31.7.20

Compensação no sucessor do layoff simplificado inclui prémios e subsídios

Victor Ferreira, in Público on-line

Decreto-lei do apoio extraordinário à retoma progressiva já saiu em Diário da República e confirma flexibilidade para as empresas entrarem e sairem deste regime quando lhes interesse.

A lei que regula o mecanismo de apoio ao emprego que sucede ao layoff simplificado determina que a compensação retributiva a que os trabalhadores terão direito pelas horas não trabalhadas será calculada com base em todas as “componentes remuneratórias regulares normalmente declaradas”. Isto significa que serão tidas em conta a remuneração base, os prémios mensais, os subsídios regulares mensais, incluindo os de trabalho por turnos, o subsídio de refeição, nos casos em que este integra o conceito de retribuição, e o trabalho nocturno.

Isto significa que o Estado, que pagará 70% da compensação retributiva através de verbas do Orçamento do Estado transferidas via Segurança Social, e o empregador, que garantirá os restantes 30% desta parcela, terão em conta todo o rendimento que o trabalhador “tenha recebido em pelo menos dez meses, no período compreendido entre Março de 2019 e Fevereiro de 2020, ou em proporção idêntica no caso de o trabalhador estar vinculado ao empregador há menos de 12 meses”.

O decreto-lei 46-A/2020, publicado no Diário da República na quinta-feira, ao final do dia, produz efeitos a partir de 1 de Agosto e confirma também que as empresas terão flexibilidade para decidir quando querem entrar ou sair neste regime que, ao contrário do layoff, não permite a suspensão do contrato de trabalho. Só admite a redução do período normal de trabalho, nos termos em que já era conhecido.

Aliás, o texto confirma no essencial as regras que já tinham sido divulgadas: podem ter acesso empresas com quebras de facturação homóloga de pelo menos 40%; apoios às empresas e remunerações diferenciadas por volume de quebras e por meses; apoio adicional para as situações mais graves de empresas com quebras de 75% ou mais.

A redução dos tempos normais de trabalho podem ser distintos para cada trabalhador, devendo ser informados e ouvidos os representantes destes, que terão pelo menos três dias para se pronunciar. Cada período de redução tem a duração de 30 dias, mas “a interrupção da redução temporária, com a respectiva suspensão do apoio, não prejudica a possibilidade de prorrogação do mesmo, podendo esta ser requerida em meses interpolados”, lê-se no diploma. Portanto, confirma-se que cada empresa pode entrar, sair e regressar a este regime conforme as conveniências, desde que continue a cumprir os critérios gerais de acesso.

O diploma confirma ainda que este apoio não é cumulativo com outras medidas de apoio, como o layoff simplificado, que já não pode ser pedido mas que continuará em vigor para situações muito específicas, nem com o layoff normal nem com o incentivo à normalização.

As empresas podem, contudo, acumular este apoio à retoma com planos de formação ministrados pelo IEFP ou por entidade certificada pela DGERT. Estes conferem direito “a uma bolsa no valor de 30 % do indexante dos apoios sociais por trabalhador abrangido”, o que dá cerca de 131 euros.

O acesso ao apoio à retoma será pedido por via electrónica à Segurança Social, a partir de Setembro, com direito a retroactivos a Agosto, ao passo que os planos de formação devem ser requeridos por via electrónica ao IEFP.

Medo de espaços públicos e férias canceladas. Os efeitos da pandemia nos portugueses

in DN

No estudo da Deco, mais de três quartos dos inquiridos afirmam que evitam espaços públicos por medo de contágio de covid-19 e quase metade anularam os programas de férias.

Mais de três quartos dos inquiridos num estudo da Deco afirmam que evitam espaços públicos por medo de contágio de covid-19, quase metade anularam os programas de férias e também cerca de metade adiaram projetos e investimentos.

Segundo o inquérito da associação de defesa do consumidor, realizado entre 16 e 20 de julho, apesar da reabertura da maioria dos serviços e do regresso ao trabalho para uma parte da população, os inquiridos continuam a manifestar receio de voltar às rotinas anteriores ao início da crise provocada pelo novo coronavírus.

Mais de três quartos dos 1006 inquiridos 'online', entre os 18 e 74 anos, declaram que evitaram ou deixaram mesmo de frequentar os espaços públicos, como restaurantes, transportes públicos ou centros comerciais, enquanto mais de metade cancelou ou adiou as férias e perto de metade adiou projetos inicialmente agendados para este ano, como, por exemplo, comprar casa ou um carro novo.

"É urgente" reagendar consultas, exames e cirurgias adiadas ou canceladas

Por outro lado, sete em cada dez inquiridos relatam o adiamento de, pelo menos, um serviço de saúde agendado e 22% referiram que foram cancelados desde o início da pandemia.

"É urgente que as unidades de saúde reagendem essas consultas, exames de diagnóstico e cirurgias adiadas ou canceladas ao longo dos últimos meses, sob pena de vermos aumentar a taxa de mortalidade e de morbilidades por falta de acompanhamento de todos os doentes "não-covid"", conclui a Deco, na análise do inquérito.

Segundo a Deco, estes são alguns dos danos colaterais da covid-19 que levam a prever consequências graves para o futuro próximo, com um aumento da taxa de mortalidade e de morbilidades na população portuguesa.

