29.3.10

Aprender a viver o autismo com um sorriso

Jordana Costa, in Jornal de Notícias

Unidade do Centro Escolar de Baião comemora segundo aniversário. Cinco histórias de sucesso, cinco protagonistas muito especiais


Mais do que uma escola, a Unidade de Autismo do Centro Escolar de Baião, que comemora dois anos de vida, é uma luz ao fundo do túnel para as cinco crianças autistas que a frequentam. Em Portugal, há 1080 meninos que recorrem a este ensino especializado.

Os olhos grandes e expressivos da Inês. oito anos, não deixam adivinhar que ela é um dos inúmeros rostos do autismo em Portugal. Tal como muitas das crianças que sofrem da perturbação, a Inês vive enclausurada num mundo muito seu. Gosta muito do quarto dela, de brincar e de ver os desenhos animados na televisão. "Gosta de estar sozinha", conta a mãe, Manuela Pinto.

Inês é uma das cinco crianças a frequentarem a Unidade de Autismo do Centro Escolar de Baião. Em Portugal, são apoiadas 1080 crianças autistas pelas unidades de ensino especial. Mais do que uma escola, são a esperança de que é possível alcançar um futuro melhor.

A unidade do concelho de Baião comemora este ano o segundo ano lectivo de funcionamento e a Inês foi uma das suas primeiras alunas. Desde que frequenta a escola já consegue comer sozinha, acender e apagar a luz. São estes pequenos gestos do quotidiano que transformam a menina numa heroína de palmo e meio. A Inês testemunhou a evolução do seu colega de carteira, o Diogo, também ele um pequeno herói. Apesar da dificuldade em andar, o menino meigo e sardento "já vem até ao carro sozinho quando sabe que é para ir para a escola". "Alegra-me muito", orgulha-se o pai, António Vieira.

Os dois colegas de escola são acompanhados por nove profissionais que integram a equipa da Unidade de Autismo do Centro Escolar de Baião, desde terapeutas da fala e ocupacionais até aos professores do ensino especial. Paulo Fernandes, um dos três professores, diz que acompanhar os cinco alunos "é sempre gratificante, porque sentimos que estamos a ajudar estas crianças a evoluir, a ter mais qualidade de vida e autonomia". Os sucessos são alcançados "de uma forma diária". O psicólogo e coordenador da unidade, Duarte Pacheco, concorda: "Só o facto de os alunos aprenderem a lavar os dentes, a pegar num lápis ou a fazerem um pequeno exercício já é um grande desenvolvimento".

Evolução é também uma palavra bem aplicada no caso do Samuel, um outro aluno, colega da Inês e do Diogo, que "mudou totalmente" desde que está na unidade. A mãe, Rolinda Coelho, garante que, em apenas cinco meses de escola, o menino "está mais calmo". Com oito anos, o Samuel, de sorriso fácil e doce, já está "um adulto". Se, no início do ano lectivo, não podia ver a mãe a entrar na escola que logo corria para os seus braços num pranto, hoje fica ao seu lado, calmo com a perspectiva de passar o resto do dia na escola, junto dos amigos. A unidade está situada a mais de 50 quilómetros de sua casa, pelo que o menino faz, diariamente, e tal como os seus dois colegas mais velhos, uma longa viagem de táxi até Baião. É apenas um pequeno esforço recompensado pelos obstáculos que, aos poucos, vão ultrapassando.

Estes dois colegas do Samuel, que com ele, a Inês e o Diogo, partilham a atenção dos professores, são o Ângelo e o Rui, respectivamente de 12 e 10 anos. Dos cinco, o Ângelo é o único que fala. É um comunicador nato e desde que anda na unidade até já aprendeu a ler. Mas não é esta a façanha mais extraordinária do menino. O silêncio costuma ser o esconderijo do Rui, um menino que sofre do Síndrome de Asperger e cuja comunicação verbal é, praticamente, inexistente. Contudo, sentado num muro em frente à piscina, o Rui murmura e repete as palavras do Ângelo, o seu melhor amigo. Nenhuma terapia, nenhum método de ensino poderia igualar o que esta amizade especial alcançou.

O Ângelo gosta da escola porque, segundo o próprio, "é fixe" e porque, na unidade, pode brincar com o melhor amigo. Para além das brincadeiras com o Rui, um dos momentos que mais lhe trazem felicidade é, precisamente, quando o calendário semanal marca a quinta-feira, o dia da piscina. Na unidade, cada dia da semana corresponde a uma actividade terapêutica. Começa com o dia da ginástica, à segunda-feira, e a culinária, à terça. Segue-se o dia da inclusão inversa, à quarta.