11.2.15

“Os polícias disseram que nós, africanos, temos de morrer”

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

Desde quinta-feira que a Cova da Moura tem estado nas notícias. Seis jovens detidos pelos agentes da esquadra da PSP de Alfragide acusam a polícia de tortura e racismo. Pontapés, tiros, e violência verbal fazem parte da acusação. “Vocês têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos executados”, dizem ter ouvido. Ou: “Deviam alistar-se no Estado Islâmico”. PSP e IGAI estão a investigar.

Os habitantes da Cova da Moura estão habituados a ver polícia neste bairro da Amadora. Volta e meia aparecem para fazer rusgas. Na quinta-feira, 5 de Fevereiro, “por volta do meio-dia”, Bruno Lopes estava na Rua do Moinho quando “pelo menos seis” agentes da polícia abordaram “duas pessoas”.

Um dos polícias começa a rir para Bruno, que vira a cara. Bruno conversa com o primo e ri-se com ele. O polícia diz-lhe: ‘Estás-te a rir, olha que podes perder o sorriso”. O primo sugere que entrem no café, e em crioulo, Bruno diz que não tem de sair de onde está. O polícia quer saber do que falam, e encosta-o à parede. Vêm mais dois agentes que o agridem. Bruno não ofereceu resistência alguma. Isto é versão de Bruno Lopes, 24 anos.

Da varanda de sua casa, Jailza Sousa, 29 anos, cabo-verdiana voluntária no Moinho da Juventude, vê-o “a levar chapadas”, e Bruno sem reagir, “nada que desse origem àquilo tudo”. Bruno ouviu uma voz feminina a gritar aos polícias: “Parem”. De nada serviu.

– Começaram a bater até fazer sangue, lembra Jailza.

Na rua em baixo, em casa, Celso Lopes ouve um, dois, três, quatro, cinco disparos.

– O policial apontou para mim e disparou uma vez, tornou a carregar e a disparar, diz Jailza, com os cartuchos das balas de borracha na mão. O meu filho viu, está traumatizado.

Bruno Lopes é algemado e levado para a esquadra de Alfragide, a cerca de um quilómetro dali.

– Bateram-me com o cassetete, davam pontapés, conta. – Diziam-me para me candidatar ao Estado Islâmico. Chamavam pretos, macacos, que iam exterminar a nossa raça.

Quatro dias depois, na segunda-feira, junto ao café ainda se vêem umas pingas de sangue. Jailza tem duas marcas das balas de borracha com que foi atingida: uma na nádega, outra no peito. Mostra-nos as sequelas, envergonhada, numa das salas de leitura da biblioteca do Moinho.

Bruno seria libertado na sexta-feira. Foi acusado na altura de ter lançado uma pedra e partido um vidro da carrinha da polícia. Nega tudo. “Se estava a ser revistado, como é que podia ter lançado uma pedra?”

Abertura de inquérito
O PÚBLICO deslocou-se à esquadra de Alfragide para confrontar os polícias com todas as acusações que aqui reproduzimos, mas o chefe desta unidade remeteu para as relações públicas da PSP. Têm uma versão contraditória dos factos. Por seu lado, a direcção nacional desta polícia garantiu-nos que o incidente foi “objecto do tratamento previsto para qualquer situação de acção/intervenção policial”. Abriu um inquérito interno. Aguarda os trâmites legais e não faz comentários, mesmo depois de confrontada com as acusações. A Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) também abriu um inquérito à actuação da PSP.

O Moinho da Juventude, projecto comunitário que existe há 30 anos na Cova da Moura, já recebeu diversos prémios como o de Direitos Humanos da Assembleia da República. Flávio Almada, conhecido como Lbc na sua pele de rapper, membro da direcção, é formado em tradução, está a preparar uma candidatura a um doutoramento, e participou em projectos como o ALICE, coordenado por Boaventura de Sousa Santos. Trabalha com crianças e jovens e muitas vezes Jailza ajuda-o. Cruzou-se com ela na quinta-feira e viu-a a chorar. Perguntou o que tinha acontecido. Decidiu ir à esquadra perceber o que se passara com Bruno. Celso Lopes, também da direcção do Moinho, investigador social, acompanhou-o. Juntaram-se mais amigos de Bruno.

– Chegámos à porta da esquadra e estavam três agentes. Dissemos que éramos do Moinho e queríamos falar com o chefe. A abordagem deles foi logo agressiva: ‘Esperem na porta, não vão entrar’. Dois foram para dentro e gritaram: ‘Malta! Disseram: ‘basa daqui’.

Flávio não consegue reproduzir com detalhe tudo o que se passou, pois tudo se passou muito rápido. Garante que não houve qualquer tipo de provocação, agressão, violência.

– Não somos malucos. Sabemos a intervenção que eles fazem.

Sabe que ouviu um primeiro tiro e depois outro e Celso atingido na perna. Celso diz que mais de uma dezena de agentes apareceram a seguir. E que no meio dos insultos foi pontapeado até que:

– O polícia que me baleou duas vezes fez um disparo e fez ricochete e atinge-me na perna. Quando me viro para dizer ao Flávio, ele dá um segundo tiro na perna. Dentro da esquadra há um hall que tem uma secretária e mandaram-me contra um pneu. Mas depois o polícia disse: ‘Não, a merda tem que estar no chão.’