in Público on-line (P3)
Torre 4 do Aleixo foi demolida no dia 12 de Abril de 2013, mas o futuro do que resta do bairro continua uma incógnita. Dois anos depois da queda da segunda das cinco torres, um grupo de seis instagramers fotografou o "lugar onde poucos entram"
Texto de Mariana Correia Pinto • 12/04/2015 - 23:10
Entre as torres 1 e 2 do Aleixo, no Porto, oito homens ocupam o "ringue" e cumprem a "tradição de domingo". Joga-se futebol. Moradores contra moradores, misturada com gente "expulsa" do bairro que recusa afastar-se dele. São quase 12 horas do dia 12 de Abril. Em 2013, neste dia e por esta hora, ainda se via no ar a poeira levantada pela queda da torre 4. Ainda se ouviam gritos de revolta e se limpavam lágrimas. Dois anos depois, e enquanto o futuro do Aleixo continua um gigante ponto de interrogação, um grupo de seis instagramers visitou o bairro onde poucos ousam entrar. O que viram e fotografaram não foi o Aleixo — foi "o que sobra" dele.
A sentença é dada por Antonieta Silva, quase 40 anos de bairro e uma mágoa do tamanho da torre onde vive. Quando se mudou para o Aleixo, "chavala de 14 anos", era outra coisa: "Havia um reboliço e uma animação constantes e muita união entre os moradores. Só de pensar no que era o São João aqui no bairro até me emociono..." Agora, vive no 12.º piso da torre 3 à espera de um futuro que não controla. "A nossa vida é estarmos aqui arrumados à espera que digam como vamos viver. A gente não conta para nada e a nossa opinião é inútil."
Foi para "mostrar o problema por dentro" que Luís Octávio Costa (@kitato) se aventurou na criação de um "instameet" no Aleixo, o primeiro de uma série de encontros que o editor do P3 e instagramer recentemente elogiado pelo Huffington Post quer fazer no país. As gigantes torres de vistas invejáveis para o Douro foram o cenário de umas boas horas de conversa, passeio e muitos cliques para os cinco instagramers convidados pelo organizador: @doavesso (Patricia Costa), @mazedlm (André Neves), @alexcoelholima (Alexandre Coelho Lima), @diogolage (Diogo Lage) e @anitados7oficios (Ana Morais) vão, ao longo da semana, mostrar o que viram na hashtag #InstAleixo.
Este Aleixo — com filtros, mas sem ficção — deve ser revelado. É o Aleixo que emocionou Ana Morais, que não gosta de fotos sem gente dentro e que de tantos retratos fazer recebeu flores e abraços das crianças como prendas. O Aleixo de "dimensão vertical" e lado "modesto e afável" que encantou Diogo Lage. O Aleixo geométrico do arquitecto Alexandre Coelho Lima e o cinematográfico de Luís Octávio Costa. O Aleixo com sorrisos de André Neves (o Maze dos Dealema) e o Aleixo a preto e branco de Patrícia Costa. Mas também o Aleixo que não descola da droga e onde se exigem cuidados de segurança: fotografar na direcção da torre 1, avisa o ex-morador Renato Florim, "não é aconselhável".
"Deixaram aqui o gado que somos nós"
O conselho do jovem, que juntamente com José e Jonas acompanhou o encontro de instagramers no Aleixo, resume-se numa frase de Alberto Moreira, morador da torre 2 e proprietário do Bar Azul, um exíguo espaço na cave da torre: "Foram-se as pessoas, ficou o tráfico de droga." A demolição das torres, diz-se sem discordâncias numa animada conversa no café, não resolveu em nada o problema — que se espalhou por outros bairros da cidade e tem há um ano (desde a demolição da antiga fábrica de sabão de Lordelo) um foco privilegiado no antigo mercado e café do Aleixo. E os realojamentos feitos aos poucos, e que deixam as torres semi-habitadas, só vieram agravar o problema, lamenta Sónia Gonçalves: "Mandaram as torres abaixo e deixaram aqui o gado que somos nós. Somos tratados como gado. Na droga eles não têm coragem de mexer."
A moradora da torre 1 do Aleixo, edifício onde o tráfico é mais acentuado, mudou-se para ali há 40 anos. Menos um do que conta agora. Não trocava o bairro por nenhum lugar do mundo, mas viver na torre 1 por estes dias dá medo. Não pela droga com a qual sempre viveu paredes meias. O problema, conta revoltada, "são as ratazanas e as pombas." "Só visto é que a pessoa acredita. Imagine o que é viver num lugar onde há ratazanas de um tamanho que nunca tinha visto na vida. De não saber quando é que as crianças estão em perigo..." O que se pede pelo Aleixo é uma decisão rápida e tratamento semelhante ao que é dado aos demais moradores de bairros sociais no Porto. "Nós pagamos rendas, caso contrário somos logo despejados, mas não temos direito a nada. Estamos aqui completamente esquecidos. Às vezes com os elevadores avariados. É assim desde que esse senhor Rui Rio foi para a câmara", desabafa Alberto Moreira, 33 anos de vida e de bairro.
São queixas que Patrícia Costa (@doavesso) conhece bem. A educadora social da ADILO (Agência de Desenvolvimento Integrado de Lordelo do Ouro) entrou pela primeira vez no Aleixo em 2003 e trabalhou durante muitos anos dentro do bairro. Regressar ali e ver os espaços onde trabalhava, na torre 3, é desolador. "Aqui era o gabinete, entrávamos por esta porta...", descreve. Renato Sousa, presidente da Associação de Moradores, vai acenando como quem percebe bem o sentimento de tristeza. Viveu as últimas duas décadas por ali e viu tudo: desde o "boom" de intervenção dos anos 90 até ao abandono a partir de meados de 2000. "Costumo comparar isto a um campo completamente infértil onde se investiu muito. Insistiu-se, plantaram-se sementes, regou-se. E um dia fez-se até a primeira colheita. Mas depois esqueceram-se de continuar a tratar... como qualquer campo, tornou-se novamente infértil. Perdemos tudo", lamenta.
O futuro do bairro continua em "stand-by". Depois de a Mota-Engil ter demonstrado interesse em constituir-se accionista do Invesurb – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, que gere os terrenos do Aleixo, a Câmara do Porto veio dizer que o contrato terá de ser alterado para que a entrada da empresa de construção seja formalizada. Além de “recapitalizar o fundo e dotá-lo de instrumentos financeiros que lhe permitam cumprir o fim a que estava destinado”, Rui Moreira garantiu recentemente ao PÚBLICO que a sua “prioridade” é que o fundo avance com a construção de habitação para os moradores do Aleixo na Avenida Fernão de Magalhães e na Travessa de Salgueiros.
No bairro agora com três torres continua ainda a funcionar um ATL (que os ex-moradores fazem questão de continuar a frequentar) e um centro de apoio à terceira idade. Há uma comunidade que sobrevive unida — como se querem os bairros — e que, depois de ultrapassar alguma desconfiança, até gosta de receber "estranhos". Instagramers incluídos. Mas uma comunidade entristecida que tombou com as duas torres desabadas, como espelham os desabafos de Antonieta Silva: "Isto já foi o Aleixo. Agora é o que sobra do Aleixo. É uma coisa que às vezes já nem reconheço."