O inquérito evidencia que os supermercados foram os estabelecimentos comerciais que menos sofreram uma quebra na procura, o que, para a Deco, mostra que os portugueses "afluíram sobretudo aos serviços de primeira necessidade".

Simultaneamente, para as deslocações, os inquiridos disseram procurar usar mais veículos privados, como o carro ou motorizada.
Três quartos dos inqueridos classificam os transportes público como poucos seguros

O estudo mostra também que medo de infeção levou os inquiridos a evitar determinados serviços, nomeadamente os transportes públicos: três quartos das respostas classificaram-nos como pouco seguros quanto ao risco de contágio.

Mais de metade dos inquiridos manifestou o mesmo sentimento relativamente aos centros desportivos, às lojas, aos restaurantes e aos eventos culturais.

O estudo denota que 43% dos inquiridos adiaram pelo menos um dos investimentos previstos e já não tencionam fazê-lo até ao fim deste ano. Em contrapartida, 43% adiaram pelo menos um deles, mas alegam pretender fazê-lo ainda este ano.


No que toca às férias, mais de metade dos inquiridos indicaram que vão gastar menos do que previsto e cerca de um em cada cinco afirmam que vão ficar em casa.

A mesma percentagem afirma que não vai gastar dinheiro com o programa de férias e 48% vão optar por fazer férias em Portugal e apenas 20% farão no estrangeiro.

Também relacionada com o turismo, mais de três quartos dos inquiridos consideram que as viagens de avião, de autocarro ou de comboio representam um risco elevado de contágio e mais de metade não têm confiança nas medidas de segurança nos hotéis e alojamentos de férias.

No total, 68% dos inquiridos referem que a crise da pandemia de covid-19 afetou as suas férias de verão.

Portugal contabiliza pelo menos 1.722 mortos associados à covid-19 em 50.410 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Mais 500 milhões de pobres. Países em desenvolvimento enfrentam “tempestade perfeita”

Pedro Mesquita , com redação, in RR

Diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação da OCDE considera que os países ricos têm a obrigação ética e moral de ajudar as nações em vias de desenvolvimento a evitar uma catástrofe com ondas de choque à escala do planeta. "Este é o momento da verdade", alerta.

Os países em vias de desenvolvimento enfrentam uma “tempestade quase perfeita”, por causa da pandemia de Covid-19, e o mundo pode chegar ao fim do ano com mais 500 milhões de pobres. O alerta é deixado em entrevista à Renascença por Jorge Moreira da Silva, diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação da OCDE.

“Estamos perante um risco muito sério da pobreza à escala global. Estamos perante a circunstância de, até ao final do ano, temos 500 milhões de novos pobres, dos quais 130 milhões em situação de pobreza extrema”, afirma o antigo ministro do Ambiente.

É a primeira vez em mais de três décadas em que o mundo enfrenta “um aumento da pobreza” e os países em vias de desenvolvimento “estão num contexto de uma tempestade quase perfeita”.

Jorge Moreira da Silva explica que, por um lado, estas nações mais pobres estão a receber menos investimento e ajudas dos países mais ricos por causa da crise mundial e, por outro, arrecadam menos receitas devido à descida do preço das matérias-primas, como o petróleo.

“Estes países estão perante a iminência de uma quebra de 700 mil milhões de dólares em fluxos financeiros, este ano, muito em função da quebra de investimento direto estrangeiro, do turismo, da quebra do comércio externo”, sustenta.

O diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação da OCDE recorda que o mundo é feito de interdependências e que, na altura da crise financeira de 2009, foi importante para as empresas portuguesas exportar para os países em vias de desenvolvimento.

“Não haverá crescimento a nível global, incluindo em Portugal e na OCDE, se não houver crescimento também nos países em vias de desenvolvimento”, sublinha Jorge Moreira da Silva.

Apoiar os países em vias de desenvolvimento é fundamental, por razões éticas e morais, defende o responsável, mas também por interesse dos países do Norte.

“Se não houver um apoio a estes países a pandemia não será debelada, mas também precisamos de os apoiar na recuperação da crise, porque é do nosso próprio interesse”, argumenta o responsável da OCDE, que fala “num momento da verdade”.

“Todos nos recordamos, há algumas décadas, do Live Aid, de várias iniciativas quando alguns países africanos estavam a passar por uma crise alimentar e de pobreza muito grande. Isto agora não é num país, não é num continente. É à escala global. Espero que os países da OCDE possam desenvolver iniciativas muito rápidas de apoio aos países em vias de desenvolvimento, nomeadamente o perdão da dívida”, defende Jorge Moreira da Silva.

Nesta entrevista à Renascença, o diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação da OCDE deixa um número paradigmático da situação atual de divisão: “nas últimas semanas, os países mais ricos arranjaram maneira de mobilizar 11 biliões de dólares de pacotes financeiros para estímulo às suas economias, a ajuda pública ao desenvolvimento é de 70 vezes menos”.

O que vem a seguir ao lay-off simplificado?

Marina Pimentel com redação, in RR

Quase 900 mil trabalhadores foram abrangidos pelo lay-off, mas o sistema deixa agora de estar disponível para a generalidade das empresas. O novo mecanismo entra em vigor já em agosto.

Criado por causa do confinamento a que a pandemia de Covid-19 obrigou, o lay-off simplificado chega ao fim nesta sexta-feira, último dia de julho.

