Nuno Rafael Gomes (texto) e Miguel Cabral (ilustração), in Público on-line
Os jovens denunciam mais, mas ainda lhes é difícil sair de relações abusivas. Quando os telemóveis e as redes sociais entram nas relações, descodificam-se as desconfianças através de partilhas de passwords. É preciso “falar destes assuntos na escola”, avisam especialistas.
Bárbara (nome fictício) chegou a Portugal há pouco mais de meio ano. Saiu do Brasil para estudar e trabalhar no Porto, onde o seu namorado de há quatro anos — também ele brasileiro — se tinha estabelecido “poucos meses antes” da sua chegada. Ela tem 23 anos; ele, 40. Descreve-o como “uma pessoa descontrolada”. Já Maria terminou uma relação depois de o então namorado lhe esconder o telemóvel “para ler as mensagens”. “Também queria controlar o que eu vestia e isolou-me dos meus amigos.” Para Carla (nome fictício), alguns dias do Verão de 2017 foram “bastante complicados”. Depois de “acabar” com o namorado, recebeu a mensagem: “Não te esqueças que sei onde trabalhas.” Deixou de colocar a localização nos seus posts.
Estes são apenas três casos que reflectem algumas conclusões apontadas por dois estudos apresentados em Fevereiro: o da associação Plano i, Violência no Namoro em Contexto Universitário: Crenças e Práticas, e o da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), Violência no Namoro 2019. Há um aumento na taxa de violência psicológica entre os jovens, que cada vez mais adoptam “crenças conservadoras”. Também há uma maior sensibilização para o tema. A ameaça via telemóvel (com mensagens como “eu sei onde estás e quero explicações") ou nas redes sociais preocupa não só as duas organizações, como também a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).
“O essencial é pedir ajuda à APAV no sentido de podermos informar e apoiar as vítimas”
Daniel Cotrim
Mas vamos por partes. Para Bárbara, “a violência verbal sempre existiu”. “Já existiu violência física e ele já me prendeu num ‘mata-leão’ [golpe de estrangulamento das artes marciais japonesas] até eu desmaiar”, conta. Isso foi no Brasil. Numa viagem a Paris, agrediu-a na rua. “Chutou-me e eu estava jogada no chão. Ninguém fez nada.” Prefere o anonimato porque tem medo que se descubra. Ainda vivem juntos. “Não tenho para onde ir. Não tenho como pagar renda sozinha, tenho de pagar propinas também.” Para Bárbara, a solução seria “morar noutra cidade ou arranjar um emprego longe” para fugir ao companheiro “controlador” que não gosta que ela tenha “uma educação, uma profissão, amigos”. “A situação está mais tranquila porque estou poucas vezes em casa, por causa do trabalho e da faculdade”, acrescenta. Ainda assim, já foi ameaçada pelo companheiro por recusar ter relações sexuais.
Situações como a de Bárbara não são desconhecidas de organizações portuguesas que lidam com a violência doméstica — e não só. “Estes processos são difíceis e não são imediatos, mas têm solução”, garante Daniel Cotrim. O assessor técnico da direcção da APAV, responsável pelas áreas da violência doméstica e de género e da igualdade, ressalva que é importante dizer que não se consegue interromper “o ciclo da violência” rapidamente.