4.7.11

Há cada vez mais pais a dizer não às vacinas como forma de prevenir doenças

Por Catarina Gomes, in Público on-line

Em Portugal há cerca de três mil crianças que todos os anos não são imunizadas. Alguns pais acreditam que dar tantas vacinas em idades tão precoces é uma sobrecarga para o sistema imunitário. A comunidade médica refuta.

É preciso deixar as amêndoas uma hora de molho para sair a pele, depois com um pilão esmagá-las "bem, bem trituradinhas", junta-se água e, ao fim de duas horas, Manuela Ferreira tem leite de amêndoa pronto para alimentar a filha de forma natural, com muito cálcio, sem produtos de pacote, refinados ou com adição de açúcar. "Dá um bocado de trabalho", mas é apenas um exemplo do tempo e cuidado que dedica a cada grão que a sua Joana, de três anos, ingere. É que, para esta mãe, é na alimentação que está a melhor forma de lhe desenvolver o sistema imunitário de forma natural, e não nas 24 doses de vacinas contra 11 doenças do Plano Nacional de Vacinação que o sistema de saúde distribui gratuitamente.

Não é fácil seguir o caminho da não vacinação, desabafa. Está farta de ouvir que pais como ela são irresponsáveis. Manuela, terapeuta de reflexologia, 35 anos, responde que ela é que é "responsável" porque tomou nas suas mãos o papel de fazer tudo para que a filha seja saudável, sem vacinas que julga serem desnecessárias. Desistiu mesmo de trabalhar por três anos para ficar com ela em casa. Mas está a valer a pena porque, diz, os resultados estão à vista: "Quantas crianças de três anos conhece que nunca tomaram um benuron? Que nunca foram a um hospital? Ou que nunca tiveram uma otite?"

Dizem-lhe que teve sorte. E o que dizer de Eugénia Varatojo, mãe de quatro filhos, que chegaram à idade adulta, com 20, 23, 26 e 28 anos, saudáveis, sem quase nenhuma das doenças contra as quais não foram vacinados? As suaves maleitas que foram tendo, como a varicela, foram curadas em casa, "sem medicamentos, dando tempo ao tempo", "com mezinhas, chás, emplastros, remédios caseiros", conta Eugénia, 53 anos, coordenadora de cursos de alimentação macrobiótica, em Lisboa.

Sabem que há poucos pais como eles, mas que são cada vez mais. A parteira que trouxe Joana ao mundo fez mais 70 partos em casa só nesse ano, e essas são pessoas que não costumam vacinar os seus filhos, sustenta Manuela. "Há centenas de pessoas que não dão vacinas, cada vez mais", diz Eugénia, que consulta muitos pais que lhe pedem opinião. Agora é mais fácil assumir a posição do que antes. Fala da "viagem muito difícil" que foi não vacinar os seus filhos. Acha que há "um bocadinho mais abertura da sociedade. Há mais livros, mais estudos, com a net é mais fácil".

Em Portugal, cerca de 95 por cento das crianças são vacinadas. Em algumas doenças, a taxa é mais alta, o que significa que se ficam pelas três mil por ano as crianças que não são imunizadas, estima a subdirectora-geral de Saúde, Graça Freitas. São poucas e a responsável não sabe quantas são filhas de pais que recusam a vacinação "por motivos filosóficos ou religiosos" e quantos não o fazem por razões de pobreza e marginalização.

Chantal Prudêncio, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, fala da sua experiência no agrupamento de Centros de Saúde Porto Ocidental (Aldoar). Onde exerce, tem os dois extremos da escala social: pessoas de etnia cigana que resistem à vacinação por ignorância são a maioria; e casos pontuais de pais que agora aparecem e que chama de adeptos "da corrente naturalista". São progenitores a quem pede que assinem um termo de responsabilidade a admitir que foram informados dos riscos.

Se em Portugal o número é pequeno, o peso dos grupos antivacinação em países como França e Inglaterra é maior. É mesmo visto pelo Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças como parte da explicação para a descida de taxas de cobertura vacinal que estará na origem do ressurgimento do sarampo na Europa (ver caixa), uma doença que devia ter sido erradicada até 2010, mas cuja meta já foi adiada para 2015. O resto do problema reside também em grupos que não vacinam porque estão em situação de exclusão social, escreve o El País.

