16.6.16

Os mais pobres têm pior saúde

Paula Santos, in Expresso

Não é só o PCP que tem vindo a alertar e a denunciar as consequências desastrosas das políticas de saúde, em particular do anterior governo no SNS e na saúde dos portugueses.

Os relatórios de primavera têm também vindo a alertar para os impactos das políticas na saúde das populações e a denunciar as crescentes dificuldades no acesso aos cuidados de saúde. Não deixaram de referir que não só o anterior governo PSD/CDS não fez nenhuma avaliação dos impactos das medidas que impôs, de redução de salários e rendimentos e de cortes nas funções sociais do Estado e que nunca reconheceu as consequências profundamente negativas dessas medidas na saúde das pessoas, afirmando inclusivamente que o governo PSD/CDS estava em “estado de negação”.

Para que se conheçam exatamente os impactos da política de empobrecimento e de exploração prosseguida pelo anterior governo na saúde dos utentes, o PCP propôs logo no início desta sessão legislativa um Projeto de Resolução que recomenda ao governo “que proceda à identificação, em todas as áreas, das consequências das políticas de desinvestimento público e de sucessivos cortes orçamentais, no financiamento e no investimento público, no funcionamento dos estabelecimentos públicos de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde, nos profissionais de saúde e na prestação de cuidados de saúde aos utentes.”

O Relatório de Primavera de 2016 dá uma especial atenção às desigualdades em saúde. O relatório conclui que Portugal é um país com grandes desigualdades em saúde, sendo um dos países da Europa onde as desigualdades em saúde são mais elevadas e que se perpetuaram (constatam-se ao longo da vida e perpassam gerações) e agravaram nos últimos anos.

Os baixos salários, pensões e rendimentos, as enormes desigualdades na redistribuição de rendimentos, o desemprego e a instabilidade laboral, a redução das prestações sociais, os cortes na educação e na saúde, o alastramento da pobreza, contribuíram decisivamente para as crescentes dificuldades na acessibilidade à saúde. O Relatório da Primavera conclui ainda que “os riscos de adoecer aumentam significam ente com a ausência de escolaridade, na presença de baixos rendimentos ou nos idosos”. E acrescenta que “ Continuam a ser os mais pobreza os mais doentes e os mais doentes os mais pobres, num ancestral e inquebrável ciclo de pobreza e de doença”, confirmando o que há muito se sabia.

A realidade do dia-a-dia de muitos serviços públicos de saúde e de muitos utentes evidencia isso mesmo. Há utentes que adiam as consultas e há doentes oncológicos que abandonam a terapêutica e os tratamentos porque não têm condições económicas. É frequente nos serviços de urgência surgirem muitos doentes com uma situação de saúde muito fragilizada por questões sociais, ou porque deixaram de tomar os medicamentos, ou porque não se alimentam adequadamente ou no período de inverno porque não se aquecem, tudo por falta de condições económicas.

Sempre denunciámos que as opções que estavam a ser prosseguidas por PSD e CDS inseriam-se numa estratégia muito clara, de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde para avançar numa perspetiva de uma saúde a duas velocidades, uma para aqueles que têm condições económicas e sociais onde lhes são assegurados todos os cuidados de saúde que necessitam e outra assente num serviço público de saúde desqualificado, assegurando somente um pacote mínimo de cuidados para os mais pobres.

Não foi por acaso que a Constituição da República Portuguesa determinou a existência de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral, independentemente das condições económicas e sociais de cada um. Foi exatamente para assegurar que não havia discriminação entre os utentes, que tanto o pobre como o rico teriam as mesmas condições de acesso a cuidados de saúde com qualidade.

Para inverter esta situação e garantir efetivamente o acesso de todos os utentes aos cuidados de saúde é preciso investir no Serviço Nacional de Saúde, dotando-o dos meios financeiros, técnicos e humanos necessários para responder adequadamente, com qualidade e em tempo útil às necessidades das populações. Investimento que passa pelo reforço dos cuidados de saúde primários, em proximidade e atribuindo médico de família e enfermeiro de família a todos os utentes; passa pela reorganização da rede hospitalar para que responda às necessidades da população; passa pela valorização profissional, social e remuneratória dos profissionais de saúde; passa pela implementação de uma verdadeira política de saúde pública e passa necessariamente pela melhoria das condições de vida das populações através da valorização dos salários e pensões, da criação de emprego com direitos, no reforço da proteção social e por um maior investimento na educação.