2.12.15

Paris entre o clima e a pobreza

Victor Ângelo, in Visão

Evitar o aquecimento global e eliminar a pobreza são as duas traves mestras do futuro


Apesar das declarações otimistas, ouvidas durante a cerimónia de abertura da conferência de Paris sobre as alterações climáticas (COP21), o resultado final deverá ficar aquém das expectativas. Terá, no entanto, valido a pena, mesmo considerando os custos ambientais que uma reunião desta magnitude irá ocasionar. Ao fim de 15 dias de discussão, a atmosfera terá recebido cerca de 21 000 toneladas de dióxido de carbono suplementares, sem contar com o impacto resultante das viagens de mais de 40 000 participantes. Mas atenção, está-se a procurar solucionar um dos dois desafios que mais pesam sobre o futuro da humanidade. E aqui, permitam-me um aparte. O outro grande desafio não é, na minha opinião e aí discordo do Presidente francês, o do terrorismo. A pobreza é a outra face da moeda. Trata-se, isso sim, de resolver as carências extremas relacionadas com a fome, a água potável, a habitação, a educação e os cuidados primários de saúde. Esquecer essas evidências é excluir da agenda global à volta de 2 mil milhões de pessoas. Evitar o aquecimento global e eliminar a pobreza são as duas traves mestras do futuro.

Vários governos estão na COP 21 depois de terem preparado um plano em cima do joelho, um faz-de-conta para conferencista ver, em vez de um quadro de ações concreto e verificável, o que seria um compromisso nacional de redução das emissões de carbono e de promoção de energias alternativas. Outros estão na reunião à espera de contribuições dos países mais ricos, no seguimento da proposta de criação de um fundo global que compense os países menos desenvolvidos, que são simultaneamente os que menos gases com efeito de estufa produzem. Outros ainda ir-se-ão opor a tudo o que possa soar a obrigação de agir.

O mais provável é que se fique, de novo, pelo menor denominador comum, no que respeita à parte governamental da COP 21. Mas temos que acreditar, pelo menos de vez em quando, no bom senso, no sentido histórico e na coragem dos políticos. Será agora?

Existe hoje uma consciência muito mais apurada da urgência da resposta ao aquecimento global. O processo que começou em 1992, com a conferência do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente, ganhou uma vastíssima gama de apoiantes. Muita gente, um pouco por toda a parte, sobretudo nos países que mais pesam em termos de emissões de dióxido de carbono, sabe que é preciso tomar medidas que evitem um aquecimento superior a dois graus centígrados. A opinião pública pode, assim, exercer uma pressão significativa sobre as opções políticas.

Essa pressão já se nota. Não obstante as contradições internas com que se debatem, os EUA, a China e a UE vieram a Paris com a intenção clara de fazer avançar a agenda climática. As palavras ditas pelos líderes foram das mais apropriadas. É verdade que no caso americano a opinião mais retrógrada, ligada ao Partido Republicano, continua a negar a evidência sobre as causas das alterações climáticas. Mas também se deve reconhecer que a administração do Presidente Obama, bem como muitos líderes ao nível das cidades e de alguns estados têm transformado a maneira de produzir energia ao nível local. Por seu turno, diversas fundações filantrópicas estão prontas para canalizar muitos milhares de milhões para a investigação científica e tecnológica de ponta, colocando o acento na eficiência e na redução dos custos, para que as novas técnicas possam ser rentáveis. Também há vários exemplos de grandes corporações a ir no mesmo sentido. No caso europeu, há uma promessa formal de contribuir para o fundo global e de aumentar significativamente a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis.

A Índia veio para as negociações com uma posição muito crítica em relação ao mundo desenvolvido. Todavia, é justo fazer uma referência positiva à iniciativa que acaba de lançar, em parceria com a França. O objetivo é o de mobilizar meios que permitam uma expansão excecional – e em conta, a preços acessíveis – da utilização da energia solar nas zonas tropicais, entre os Trópicos de Câncer e de Capricórnio. A maioria das populações mais pobres encontra-se nessa faixa do globo. Se o projeto tiver sucesso contribuirá, nos próximos quinze anos, para uma melhoria considerável das condições de vida dessas pessoas. Terá também um efeito multiplicador sobre o crescimento económico. Deverá, no entanto, ser acompanhado, no meu entender, por uma revolução verde, ou seja, por uma modernização radical, sustentada e amiga da natureza, da agricultura desses países. Estaremos, então, mais próximos da resolução dos dois desafios que acima mencionei.