Há quem atribua a força destes movimentos a um artigo publicado em 1998 que associava a vacina tripla (sarampo, papeira e rubéola) a casos de autismo. O artigo foi considerado fraudulento, mas os ecos continuaram a fazer-se sentir. Oitenta e cinco das pessoas agora afectadas não estavam vacinadas e, no Reino Unido, muitos dos que adoeceram são hoje jovens e adolescentes que eram os bebés da época. Em Portugal houve apenas dois casos de sarampo notificados este ano. A revista Wired escrevia, num artigo sobre a antivacinação, que é "um produto da era da comunicação instantânea e do acesso fácil à informação. Os cépticos são armados pela Internet". É onde Henrique Tabot, pai de Lucas, de três anos, e Gui, de ano e meio, pesquisa informação sobre os efeitos secundários das vacinas, porque pelos meios convencionais tem dificuldade em obtê-la: "Qual é o médico que lhe vai dizer quais são os efeitos secundários das vacinas?" Este terapeuta sacrocraniano de 60 anos, pai a tempo inteiro, acha um exagero sobrecarregar tão cedo um sistema imunitário que ainda não está formado. Mas decide caso a caso: irá imunizá-los contra o tétano para irem passar férias na quinta da avó no campo. Depois, logo se vai vendo.

Para já, pode ir adiando enquanto tem os filhos em casa, mas não sabe se terá essa liberdade no futuro. Apesar de a vacinação não ser obrigatória, é prática corrente a obrigatoriedade de mostrar o boletim de vacinas em dia para que as crianças entrem em creches e escolas. Henrique está à espera de vaga numa creche para o seu mais velho e, para não ser prejudicado numa eventual admissão, admite que não revelou a sua opção.

A ideia de que o sistema imunitário não está formado e as vacinas representam uma sobrecarga é um dos argumentos mais usados por estes pais. Paula Valente, pediatra e membro da Comissão Técnica de Vacinação, diz-se "cansada" de argumentos já rebatidos pela comunidade científica, mas lá responde. Durante os primeiros três meses de vida, as crianças são protegidas por anticorpos do sangue da mãe, mas há falta de protecção entre os três e 24 meses, altura em que o sistema imunitário está completamente desenvolvido, o que torna urgente a necessidade da imunização precoce.

A vacinação é considerada a grande causa da história de sucesso da baixa taxa de mortalidade infantil em Portugal. O plano de vacinação foi introduzido em 1965 e, nos dez anos anteriores, havia 40.175 casos de poliomielite, difteria, tosse convulsa e tétano, e 5271 mortes. Entre 1991 e 2000 houve 468 casos, 117 mortes. Para Manuela Ferreira é também o facto de serem doenças de um Portugal passado que justifica que se deixe de sujeitar as crianças às vacinas. Paula Valente responde que, tal como as pessoas, também as doenças hoje viajam com grande facilidade. Dando só o exemplo da poliomielite, a doença ainda existe em Angola e muitos angolanos vivem em Portugal.

Henrique conta que, quando um apanhava sarampo, juntavam-se vários miúdos para ficarem todos imunizados, notando que a melhor forma de se ficar protegido é apanhar a doença. Paula Valente realça que, "mesmo que haja alguma reacção adversa da vacina, nenhuma é mais grave do que a doença que se pretende prevenir". Exemplos de complicações: falência renal por infecção natural com o v? ?rus da hepatite B, surdez por infecção natural por papeira ou pneumonia por infecção natural com varicela.

Manuela Ferreira conta que outra forma de passar aos filhos formas de defesa natural é amamentá-los, algo que fez até aos 11 meses. A enfermeira Chantal Prudêncio explica aos pais que a procuram com esse argumento de que "o leite materno é extraordinário, mas não protege contra doenças como a poliomielite". Para Henrique Tabot, há algo irrefutável: as certezas científicas de hoje podem ser mentiras amanhã. Prova disso é a amamentação, há três décadas vista como sinal de atraso e hoje recomendada por todos, que representa um regresso ao que é natural.