageiros, em concreto, que tem maior peso no mercado, as vendas totalizaram 15.209 unidades, menos 17,5% do que um ano antes.

Dado o peso dos veículos automóveis no consumo de bens duradouros, e tendo em conta estes dados, “é de prever um crescimento significativo do consumo privado no terceiro trimestre face aos três meses anteriores, ainda que a variação homóloga ainda seja negativa”, antecipa Rui Constantino.

Outro indicador já disponível sobre julho é a confiança dos consumidores que recuou, após ter recuperado parcialmente em maio e junho. Isto depois de em abril ter sofrido a maior redução face ao mês anterior de toda a série de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Foi o resultado de contributos negativos das perspetivas das famílias sobre a evolução futura da situação económica do país, bem como da evolução passada da sua situação financeira. Ora, "se as famílias acham que a situação económica vai piorar, não vão investir nem fazer grandes compras", alerta José Maria Brandão de Brito.

Rui Constantino chama a atenção que a evolução do desemprego nos próximos meses “é muito importante” e “vai determinar em grande medida a evolução da confiança dos consumidores e, logo, do consumo privado”.

Quanto ao indicador de clima económico, prosseguiu em julho a recuperação iniciada em maio, após ter atingido em abril o mínimo da série de dados do INE. A autoridade estatística indica que os indicadores de confiança recuperaram em todos os sectores de atividade, com a nota de maior destaque a recair sobre a indústria transformadora.

Um país a várias velocidades

Na ausência de mais dados sobre julho, importa olhar para junho. Ainda que este mês pertença ao segundo trimestre, onde já é conhecido o tombo da economia, a análise dos indicadores em junho dá-nos pistas sobre o ritmo a que a economia estava a carburar no último mês desse trimestre, logo, no arranque para o terceiro trimestre do ano. E a conclusão é que o país viveu a várias velocidades, com situações muito diferentes entre os vários sectores de atividade.

Na indústria a recuperação ganhou força, ainda que mantendo-se no vermelho na comparação homóloga. A construção tem passado em grande medida ao lado da crise – apesar de alguma quebra em termos homólogos. Mas, nos serviços a história é bem diferente, com o negócio ainda com quedas acentuadas. Sobretudo em atividades ligadas ao turismo e ao comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos.

Comecemos pela indústria. Em junho o índice de volume de negócios do sector caiu 11,7% face ao mesmo mês de 2019, mas recuperando de forma expressiva face às quebras de 30,9% em maio e de 33,5% em abril. Desagregando a análise entre mercado interno e mercado externo, o INE indica que ambos "tiveram variações menos negativas que as observadas em maio, sendo mais intensa a melhoria no mercado externo". Assim, o índice relativo ao mercado nacional diminuiu 9,2% (redução de 23,3% em maio), enquanto o mercado externo caiu 15,1% (-41,3% em maio).

Ao mesmo tempo, a produção industrial sofreu uma queda homóloga de 14,6% em junho, o que compara com quebras de 27,3% em maio e de 28,9% em abril.

Rui Constantino põe, contudo, água na fervura de algum otimismo, lembrando que a indústria “ainda pode estar a responder a encomendas feitas antes da pandemia. A grande questão é como será a nova carteira de encomendas” do sector.

Certo é que as exportações de bens continuaram a cair em termos homólogos (variação nominal) em junho, mas o recuo de 10,1% compara com contrações de 38,7% em maio e de 41% em abril. O INE chama, contudo, a atenção que este melhor desempenho em junho é em parte explicado por efeitos de calendário, já que junho de 2020 teve mais dois dias úteis do que junho de 2019.

José Maria Brandão de Brito chama a atenção que "ao contrário do que é habitual em crises em Portugal, o contributo do sector externo tem sido negativo para a evolução da economia, mesmo no segmento dos bens transacionáveis". Muito por causa da "situação difícil nalguns dos principais parceiros comerciais, como Espanha e França", que foram dos mais afetados pela pandemia e onde a economia mais caiu no segundo trimestre.

