Elisabete Tavares, in DN
A Deco diz que a lei não está a ser cumprida e pede maior proteção legal da casa de família.
Por uma dívida de mil euros a um operador de telecomunicações, a família Costa (nome fictício) perdeu a sua casa e não tem onde viver. Este é um dos casos que têm chegado ao Gabinete de Proteção Financeira da Deco de famílias que perdem a casa por dívidas, algumas de montante reduzido quando comparado com o valor da habitação.
Num outro caso, Manuela necessitou de alugar um determinado equipamento para realizar um tratamento médico, ficando a liquidar um valor fixo mensal durante dois anos. Com o divórcio e o facto de ganhar o salário mínimo deixou de cumprir o pagamento do aluguer do equipamento. Mas manteve em dia o crédito à habitação. Acabou por ser notificada da penhora do imóvel - com um valor patrimonial de 106 600 euros - para pagar a dívida de 3500 euros.
"Situações como esta ocorrem com demasiada frequência. São muitas as famílias que se veem privadas da casa - a morada de família - na sequência de processos de execução e de insolvência", disse Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco. "Todos os dias nos chegam casos de portugueses que perdem as casas devido a penhoras. Há cada vez mais pedidos de ajuda", garante.
As penhoras são relativas a dívidas - excluindo as fiscais -, desde faturas de telecomunicações que ficam por pagar, a contas ligadas a tratamentos de saúde ou a cartões de crédito, por exemplo. Desde 2016, a lei impede o fisco de vender as casas penhoradas que sejam usadas como habitação própria permanente. Mas esta lei não se aplica a situações de execução judicial de créditos.
Muitas destas casas penhoradas são relativas a devedores que têm um salário igual ou inferior ao salário mínimo nacional
"É muito injusto o que está a acontecer com muitas famílias. Há uma enorme desproporcionalidade entre o valor em dívida e o valor da casa penhorada", indicou Natália Nunes. "Este ano são mais frequentes os casos que nos surgem. É uma realidade também muito presente no norte."
A Deco tem feito diligências junto do governo e dos partidos com assento parlamentar no sentido de ser criada legislação que impeça que mais casos destes aconteçam. "O direito à habitação está consagrado na Constituição. Não deve ser permitido deixar famílias sem casa por dívidas não relacionadas com o crédito à habitação", sublinhou.
Para a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, a lei não está a ser cumprida. "A lei implica, por um lado, que a proporcionalidade seja limitada a bens no valor necessário e suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda, e, ainda, que a escolha dos bens a penhorar seja adequada para que o executado sofra o mínimo de prejuízo", lembrou Natália Nunes.
Acresce que muitas destas casas penhoradas são relativas a devedores que têm um salário igual ou inferior ao salário mínimo nacional - o qual não pode ser alvo de penhora. Há igualmente casos de pensionistas que ficam sem o único bem que possuem: a sua habitação. Seja por dívidas, inclusive ligadas a gastos com saúde, seja até porque foram fiadores de um empréstimo.
Desemprego, precariedade no trabalho ou divórcio são as principais situações que levam algumas famílias a não conseguir pagar todas as despesas. "É uma injustiça social. Estamos a atirar pessoas para a exclusão social", salientou Natália Nunes.