O sistema já chegou a 877 mil trabalhadores, mas passa agora a estar disponível apenas para as empresas que têm de continuar, obrigatoriamente, encerradas por lei.

São elas:

as discotecas
as empresas que ainda não atingiram as três renovações do lay-off simplificado
as que ainda nunca recorreram ao mecanismo

Apenas os trabalhadores dessas empresas podem manter-se em casa com os contratos suspensos.

Para as restantes, o Governo já anunciou novos mecanismos de ajuda à economia e ao emprego.

Afinal, como é que vai ser de agora em diante?

Para as empresas que deixam de ter acesso ao lay-off simplificado existe agora o chamado Mecanismo de Apoio à Retoma Progressiva, que se destina a apoiar a manutenção dos postos de trabalho nas empresas que tenham uma quebra de faturação de pelo menos 40%.

Nesse caso, os trabalhadores têm de retomar o trabalho, embora com reduções do horário, que podem chegar aos 70%.

Que garantias salariais terão os trabalhadores no novo regime?

A retribuição dos trabalhadores varia consoante as quebras de faturação das empresas. Há vários escalões criados pelo Governo, mas, de uma forma geral, pode dizer-se que a retribuição nunca poderá ser inferior a 77%, sendo que, nalguns casos, pode chegar aos 92%.

Convém sublinhar que isto acontece independentemente da redução do horário de trabalho.

Além disso, os trabalhadores abrangidos poderão gozar férias com direito ao respetivo subsídio, pago pela entidade patronal.

Terão também direito ao subsídio de Natal na íntegra, sendo que, neste caso, é comparticipado a 50% pela Segurança Social.

E os apoios do Estado serão iguais para todas as empresas?

Não. As empresas que tiverem uma quebra de faturação de, pelo menos, 75% são as mais beneficiadas.

Neste caso, a Segurança Social, além de comparticipar os salários em 70% no caso de redução do horário de trabalho normal, vai também comparticipar as horas trabalhadas em 35% – e esta é a novidade.

Em relação a todas as outras empresas que recorram ao Mecanismo de Apoio à Retoma Progressiva, têm direito à isenção total ou à dispensa parcial do pagamento das contribuições para a Segurança Social.

Mas, atenção: tal como no regime do lay-off simplificado, as empresas ficam impedidas de despedir durante os dois meses seguintes ao fim dos apoios.

Há incentivos para as empresas que entretanto regressem à atividade?

Sim, há o chamado Incentivo Extraordinário à Normalização da Atividade Empresarial. Destina-se apenas às empresas que recorreram ao lay-off simplificado.

Este incentivo tem duas modalidades:
ou as empresas optam por receber de uma só vez o equivalente a um salário mínimo por trabalhador (635 euros)
ou escolhem receber dois salários mínimos por trabalhador, pagos de forma faseada ao longo de seis meses.

Em ambos os casos, ficam também proibidas de despedir durante, pelo menos, dois meses.

No caso das empresas que optem por receber dois salários mínimos por trabalhador, podem, na prática, ficar impedidas de despedir durante oito meses – o que pode tornar este mecanismo menos atrativo, sobretudo para aquelas com grandes quebras de faturação.

Quando entram em vigor estes novos apoios?

A legislação foi promulgada nesta semana pelo Presidente da República, mas não terá ainda sido publicada em Diário da República. Ainda assim, é para entrar em vigor já a partir de dia 1 de agosto (sábado).





PIB da zona euro afunda 15% no 2.º trimestre. Portugal com quarto maior recuo

in TSF

Espanha foi o país europeu com maior declínio na variação homóloga.

A economia da zona euro teve uma contração homóloga de 15% no segundo trimestre de 2020, altura de grandes restrições devido à pandemia de Covid-19, com Portugal a registar o quarto maior declínio, divulgou o Eurostat esta sexta-feira.

Segundo a estimativa rápida preliminar divulgada pelo Eurostat, no segundo trimestre deste ano, quando as medidas de contenção para a Covid-19 adotadas pelos Estados-membros tiveram maior impacto na economia, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 15% na zona euro e 14,4% no conjunto da União Europeia (UE) em comparação com o mesmo período de 2019.

De acordo com estes dados do gabinete de estatísticas comunitário, Portugal teve, neste período, a quarta queda mais acentuada, ao afundar 16,5%, como divulgado hoje pelo Instituto Nacional de Estatística.

Por seu lado, na variação em cadeia, o PIB português caiu 14,1%.

Ainda na comparação com o trimestre anterior, entre abril e junho, o PIB caiu 12,1% na zona euro e 11,9% na UE.

O serviço de estatística comunitário observa que esta redução trimestral representa, "de longe, os declínios mais acentuados observados desde o início das séries cronológicas em 1995", que comparam com quedas mais contidas do PIB de 3,6% na zona euro e 3,2% na UE no primeiro trimestre de 2020.

O Eurostat ressalva, ainda assim, que estas são estimativas preliminares e ainda incompletas, que serão atualizadas em meados de agosto.


Portimão financia projetos de jovens que "contribuam para a construção e desenvolvimento do concelho"


O Geração XXI, programa de dinamização do setor de juventude do Município de Portimão, criou o projeto “Iniciativa Jovem” que permitirá financiar projetos de jovens, estimulando o espírito de iniciativa e uma cidadania empreendedora junto dos mais novos. 