Quanto à construção, João Borges Assunção classifica o sector como "a maior surpresa positiva". E explica: "Nas vendas de cimento, que sinalizam o sector da construção, os dados de junho, corrigidos de sazonalidade, estão cerca de 15% acima de dezembro de 2019".

Passemos aos serviços. Em junho o índice de volume de negócios nos serviços registou em uma queda de 23,2% face a junho de 2019, em termos nominais. Embora seja uma melhoria face ao trambolhão de 31% em maio – e de 37,3% em abril – é uma quebra ainda muito expressiva. Significa que "o sector está cerca de um quarto abaixo do ano passado", vinca José Maria Brandão de Brito.

Uma situação que ganha contornos particularmente sombrios nas atividades mais afetadas pela pandemia, como o turismo.

O INE indica que o volume de negócios no sector do alojamento restauração e similares sofreu uma contração de 60,8% em junho, o que compara com um recuo de 72,4% em maio. O alojamento, em concreto, tem passado ao lado da retoma da atividade económica em Portugal, com uma quebra no volume de negócios de quase 90% em junho, indicam os dados do INE. Ou seja, quase sem melhorias face ao tombo de 95% em maio. Já na restauração, a contração em junho foi de 50%, o que compara com 64,3% em maio.

A crise que se prolonga no turismo fica espelhada nos números do INE sobre hóspedes e dormidas nos alojamentos turísticos. No primeiro caso, a contração em junho, em termos homólogos, atingiu 81,7%, depois de ter colapsado 94,2% em maio e de a queda em abril ter sido quase total (perto de 100%). Nas dormidas, o cenário é idêntico, com um recuo de 85,1% em junho, em termos homólogos, o que compara com 95,3% em maio e uma paragem quase total em abril.

Os transportes aéreos contam a mesma história, com um recuo no volume de negócios de 84,9% em junho, número até ligeiramente pior do que a queda de 84,7% em maio.

Esta crise no turismo, um sector com grande peso no emprego em Portugal, significa que "temos uma crise social pela frente", alerta José Maria Brandão de Brito.

Nos serviços, destaque negativo ainda para o comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos, onde o volume de negócios encolheu 26,7% em junho, ainda assim, uma evolução bem menos negra do que a contração de 41,9% sofrida em maio.

Quanto ao indicador do INE para o comércio a retalho, sinaliza que em junho o volume de negócios sofreu uma queda de 6,6% em termos homólogos, o que compara com recuos de 11,9% em maio e de 22,2% em abril. Uma evolução muito associada ao segmento alimentar, que pouco sentiu a crise e onde o volume de negócios está praticamente em linha com o registado há um ano. Já o segmento não alimentar ainda está a cair cerca de 10%.

Tudo somado, José Maria Brandão de Brito considera que "apesar do desconfinamento, não se voltou à normalidade, o que sinaliza uma retoma lenta da economia". E reforça: "A situação económica agregada está a melhorar pouco. A ideia de uma recuperação rápida está claramente em risco".

"As economias correm agora o risco dos efeitos de segunda ronda do confinamento e da pandemia, no emprego, no rendimento disponível, e nas falências", alerta João Borges Assunção, considerando que "ainda é cedo para antecipar a dimensão desses efeitos com base nos indicadores disponíveis". Ainda assim, "o nosso cenário central do NECEP (Católica Lisbon Forecasting Lab), de uma quebra anual da economia portuguesa de cerca de 10% em 2020 mantém-se como plausível e consistente com os dados", vinca.

Já José Maria Brandão de Brito termina com uma nota positiva, esperando "uma recuperação mais forte" a partir do final do ano. Nessa altura, Portugal deverá começar a "beneficiar do impulso positivo dos grande pacotes de estímulo nalguns dos principais parceiros comerciais, com a componente externa a passar a ter um contributo positivo para a economia portuguesa".