18.3.19

Migrantes na Grécia: 862 dias à espera da burocracia europeia

por Sara Capelo, in Sábado

Três anos depois do acordo entre UE e Turquia, há marcações de pedidos de asilo a serem feitas para julho de 2021. E campos que deveriam acolher 648 pessoas e que têm seis vezes maior lotação

Vathy deveria albergar 648 refugiados e requerentes de asilo. Mas neste campo da ilha grega de Samos estão seis vezes mais pessoas, vindas de países tão distantes como o Afeganistão, e que ali aguardam por uma decisão sobre o seu pedido de asilo na Europa.


O alerta é feito pela associação Médicos Sem Fronteiras (MSF) no dia em que se assinalam três anos do acordo entre a União Europeia e a Turquia sobre o acolhimento de migrantes em cinco pontos (hotspots) das ilhas gregas.


E vem na sequência de uma petição assinada, entre outros, pela Amnistia Internacional, a Human Rigths Watch, Médicos do Mundo, Serviço Jesuíta para os Refugiados ou Oxfam e que refere que esta "política que aprisiona as pessoas nas ilhas gregas e as impede de alcançar o território europeu tem provocado um ciclo recorrente e interminável de sobrelotação, de condições de vida de má qualidade e de um acesso aos serviços extremamente débil".

O acordo, assinado a 18 de março de 2016, previa que todos os migrantes que, desde então, entrassem ilegalmente na Grécia fossem devolvidos à Turquia. O objetivo era reduzir as chegadas à Europa por esta rota do mar Egeu. Mas entre a intenção e a realidade, 12 mil pessoas ficaram retidas nestes campos gregos. E, avança a MSF, apesar de o número de chegadas ter diminuído desde a assinatura deste documento, só desde o início de 2019 foram 5 mil os novos migrantes que pisaram a Grécia, vindos de países em conflito, como o Afeganistão, da Síria, do Iraque ou da República do Congo.

"A Grécia tornou-se numa lixeira para deposição de homens, mulheres e crianças cuja proteção a União Europeia falhou", acusou numa nota enviada às redacções Emmanuel Goué, chefe da missão da MSF na Grécia.

E enquanto a burocracia não avança, a vida prossegue diariamente. Segundo esta organização humanitária, entre todos os hotspots gregos, Vahity é a situação mais grave porque o sobrelotação leva a que quem ali está "viva em tendas de campismo ou por baixo de plásticos e rodeada de lixo ou excrementos humanos", descreve Vasilis Stravaridis, diretor-geral da MSF na Grécia. Para os que já não conseguiram lugar no campo propriamente dito, resta-lhes viver nestas tendas ou sob os plásticos entre os arbustos. Chamam-lhe "a selva".

O regresso dos MSF ao campo
O afegão Mansoor, de 21 anos, partilha uma tenda com dois amigos. Mas nenhum tem acesso a água potável para tomar banhou ou lavar as suas roupas. As instalações sanitárias ficam a uma grande distância de, por exemplo, instalações sanitárias. À noite, sempre escura e sem qualquer iluminação pública, as mulheres e as crianças não se atrevem a sair à procura de uma, que fica lá ao longe.

"Eu não vou sem o meu marido, porque tenho medo", relata Farida, que ali chegou no início de março com os quatro filhos.

E depois há os bêbados, que as ameaçam e atacam. E as grávidas com pouco acompanhamento médico. E os idosos, os doentes crónicos, as pessoas que sofrem de distúrbios mentais que nestas condições de "desumanidade", como descreve a MSF, pioram. E 79 menores desacompanhados. Há um mês, a MSF voltou a enviar uma equipa médica para Vathy.

Outros exemplos de sobrelotação
E os problemas que ali detetaram também se têm repetido nos campos de Moria, na ilha Lesbos (onde vivem 5.225 pessoas num espaço previsto para 3.100) e Chios (sobrelotado com 1.361 pessoas, numa área para 1.014).

O palestiniano Shaker, de 35 anos, está há vários meses no campo de Vial, na ilha de Chios. As dificuldades que vivenciou em Gaza, depois a travessia para o Egipto, de barco até à Turquia e à Grécia, causaram na sua mulher problemas psiquiátrios, que Shaker sente estarem a agravar-se pela miséria que encontraram ali. Tem pesadelos e nem sequer consegue sair do contentor, que dividem com outra família, e onde a energia é limitada: só há entre as 2 e as 4 da tarde e depois entre as 6 e a meia-noite.

A iraquiana Iman, que tem diabetes, e o marido, com problemas respiratórios, partilham um destes contentores com os outros 12 membros da sua família. Queixou-se às autoridades que com estes problemas de saúde deveriam viver noutro local. "É o que temos", disseram-lhe. Iman não se resigna: "Viemos para a Europa para fugir à guerra, e é assim que a Europa nos trata".

No Inverno de Moria, diz esta organização, 60% das crianças que os médicos ali assistiram ficaram doentes devido às fracas condições de insalubridade que ali existem.
Excesso de pessoas, burocracia
Estes migrantes encontram ainda uma parede de burocracia difícil de escalar. Exemplo: um jovem chegou do Afeganistão no final do ano passado e foi instalado em Chios. Tem consigo uma folha A4 que lhe serve de documento de identificação enquanto está no campo. É nessa mesma folha que se lê a data em que o seu pedido de asilo estará terminado: 26 de julho de 2021.

São tantos os que, como ele, procuram asilo na Europa que as autoridades gregas só conseguirão terminar o processo dentro de 862 dias.