Carlos Santos Neves, in RTP
Depois de colocar Portugal sob vigilância por causa de excessivos desequilíbrios macroeconómicos, a Comissão Europeia veio esta quinta-feira advertir o país para o risco de uma estabilização do desemprego em níveis elevados e estimar que o sistema de proteção social não tem sido capaz de responder à pobreza.
Embora Portugal registe desde a primavera de 2013 “sinais de melhorias” no mercado de trabalho, “o declínio do desemprego atingiu um ponto de paragem”. E a taxa apresenta-se estável desde outubro do ano passado, com uma evidente “redução do emprego”. É o que conclui o último relatório de Bruxelas sobre Portugal, conhecido na sequência do mecanismo de alerta para desequilíbrios macroeconómicos.
A Comissão Europeia decidiu colocar cinco países-membros, entre os quais Portugal, debaixo de “monitorização específica”, na sequência de um primeiro relatório do mecanismo de alerta divulgado em novembro de 2014.
“Concluímos que cinco países, França, Itália, Croácia, Bulgária e Portugal apresentam desequilíbrios excessivos que exigem ação política decidida e monitorização específica”, anunciava na quarta-feira o comissário dos Assuntos Económicos. "Em Portugal, apesar de progressos consideráveis durante a implementação do programa, subsistem riscos importantes ligados aos níveis elevados de dívida, tanto interna como externamente, e alto desemprego”, explicou Pierre Moscovici.
Ao longo do último ano, sinalizam os relatores, a pulverização de postos de trabalho regrediu a um ritmo mais elevado do que o crescimento da economia: “A queda da taxa de desemprego foi muito mais pronunciada do que o expectável, tendo em conta a relação histórica entre desemprego e PIB”.
A Comissão entende que há “fatores específicos” na raiz deste comportamento. Desde logo a quebra da população ativa e o impacto das medidas implementadas no mercado laboral. Nomeadamente “substanciais ajustamentos nos salários reais” e “o avanço nas políticas ativas de emprego”.
A perspetivar o futuro imediato, porém, os autores do relatório preveem que a criação de postos de trabalho desacelere. Ou seja, que “o crescimento do emprego deverá ficar mais alinhado com o crescimento” do Produto Interno Bruto.
“A taxa de emprego está muito abaixo do pico de 2008 e há um risco de o desemprego estabilizar em níveis elevados”, adverte assim Bruxelas, tomando por base a débil recuperação da economia portuguesa e o que considera ser o alargamento do fosso entre as competências dos trabalhadores e aquelas que os empregadores procuram.
A Comissão Juncker lembra, no mesmo relatório, que o emprego total sofreu uma queda de aproximadamente 14,5 por cento – o equivalente a 730 mil postos de trabalho – do segundo trimestre de 2008 para o primeiro de 2013, com mais 525 mil pessoas a serem atiradas para o desemprego.
É neste ponto que o Executivo comunitário situa um dos desafios de maior peso para a recuperação da economia: “Absorver o amplo conjunto de desempregados”.
“Sistema não foi capaz de lidar com a pobreza”
Outra das conclusões dos técnicos de Bruxelas é a de que, nos anos da troika, o sistema de proteção social do país revelou incapacidade para responder ao agravamento dos índices de pobreza.
“O impacto das transferências sociais (excluindo as pensões) na redução da pobreza diminuiu de 29,2 por cento em 2012 para 26,7 por cento em 2013, o que sugere que o sistema de proteção social não foi capaz de lidar com o aumento repentino do desemprego e com o consequente aumento da pobreza”, censura a Comissão.As recomendações da Comissão deverão ser submetidas em março ao Ecofin – o grupo de ministros das Finanças da União Europeia. Bruxelas apresentará em maio novo pacote de recomendações.
As críticas do relatório recaem sobre medidas do Governo de PSD e CDS-PP como os cortes em apoios sociais, que “tiveram um impacto negativo no rendimento disponível” e atingiram “desproporcionalmente os mais pobres” e “crianças com menos de dez anos”.
Há dois anos, recorda Bruxelas, o risco de exclusão social eram particularmente agudo para as crianças - 31,6 por cento contra 27,4 por cento da restante população do país. Neste contexto, entre outubro de 2010 e agosto de 2014, foram quase 592 mil os beneficiários que ficaram sem apoios sociais à infância.
“O aumento dos níveis de pobreza e de exclusão social foram afetados pelo aumento do desemprego até 2013. A forte subida do desemprego e do desemprego de longo prazo traduziu-se no deteriorar dos indicadores de pobreza”, avalia o relatório.
Ainda que tenham sido adotadas medidas destinadas aos mais desfavorecidos, a Comissão Europeia nota que ficaram por decidir “medidas-chave para garantir uma cobertura adequada da assistência social”.
c/ Lusa