Grupos informais ou jovens a título individual, com idades compreendidas entre os 13 e os 35 anos, poderão apresentar propostas para transformar o território e aceder a pequenos financiamentos, bem como a todo um processo de acompanhamento por parte da equipa da DYPALL Network, parceira neste projeto, no planeamento e implementação das suas ideias, explica a autarquia.

Ao todo serão investidos 7.000 euros, distribuídos entre pequenos e grandes projetos, financiados até 200 euros ou 500 euros, respetivamente, podendo ser abrangidas sete áreas prioritárias: participação democrática, cidadania e voluntariado; promoção de hábitos de vida saudáveis; sustentabilidade ambiental; inclusão social; segurança; cuidar do espaço público e solidariedade em relação à Covid 19.

Conforme destaca o Município, "é objetivo deste programa que as propostas vencedoras sejam implementadas no último trimestre do presente ano, estando garantido o acompanhamento e apoio à respetiva execução".

As ideias poderão ser submetidas entre 1 e 28 de agosto na plataforma MyPolis, a rede social da cidadania que convida os jovens a pensar a sua cidade, o seu bairro ou a sua escola, propondo soluções para os desafios detetados.

A MyPolis permite ainda que todos possam consultar e votar nas propostas mais relevantes e prioritárias para o município. Para adicionar, votar ou debater uma proposta ou um projeto, basta ao interessado aceder a mypolis.eu e registar-se enquanto utilizador e, assim, "contribuir para a construção e desenvolvimento do concelho de Portimão", sublinha a Câmara.

No Dia Internacional da Juventude, que se assinala a 12 de agosto, será organizado um ‘hackathon’ em formato online, onde os participantes terão acesso a momentos de formação e esclarecimento para a submissão das suas propostas.

Desta forma, serão criados momentos de inspiração, partilha de ideias e co-construção entre pares que visem o desenvolvimento de soluções concretas para as limitações encontradas.

Metade dos emigrantes não deve vir de férias a Portugal por causa das pressões dos patrões

in Público on-line

A estimativa foi adiantada pela secretária de Estado das Comunidades Portuguesas. Berta Nunes, e baseia-se em informações transmitidas “por pessoas das comunidades” de emigrantes que denunciaram ameaças das entidades patronais.

O Governo estima que cerca de 50% dos emigrantes não visitará Portugal durante este mês de Agosto como seria hábito nos anos anteriores.

Esta estimativa foi adiantada pela secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, ao Jornal de Notícias e baseia-se em informações transmitidas “por pessoas das comunidades” de emigrantes que denunciaram ameaças das entidades patronais.

De acordo com o jornal, as ameaças denunciadas pelas comunidades portuguesas da Suíça e Alemanha dão conta que muitos patrões “aconselharam os portugueses a não virem de férias a Portugal, em Agosto, advertindo-os que não seriam pagos e estariam a pôr os seus empregos em risco caso tivessem de fazer quarentena no regresso.

“Depois há alguns que estão em lay off ou a receber subsídio de desemprego e por isso têm menos rendimentos”, disse também a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas.

Centros de saúde não conseguem atender telefones. Quebra nas consultas presenciais é de três milhões

Alexandra Campos, in Público on-line

Ministra da Saúde diz que se fizeram menos 1,1 milhões de consultas nos cuidados de saúde primários, mas Ordem dos Médicos só leva em conta na contabilidade que faz entre Março e Maio os atendimentos presenciais, não pelo telefone, e defende que a diminuição é superior a três milhões.

Começou por tentar marcar pela Internet uma consulta presencial com o seu médico assistente no Centro de Saúde de Oeiras, em Junho, como costumava fazer antes da pandemia, mas não conseguiu. Uma mensagem no ecrã do computador esclarecia que o médico não tinha “agenda disponível para este tipo de consulta” e mandava contactar “directamente” o centro de saúde se o problema fosse “grave” ou não pudesse “esperar pelo contacto”.

Tentou telefonar vezes sem conta, sem sucesso. Ninguém atendia do outro lado. Foi então que decidiu ir ao centro de saúde para marcar uma consulta que seria feita pelo telefone. O episódio pode parecer inverosímil mas o homem, que pede para não ser identificado, garante que nesse dia eram várias as pessoas na sala de espera que se tinham deslocado expressamente ao centro de saúde para marcarem teleconsultas.

“Então pedem-nos para sermos responsáveis, para evitarmos deslocações desnecessárias, para ficarmos em casa, para não irmos aos centros de saúde por causa da covid, e afinal obrigam-nos a ir lá para marcar uma consulta pelo telefone?”, revolta-se.

Diz que alertou para o problema a Direcção-Geral da Saúde, o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, sem obter resposta. Do centro de saúde explicam que o problema é da central [telefónica]: “Nesta fase pandémica, há uma sobrecarga da central, há muitos telefonemas, há que insistir.”

O problema foi ultrapassado, entretanto, já é possível marcar de novo consultas através da Internet neste centro de saúde, mas fica uma pergunta. Os cuidados de saúde primários são a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e começaram já a retomar a actividade assistencial normal, mas quantas pessoas terão ficado sem acesso por esbarrarem no silêncio do outro lado, quantas terão desistido de tentar telefonar, quantos atendimentos ficaram por fazer?

