31.8.20

Rescisões valem 3% do novo desemprego

Catia Mateus, Sónia M. Lourenço, in Expresso

Sindicatos temem que Governo retire ‘travão’ às rescisões por acordo. Há dezenas de processos em marcha nos escritórios de advogados

Apenas 3% dos novos desempregados registados em Portugal continental entre março e julho deste ano, ou seja, desde o início da pandemia de covid-19 se inscreveram nos centros de emprego na sequência de rescisões por mútuo acordo. São 7365 pessoas, o que se compara com quase 245 mil novos desempregados. Mais ainda, o aumento face ao mesmo perío­do de 2019 foi modesto: 464 pessoas. Isto quando o total de novos desempregados registados subiu mais de 63 mil.

Há uma explicação para isso: o mecanismo está sujeito a quotas, que funcionam como um verdadeiro ‘travão’. Mas os sindicatos temem que o Governo generalize as exceções a este limite.

A regra é clara: empresas até 250 trabalhadores só podem rescindir por mútuo acordo e com acesso ao subsídio de desemprego até três pessoas ou 25% do quadro de pessoal a cada três anos. Nas que têm mais de 250 trabalhadores, o limite máximo é de 80 pessoas. “O regime de quotas é um travão a um grande aumento das rescisões”, vinca Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, que lembra que “muitas vezes, nestes processos, a pressão das empresas sobre os trabalhadores é muito violenta”.

Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, aponta, por isso, que “um aumento no número de desempregados inscritos com esta fundamentação só sofrerá alterações se o Governo deixar cair o atual regime de quotas”.

Exceções já são possíveis

A lei já prevê a possibilidade de as quotas serem ultrapassadas. Para isso é preciso que se prove a situação económica difícil da empresa (como no lay-off tradicional), que tem de solicitar ao Governo que a declare em reestruturação. Os parceiros sociais são chamados a dar um parecer, obrigatório mas não vinculativo. O Governo tem a última palavra.

Os sindicatos temem que estes pedidos de exceção aumentem e que o Governo generalize a sua aprovação. Na reunião da Concertação Social da próxima semana vão avisar a ministra de que serão contra a generalização de exceções. Em particular para empresas que beneficiaram de apoios extraordinários, como o lay-off simplificado. “A CGTP considera inaceitável que esta quota seja excedida ou que o Governo decida no sentido da abolição, ainda que temporária, deste limite por parte de empresas que estiveram em lay-off”, diz Isabel Camarinha, lembrando que “seria onerar duas vezes a Segurança Social, primeiro pelo lay-off e agora pelo subsídio de desemprego”. Também Sérgio Monte assegura que “a UGT será violentamente contra”.

Os receios dos sindicatos não são infundados. “Nos últimos meses nota-se um aumento expressivo das empresas que procuram apoio jurídico para formalizar processos desta natureza”, confirma Pedro da Quitéria Faria, advogado da sociedade Antas da Cunha. Inclusive da parte de empresas que estiveram em lay-off simplificado e que aguardavam o esclarecimento do Governo sobre a possibilidade de poderem recorrer ao mecanismo. “Agora que o Ministério do Trabalho clarificou que o podem fazer, estes processos deverão avançar.”

O Expresso questionou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre se já receberam pedidos de empresas para ultrapassar essas quotas e se o Governo admite autorizar. Não obteve resposta.