Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
O facto de a Alemanha e a França terem negociado à margem dos parceiros deixou muitos países à beira de um ataque de nervos
Todos os países da zona euro, incluindo Portugal, assumiram o compromisso de socorrer a Grécia através de empréstimos bilaterais no caso de o novo mecanismo europeu de ajuda tiver de ser accionado. Este compromisso ficou assente na quinta-feira à noite entre os 16 membros do euro, que conseguiram acalmar a especulação dos mercados financeiros sobre os riscos de falência de Atenas, e ultrapassar várias semanas de profundo desentendimento interno.
Apesar da acalmia, os termos do acordo, a forma como foi conseguido e vendido aos parceiros, e as suas consequências para a gestão futura da moeda única vão deixar profundas marcas na União Europeia (UE).
Vários países não apreciaram o facto de o mecanismo de ajuda ter sido definido por Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, presidente francês, durante uma reunião bilateral e apresentado aos outros membros do euro à margem de uma cimeira dos 27 países da UE.
Os protestos foram ainda mais veementes da parte dos países da UE que não são membros do euro, sobretudo o Reino Unido e a Polónia, quando foram confrontados com o texto do acordo. "Não fomos associados à discussão, e agora querem que demos o nosso acordo ao texto", terão dito os líderes dos dois países, segundo um participante na reunião. A reacção de Sarkozy foi violenta: "Tomámos a decisão no eurogrupo, por isso não se metam nos nossos assuntos que nós também não nos metemos nos vossos".
"A Europa é complicada", justificou o presidente francês posteriormente à imprensa: "somos 27, incluindo 16 países na zona euro, e há instituições em que toda a gente tem de ser associada. Mas digamos que é mais fácil quando a Alemanha e a França se põem de acordo".
Contra governo económico
Britânicos, irlandeses e holandeses recusarem, no entanto, terminantemente, a afirmação do texto segundo a qual o Conselho Europeu (as cimeiras de líderes) deveria assumir o papel de "governo económico" da Europa. A afirmação, muito apreciada pela França, é encarada por muitos como uma interferência inaceitável de "Bruxelas" nas prerrogativas nacionais. A solução encontrada assentou numa "tradução assimétrica", em que as versões francesa e espanhola das conclusões da cimeira mantêm a expressão do governo económico, enquanto a britânica fala de "governação".
A imposição alemã de inclusão do Fundo Monetário Internacional (FMI) na solução grega, contra a vontade da maioria dos parceiros, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE), também suscitou protestos, embora todos os países tenham percebido que sem essa condição não haveria acordo. E, sem acordo, o risco de contágio da crise grega a outros países, como Portugal, seria real.
O mecanismo de ajuda será composto por empréstimos bilaterais de todos os países da zona euro - repartidos em função da respectiva chave de repartição do capital do BCE, ou seja, 1,75 por cento para Portugal - complementado com um financiamento "substancial" do Fundo Monetário Internacional.
A ajuda só poderá ser activada em último recurso - ou seja, se a Grécia não conseguir refinanciar no mercado a dívida pública com prémios de risco aceitáveis - mediante uma condicionalidade estrita e taxas de juro de mercado. Todos estes parâmetros terão de ser negociados caso Atenas avance com um pedido formal de ajuda, e sujeitos a uma nova decisão unânime dos Dezasseis.
De acordo com um diplomata europeu, se o mecanismo ficasse unicamente a cargo da zona euro, Merkel nunca conseguiria convencer a sua opinião pública, maioritariamente hostil a uma ajuda à Grécia, de que se trataria "do último recurso", já que a opção do FMI não teria sido explorada.
"Creio que a Europa agiu em favor da estabilidade do euro e deu mostras de solidariedade face a um país que está em dificuldades", afirmou Merkel no final da cimeira.
Acima de tudo, a chanceler obteve dos parceiros um acordo para muscular os mecanismos de disciplina do euro, o que pressupõe um endurecimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento do euro (PEC) e abertura do debate sobre uma possível revisão do tratado da UE.