A resposta a esta pergunta diverge substancialmente se o autor for o Ministério da Saúde ou se for a Ordem dos Médicos. É uma questão de interpretação porque os dados são basicamente os mesmos. Na semana passada, a ministra da Saúde revelou na Comissão Parlamentar de Saúde que houve menos cerca de 1,1 milhões de consultas nos cuidados de saúde primários (sendo que, durante todo o ano de 2019, se fizeram 31 milhões de consultas, enfatizou) mas os números que a Ordem dos Médicos (OM) contabilizou, entre Março e Maio (os que estão disponíveis no portal da transparência do SNS), são bem superiores: menos cerca de três milhões de consultas nos centros de saúde do que em 2019. Dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério da Saúde indicam que em Junho já houve uma recuperação assinalável (ver infografia).

A explicação para uma diferença tão exuberante é simples: o Ministério da Saúde agrega tudo, as consultas não presenciais e as feitas pelo telefone, enquanto a OM só leva em conta a quebra das consultas presenciais por considerar que muitos dos atendimentos pelo telefone não terão sido consultas médicas propriamente ditas.

O gabinete da ministra sublinha que a retoma da actividade prevê não só o recurso "a meios não presenciais, utilizando mecanismos de telesaúde”, mas também “desfasamento de horários de atendimento e o agendamento por hora marcada”, além da deslocação ao domicílio do utente, quando tal se revele necessário. 

Só dá para atender três chamadas em simultâneo

Sejam quais foram os números contabilizados, a diminuição de atendimentos nos cuidados de saúde primários é muito relevante. Abril passado, aliás, foi o mês com o número mais baixo de consultas, tanto presenciais como não presenciais, desde 2017. A situação está a melhorar, em Junho já se notou uma inversão da tendência e em grande parte dos centros de saúde a actividade normal foi retomada, mas há locais onde as dificuldades de acesso subsistem e estão a levar ao desespero de doentes e familiares.

Maria João Pereira, que só tinha elogios a fazer à Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Agualva, onde a sua mãe está inscrita desde Março – “era espectacular, mesmo não tendo a minha mãe médico de família marcavam a consulta para o dia seguinte” –, não consegue desde há semanas contactar a médica, apesar de a sua mãe ter entretanto sofrido “uma síncope” no início deste mês e de ter saído do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, onde foi atendida, com indicação para fazer com urgência um ecocardiograma e um holter (um exame para medir os batimentos do coração). “Dizem, por email, que as consultas programadas continuam suspensas, que, se quisermos, temos que vir à consulta não programada às 8h de dia, e que o critério de urgência é do médico”, lamenta.

No Agrupamento de Centros de Saúde de Sintra, a que pertence esta unidade, nã0 foi possível falar com a directora, porque esta estava de férias, mas um funcionário assumiu que, no caso de o contacto ser urgente, é necessário alguém deslocar-se à unidade pela manhã, e recomendou à utente o envio de um email para o gabinete do cidadão.

Numa rápida incursão pela plataforma “Centros de saúde” não é difícil, aliás, encontrar críticas ao funcionamento de muitos centros de saúde. Só um exemplo: esta semana, João Triunfo, utente do Centro de Saúde de Algueirão Mem-Martins, relatava que nesta unidade “os médicos estão sem trabalhar desde Março e que há pessoas na rua à espera de uma consulta que nunca acontecerá”. E criticava, agastado: “Não existe a possibilidade de se realizar agendamentos perante as prioridades! Doentes de risco sem medicamentos. Médicos sem disponibilizarem agenda!”. Mas os exemplos multiplicam-se em muitos noutros centros de saúde do país.

As dificuldades no atendimento telefónico já eram um dos principais problemas dos cuidados de saúde primários antes da pandemia, e, com o extraordinário aumento das consultas pelo telefone, naturalmente a situação piorou, admite o presidente da associação nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN), Diogo Urjais. O problema é que “o sistema instalado não permite que fique gravado na nuvem que o utente ligou” e a maior parte das unidades não têm linhas nem postos telefónicos suficientes e só é possível atender três chamadas em simultâneo, explica. A agravar, acrescenta, as unidades não têm telefonistas, só secretários clínicos que são os profissionais mais em falta, mais até do que médicos de família.

Não foi possível fazer videoconsultas

Outro grande problema com que os profissionais dos centros de saúde agora se debatem é o da sobrecarga que representa o seguimento dos casos positivos e suspeitos de covid-19, uma plataforma informática designada Trace-covid que os obriga a todos os dias, ao longo de 14 dias, telefonar para estas pessoas. E são milhares os casos activos, frisa Rui Nogueira, presidente da Associação Nacional de Medicina Geral e Familiar, para quem os exemplos de mau funcionamento serão episódicos, “saem da regra”. Os centros de saúde até estão a dar uma resposta “incrível”, defende. E avança com os últimos dados: as consultas programadas aumentaram 65% e as não programadas (que incluem contacto telefónicos, renovação de receituário, ver exames) subiram subiram 8,7% de Abril para Junho.

