31.8.20

Há mais de 20 anos que as famílias não consumiam tão pouco

Sónia M. Lourenço, in Expresso

As despesas de consumo final das famílias residentes em Portugal recuaram no segundo trimestre para valor mais baixo desde 1999. Mas, com o confinamento a parar o país,a despesa das famílias em bens alimentares atingiu um novo máximo histórico

Se dúvidas houvesse sobre o impacto da pandemia de covid-19 na economia portuguesa, bastaria olhar para o consumo das famílias para as desfazer. No segundo trimestre deste ano, com o confinamento a paralisar o país, as despesas de consumo final das famílias residentes em Portugal caíram para o valor mais baixo em mais de duas décadas. Foram 26,79 mil milhões de euros e para encontrar um valor inferior é preciso recuar ao século passado, mais precisamente ao terceiro trimestre de 1999.

Essa é uma das conclusões da análise dos dados publicados esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e que confirmam que a economia portuguesa deu um trambolhão de 16,3% no segundo trimestre em termos homólogos. Uma queda nunca antes vista na história do Portugal democrático.

Foi o resultado de quedas expressivas tanto na frente interna, com o consumo privado, o investimento e as exportações recuaram a dois dígitos.

A queda do consumo privado foi de 14,5% em termos homólogos, ditado pelo referido recuo das despesas de consumo final das famílias residentes (menos 15%), já que as despesas de consumo final das instituições sem fins lucrativos aos serviço das famílias se mantiveram quase inalteradas.

Olhemos, então, para o que se passou com o consumo das famílias residentes no país.

Uma das áreas mais penalizadas no segundo trimestre foram as despesas em bens duradouros, com destaque para os automóveis, mas também outros bens, como mobília, computadores e telemóveis. Estas despesas recuaram 27,6% no segundo trimestre em termos homólogos, para 2,21 mil milhões de euros, caindo para o valor mais baixo desde o segundo trimestre de 2014, ou seja, desde a época da troika em Portugal.

Ao mesmo tempo, as despesas em bens correntes não alimentares e serviços encolheram 18,5%, para 18,32 mil milhões de euros. É o valor mais baixo em quase 22 anos, ou seja, desde o quarto trimestre de 1998.

Mas, a história do consumo das famílias no segundo trimestre não foi feita só de quedas. Em sentido contrário, as depesas em bens alimentares subiram 4,7% em termos homólogos e atingiram um novo máximo histórico, nos 6,26 mil milhões de euros.

Investimento afunda e exportações também

Para além da forte queda do consumo privado, também o investimento e as exportações literalmente afundaram-se no segundo trimestre.

O investimento registou um decréscimo homólogo de 10,8% (-3,5% no trimestre anterior), recuando para 8,41 mil milhões de euros. É o valor mais baixo desde o primeiro trimestre de 2018.

Em particular a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, o indicador-chave para analisar a evolução do investimento) recuou 9% em termos homólogos (-0,6% no primeiro trimestre), para 8,31 mil milhões de euros, o valor mais baixo desde o primeiro trimestre de 2018.

O INE chama a atenção para um comportamento muito heterogéneo das diversas componentes da FBCF.

O destaque, negativo, vai para a FBCF em equipamento de transporte, que afundou 69,9% em termos homólogos (-0,3% no primeiro trimestre), para 240,9 milhões de euros. É o valor mais baixo em toda a série de dados do INE, que começa em 1995.

Também a FBCF em outras máquinas e equipamentos caiu de forma expressiva em termos homólogos, -22,4% (-7,5% no primeiro trimestre), para 1,79 mil milhões de euros, o valor mais baixo desde o terceiro trimestre de 2016.

Em sentido inverso, confirmando que a crise tem passado ao lado do sector, a FBCF em construção não só não caiu, como acelerou, passando de uma variação homóloga de 2,5% para 7,5% no segundo trimestre. Desta forma, atingiu 4,74 mil milhões de euros, o valor mais elevado desde o terceiro trimestre de 2011.

O INE destaca que esta evolução do sector em Portugal - que enfrentou uma verdadeira travessia do deserto nos anos da troika e seguintes - contrasta "com o verificado em vários países da União Europeia, onde o setor da construção terá também sido muito afetado pelo impacto negativo da pandemia" de covid-19.

Por fim, uma última nota para as exportações que, penalizadas em particular pela paragem quase total do turismo, afundaram-se 39,5% no segundo trimestre, para 13,32 mil milhões de euros. É o valor mais baixo em mais de uma década, ou seja, desde o primeiro trimestre de 2010.