João Paulo Madeira, in Sol
A intervenção do FMI em Portugal deverá desencadear um corte de salários no sector privado. A troika quer também agilizar as regras do mercado de trabalho e tornar os despedimentos mais fáceis. O artigo constitucional que impede os despedimentos sem justa causa foi abordado nas discussões com sindicatos e patrões.
Dos encontros entre os técnicos estrangeiros e as entidades patronais e sindicais surgiu a indicação de que a intervenção externa deverá resultar num corte dos vencimentos no sector privado, através da redução dos pagamentos por trabalho extraordinários e outros suplementos. João Vieira Lopes, da CCP, admitiu que a troika fez questões sobre como «baixar os custos de contexto».
O Código do Trabalho não permite reduções das remunerações-base, mas há vários campos onde a lei pode actuar, nomeadamente através da legislação fiscal e contributiva: nas horas extraordinárias, no subsídio de alimentação e nas ajudas de custo.
As reformas no mercado de trabalho foram o ponto quente dos encontros entre a troika e os parceiros sociais, na semana passada. E o secretário-geral da UGT, João Proença, admitiu já que a proibição dos despedimentos sem justa causa foi abordada, tendo manifestado a sua discordância face a eventuais mudanças.
Já o presidente da CIP, António Saraiva, defendeu junto dos técnicos destes organismos «alterações aos dispositivos constitucionais que têm impedido a adopção de um enquadramento favorável a uma gestão racional e dinâmica das empresas». O artigo onde se consagra a garantia da segurança do emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa foi debatido na reunião, confirmou o SOL.
Segundo fonte comunitária, será difícil que mudanças na Constituição integrem o acordo entre Portugal e as entidades externas. Mas há precedentes de países que tiveram de fazer mudanças constitucionais para permitir as reformas impostas pelo FMI. Aconteceu recentemente na Geórgia, que introduziu uma cláusula específica para levar a cabo as reformas fiscais solicitadas pelo Fundo.
Em Portugal, as questões mais problemáticas estão relacionadas com a protecção do emprego. E os constitucionalistas ouvidos pelo SOL apontam para a a necessidade de rever a Lei Fundamental. Para Jorge Bacelar Gouveia, é «evidente que a Constituição tem de permitir despedimentos individuais em situações excepcionais, nas quais as contratações de trabalhadores se mostrem ineficientes», nomeadamente na Administração Pública, um «depósito de escolhas partidárias, sem qualquer critério de produtividade».
Já Rui Medeiros entende que as reformas laborais que o FMI quer fazer seriam facilitadas com mudanças na Constituição. Os «constrangimentos» actuais podem «condicionar soluções que se considerem mais adequadas para resolver os problemas estruturais do país e da competitividade», disse ao SOL.