Se Abril foi o pior mês, em Junho já houve alguma recuperação. “Os números do primeiro semestre até me surpreenderam. No total houve menos cerca de 6% de contactos, de 15,5 para 14,6 milhões, o que “até é razoável, apesar de tudo”. Mas Rui Nogueira está obviamente preocupado com o que ficou por fazer. O que o preocupa são os doentes que não podem esperar, como os que tem insuficiência cardíaca, doenças oncológicas, pé diabético, exemplifica. E apesar de este cálculo ser difícil, se por exemplo não tivesse sido feito nada em Março, Abril e Maio, teria havido menos 15 mil diagnósticos oncológicos. 

Há máscaras, mas não há pensos e compressas

“Estamos a fazer o melhor possível e a pandemia veio pôr a nu algumas limitações e problemas que já existiam”, diz. “Já andávamos com sapatos apertados para os pés que temos e agora os pés incharam e os sapatos são os mesmos”, ilustra. “A verdade é que neste momento não temos recursos nem condições para dar respostas a todas as solicitações”, admite. Apesar de a medicina à distância ter sido uma das soluções preconizada neste período, os centros de saúde não receberam telemóveis, os computadores disponíveis não têm câmaras e por isso não foi possível fazer videoconsultas. A falta de equipamentos é de tal ordem que os médicos e enfermeiros têm usado muitas vezes os seus próprios telemóveis, exemplifica Rui Nogueira.

Diogo Urjais está convencido de que parte da actividade não realizada em Março, Abril e Maio dificilmente será recuperada.

“Houve unidades que compraram telemóveis com cartões pré-pagos, algumas ARS [administrações regionais de saúde] deram um telemóvel para o coordenador da unidade, foram reactivados equipamentos que não estavam a funcionar, mas alguns profissionais trouxeram telemóveis antigos de casa”, corrobora Diogo Urjais, que reconhece que há falta de resposta e problemas em várias unidades do país mas faz questão de dizer há muitos outras onde a retoma está a correr bem.

“Apesar de ser um país pequeno, Portugal tem assimetrias regionais gigantes. Infelizmente há locais em que se continua a ter salas de espera vazias e ruas cheias. Mas está-se a fazer todas as consultas de grupo de risco ou vulneráveis, diabéticos, grávidas, hipertensos. Todos os outros casos serão mais espaçados numa retoma gradual”, explica.

Ao contrário de Rui Nogueira, Diogo Urjais está convencido de que parte da actividade não realizada em Março, Abril e Maio dificilmente será recuperada. “Houve muitos diagnósticos que ficaram por fazer. Os meios complementares de diagnóstico e terapêutica pararam na rede dos convencionados e os hospitais privados deram uma resposta quase nula.” E há um problema que o preocupa sobremaneira agora. Nos centros de saúde, em geral, não há falta de equipamentos de protecção para fazer face à covid, nomeadamente máscaras, mas “há uma falta gritante de material básico, como pensos e compressas”.
 

Economia portuguesa com contracção recorde de 14,1% no segundo trimestre

Sérgio Aníbal, in Público on-line

O INE confirma queda acentuada do PIB durante os meses de Abril, Maio e Junho, aqueles em que as medidas de confinamento foram mais apertadas. Redução da actividade económica foi a mais brusca desde pelo menos 1977.

O choque provocado pela pandemia trouxe um novo recorde negativo para a economia. O PIB português registou, durante o segundo trimestre deste ano, uma contracção face ao trimestre imediatamente anterior de 14,1%, a maior de que há registo. Quando a comparação é feita com o mesmo trimestre do ano anterior, a diminuição do PIB foi de 16,5%, também um novo máximo.

O anúncio foi feito esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) na sua estimativa rápida da evolução das contas nacionais durante o período de Abril a Junho deste ano. Os dados confirmam o impacto severo que a pandemia do novo coronavírus e as medidas de confinamento aplicadas para a combater tiveram na economia portuguesa durante esse período.

Tanto a variação em cadeia de -14,1% registada no PIB como a variação homóloga de -16,5% são, de longe, os valores mais baixos de que há registo nas séries históricas do PIB trimestral publicadas pelo INE e pelo Banco de Portugal que vão até ao ano de 1977.

No primeiro trimestre do ano, apesar da aplicação de medidas de confinamento apenas ter começado a partir de meados de Março, a variação negativa do PIB já tinha sido de 3,8% face ao trimestre anterior (o que constituiu logo um novo recorde histórico) e de 2,3% face ao período homólogo.

O resultado agora registado no segundo trimestre está em linha com aquilo que era previsto pela Comissão Europeia. Quando anunciou as suas previsões de Verão, que incluíam uma variação anual do PIB português em 2020 de -9,8%, a Comissão Europeia apontou precisamente para uma contracção em cadeia da economia nacional durante o segundo trimestre de 14,1%.

O Governo não fez projecções para o PIB trimestral, mas a sua previsão de queda da economia para o total do ano é consideravelmente mais optimista que o da Comissão Europeia: 6,9%. E pode, com o número agora anunciado pelo INE, ficar ainda mais em causa.

30.7.20

Necessidades especiais: ficaram abandonados, agora exigem medidas específicas para regresso às aulas

Clara Viana, in Público on-line

Com Julho a chegar ao fim, os pais de alunos com necessidades especiais intimaram os ministérios da Educação e da Saúde a procederem a um planeamento eficaz do próximo aluno lectivo, com medidas concretas para cada um dos cenários possíveis. Estão “muito receosos” com o que aí vem. 

