Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Desde que foi previsto o tráfico para exploração laboral, o país registou pelo menos 38 condenações.
Pelo menos 38 pessoas foram condenadas por tráfico de seres humanos desde 2007, ano em que o crime deixou de contar apenas quando o destino era acto sexual ou prostituição e passou a abranger a exploração laboral e a extracção de órgãos. Desde o início deste ano, houve 16 condenados.
Segundo o Ministério da Justiça, os tribunais de primeira instância dão conta de três condenados em 2008, cinco em 2009 e seis em 2012. Os dados do ano passado não estão ainda disponíveis. Há que acrescentar dois condenados em 2009, que a estatística da justiça não considerou aqui por terem sido sujeitos a uma pena maior pelo crime de associação criminosa. De acordo com o calendário de divulgação, dados mais recentes só deverão ser conhecidos no final de Outubro.
A recolha feita pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) permite actualizar parte da informação. No ano passado, houve dois condenados por tráfico de pessoas, lenocínio, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão-de-obra ilegal em Vila Nova de Famalicão. Já no início deste ano, no mesmo concelho, outros dez, desta vez por tráfico de pessoas e branqueamento de capitais.
A Polícia Judiciária, o outro órgão com competência para investigar este tipo de crime, não trata dados desta forma. Uma busca nas notícias saídas na imprensa nacional resulta em dois processos. No ano passado, o Tribunal de Nelas condenou quatro indivíduos por tráfico de pessoas angariadas em Portugal e exploradas em Espanha – a decisão foi confirmada pela Relação. Já em Junho deste ano, em Beja, seis outros foram condenados por tráfico de pessoas da Roménia para exploração em Portugal.
Contas feitas, os casos do SEF e da PJ que chegaram este ano a julgamento resultaram em 16 condenações. Pelo menos mais um caso deverá este ano chegar à barra do Tribunal de Beja. O Ministério Público deduziu acusação contra outros seis supostos traficantes de romenos para apanha da azeitona, a partir de uma investigação do SEF.
Manuel Albano, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, relator do relatório anual de tráfico de seres humanos, remete o aumento de condenações para mudanças recentes: houve “investimento na sensibilização dos magistrados, melhoria do processo de sinalização e na recolha de prova”. “Tudo foi sendo aprimorado”, diz. Faz, por exemplo, toda a diferença ter equipas exteriores que oferecem apoio às vítimas resgatadas pela polícia, que conversam com elas sobre o que lhes aconteceu e lhes oferecem ajuda. Parece-lhe que há "um ganho de confiança que pode ter um reflexo nos tribunais".
Ainda em Fevereir,o o grupo de Peritos em Acção contra o Tráfico de Seres Humanos (Greta), organização do Conselho da Europa, revelou preocupação com o baixo número de condenações em Portugal. Aconselhou as autoridades a identificarem as falhas na investigação e na apresentação de casos em tribunal.
“Tem havido a ideia de que há poucas condenações por tráfico”, comenta o director nacional adjunto do SEF, José van der Kellen. “Pode não haver as que queríamos, mas isso não significa impunidade. Há condenações, muitas vezes severas, por associação criminosa, auxílio à imigração ilegal, agressão, falsificação de documentos etc.”
Numa conferência organizada em Maio pelo SEF, a directora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), Maria José Morgado, disse que a jurisprudência está desfasada da realidade. No seu entender, parte do problema está na formulação demasiado “fechada” da lei em vigor. Parece-lhe que seria mais adequado ter “uma previsão penal mais aberta, como a do tráfico de droga”.
A procuradora defendeu que são excessivas as exigências que se fazem em sede de prova. Pede-se “a prova dos transportes, a prova da identificação das pessoas transportadas, a prova dos calendários dos circuitos de entradas e saídas do país, o destino das vítimas e a ligação entre, por exemplo, a prostituição exercida naquele momento concreto e transportadores e recrutadores”. É como se se acreditasse que tudo é feito pelas vias “normais”.
O número de condenados não pode confundir-se com o número de processos. Esses são um ou dois por ano. José van der Kellen diz que o cenário não é tão negativo como pode parecer a quem se limita a olhar para a pequenez destes números: “Se tivermos todos os anos condenações por tráfico de seres humanos, algo estará mal. Isso quereria dizer que Portugal era um antro de criminalidade organizada.” Na sua opinião, há que ter em conta a capacidade de atracção do país.