Na associação Pais em Rede, que reúne famílias de pessoas com deficiência, o telefone tem tocado com insistência nestes últimos tempos Do outro lado estão pais que se encontram “muito receosos do que vai acontecer no próximo ano lectivo”, conta a presidente da associação Júlia Pimentel. E que ainda estão longe de terem ultrapassado o que aconteceu quando as escolas fecharam em Março devido à pandemia da covid-19: basicamente ficaram de um dia para outro praticamente sem apoios, tanto eles como os filhos com deficiência.

Esta situação foi também denunciada por sindicatos e outras organizações de pais numa sessão da comissão parlamentar de Educação, realizada a 16 de Julho. “De um momento para o outro, as crianças e jovens ficaram sem rotinas, sem terapias, o que trouxe problemas incalculáveis para as famílias. Eles sentiram-se completamente perdidos e os pais completamente sobrecarregados”, resume Júlia Pimentel.

É para evitar que tal volte a acontecer e para tentar garantir que o regresso às escolas em Setembro se faz sem novas “disrupções”, já que estas crianças e jovens terão mais dificuldades do que os outros em habituarem-se às rotinas criadas pela pandemia, que a Pais em Rede enviou nesta segunda-feira um documento a várias entidades oficiais onde se apela a que seja feito um planeamento deste retorno “o mais cedo possível”.

Pede também que esta preparação tenha em conta os diferentes cenários que estão em cima da mesa: ensino presencial, misto (aulas na escola e à distância), à distância. “Há que planear bem, e todos temos de nos preparar da melhor forma para o que aí vier. Isso podemos exigir!”, escreve-se na carta dirigida, entre outros, aos secretários de Estado da Educação e da Inclusão da Pessoa com Deficiência, respectivamente João Costa e Ana Sofia Antunes, à ministra da Saúde Marta Temido e à directora-geral da Saúde, Graça Freitas.
Envolver famílias na preparação

No documento em causa, a Pais em Rede classifica como “extremamente importante” que os diferentes ministérios envolvidos “chamem ao diálogo representantes das pessoas com deficiência e suas famílias” de modo a que se possam “estabelecer planos verdadeiramente individualizados e diferenciados, que respondam efectivamente às necessidades de alunos e famílias”.

“Nem tudo pode ser replicado quando as circunstâncias mudam totalmente, não basta ‘passar trabalhos’. É preciso identificar, priorizar e readequar os objectivos que se vai procurar atingir e, consequentemente, as estratégias de actuação acordadas com a família”, frisa-se no documento, onde se apontam alguns exemplos: “Crianças e jovens com grandes limitações têm necessidade de modificações e suportes sensoriais e motores que o professor deveria conhecer e integrar no Programa Educativo Individualizado, outras crianças e jovens poderão ter necessidade de uma estrutura e organização do espaço que, sem ajuda de profissionais, muitas famílias poderão não conseguir.”

Estas crianças e jovens têm muitas vezes outras patologias de saúde associadas que “as colocam em maior risco” em relação a focos de infecção.

É preciso também ter em conta, acrescenta Júlia Pimentel, que estas crianças e jovens têm muitas vezes outras patologias de saúde associadas que “as colocam em maior risco” em relação a focos de infecção. E ainda que várias delas terão, por exemplo, “muitas dificuldades em manter o distanciamento social, porque não passam sem um beijinho ou abraços”.

“Os pais estão preocupados com tudo”, frisa. Vários deles marcaram presença na concentração que a Federação Nacional de Professores promoveu nesta terça-feira junto ao Ministério da Educação, em conjunto com a Associação Portuguesa de Deficientes e a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes (CNOD), precisamente para denunciar “as fracas condições previstas para dar resposta a alunos com necessidades educativas especiais”.

Como a pandemia está a abalar os números do emprego em Portugal

Sérgio Aníbal, Publico on-line

Para já, por causa de questões metodológicas, a taxa de desemprego ainda não está a subir. Mas, na realidade, mesmo com o efeito positivo do layoff simplificado, o cenário a que se assiste é já de uma perda de empregos que tem tudo para persistir.

No meio da contracção económica mais aguda das últimas décadas, poucos duvidam que a crise trazida pela pandemia do coronavírus a partir de Maio, com consumidores em casa e empresas e lojas fechadas, não venha a alterar por completo – e para pior – aquilo que vinha sendo nos últimos anos a tendência positiva do mercado de trabalho português. No entanto, as características únicas desta crise e as medidas de emergência postas em prática pelo Governo fazem com que alguns indicadores, com destaque para a taxa de desemprego, revelem um comportamento surpreendente e deixam no ar várias incógnitas em relação ao que irá acontecer no futuro.

É possível a taxa de desemprego estar a descer?
Nos dados mensais relativos ao mercado de trabalho publicados esta quarta-feira, o Instituto de Estatística (INE) revelou que em Maio (o último mês para o qual apresentou dados definitivos) a taxa de desemprego se cifrou em 5,9%.

É um valor mais baixo do que aquele que se registava em Fevereiro, o último mês antes do início da crise, e que ascendia a 6,4%.

Olhando apenas para estes números, estar-se-ia perante uma conclusão verdadeiramente surpreendente: num momento de forte contracção da actividade económica, o desemprego, em vez de subir, desceu, contrariando aquilo que os livros de economia prevêem e a experiência ensina.

É, no entanto, preciso olhar com atenção para este resultado. E a verdade é que a descida de desemprego nesta fase deve-se essencialmente a um dos requisitos utilizado desde sempre pelas autoridades estatísticas para pôr uma pessoa na categoria de desempregado. O INE, tal como os institutos dos outros países europeus, considera que apenas quem procurou emprego activamente (indo a um entrevista, respondendo a um anúncio de emprego) durante o último mês é que pode ser classificado como desempregado. Se não o fez, passa para a categoria de inactivo.

Nas circunstâncias excepcionais trazidas pela pandemia, isto fez baralhar os dados estatísticos, tem alertado o próprio INE, já que muitas pessoas no desemprego ficaram impossibilitadas de procurar activamente um novo trabalho.

Sendo assim, aquilo que está a acontecer é uma descida do número de desempregados apenas nas estatísticas, que não estão a reflectir, através do indicador da taxa de desemprego, aquilo que se passa na realidade.
Que outros indicadores nos podem ajudar?

Há, todavia, outros indicadores também publicados pelo INE que conseguem revelar a real dimensão do impacto negativo sentido no mercado de trabalho durante os últimos meses.

Em primeiro lugar, a evolução do número de empregos. Aquilo que aconteceu entre Fevereiro e Maio deste ano foi, de acordo com os dados publicados esta quarta-feira pelo INE, o desaparecimento em Portugal de cerca de 183 mil empregos.

Na sua maioria, a pessoas que perderam estes empregos, em vez de passarem a estar classificadas como desempregadas, passaram à categoria de inactivos.

Isto é evidente quando se olha para a evolução da população inactiva – em que estão as crianças, os estudantes, os reformados e também todas as pessoas que, estando em idade de trabalhar, não o estão a fazer, nem procuraram no último mês activamente um emprego.

Entre Fevereiro e Maio, diz o INE, passou a haver mais 225 mil pessoas na população inactiva, pondo a taxa de inactividade (a percentagem face à população total) nos 36,4%, o valor mais alto que é possível observar em toda a série histórica publicada pelo INE para o valor mensal deste indicador e que vai até Fevereiro de 1998.Outro indicador que se revela agora ainda mais relevante é a chamada “taxa de subutilização de trabalho”, que usa um conceito mais alargado de desemprego do que a taxa de desemprego, incluindo, por exemplo, o trabalho parcial indesejado e as pessoas desencorajadas a procurar emprego. Esta taxa subiu de 12,4% em Fevereiro para 14,6% em Maio. Uma subida de 2,2 pontos percentuais que põe este indicador ao nível que se registava há dois anos, mas ainda muito distante dos mais de 25% que se registaram no auge da anterior crise, em 2012.
As medidas do Governo estão a ajudar?

Embora preocupantes, os dados revelados pela evolução do emprego, da população inactiva ou da taxa de subutilização do trabalho são ainda assim relativamente moderados, se se levar em conta a violência da contracção económica que se está a sentir.

Isto acontece em larga medida por causa das políticas que o Governo português, a par da generalidade dos outros governos, tem vindo a lançar nos últimos meses. Em particular, existem sinais evidentes de que a medida do layoff simplificado – que permite que as empresas reduzam os seus custos com salários sem ter de despedir os funcionários que deixaram de ter trabalho para fazer – está a evitar uma escalada bem mais acelerada da perda de empregos em Portugal.

De acordo com os resultados de um inquérito realizado pelo INE e publicado também esta quarta-feira, quando questionadas sobre “quanto teria variado o emprego na ausência de recurso à medida”, 77% das empresas que beneficiaram do layoff simplificado afirmam que “teriam diminuído o número de pessoas empregadas desde o início da pandemia”, caso não tivessem podido recorrer a essa medida.

Se se tiver em conta que, de acordo com a ministra do Trabalho, mais de 800 mil trabalhadores chegaram, no auge da aplicação da medida, a estar sujeitos ao layoff simplificado, é possível ter uma ideia da forma como o emprego poderia ter evoluído, caso nada tivesse sido feito.
O que pode acontecer a partir daqui?

Tudo irá depender da forma como a economia irá recuperar depois de passado o auge da pandemia e das decisões que forem sendo tomadas pelo Governo no que diz respeito à medida do layoff simplificado, sendo certo que, se esta medida deixar de estar em vigor, as empresas, passado o período em que estão impedidas de despedir, podem optar em alguns casos por reduzir o pessoal. Destes dois factores dependerá até onde é que pode ir a perda de empregos e a subida da taxa de desemprego durante a presente crise.

Para já, no entanto, é possível antever o que pode vir a acontecer no muito curto prazo em alguns indicadores.

Ao mesmo tempo que apresentou os resultados definitivos de Maio, o INE publicou também dados provisórios para Junho, alertando que estes podem estar sujeitos, no actual cenário, a revisões significativas. Ainda assim, aquilo para que estes números apontam é, no caso do emprego, uma estabilização em Junho e, no caso da taxa de desemprego, uma subida acentuada, para 7%.

A estabilização da população empregada face a Maio pode encontrar explicação no facto de, depois da paragem total registada em Maio, as empresas do sector do turismo precisarem em Junho de mais algum pessoal para fazer face à procura de Verão.

No que diz respeito à taxa de desemprego, o que deverá vir a acontecer é o desaparecimento progressivo do efeito estatístico que nos primeiros meses da crise impediu que este indicador subisse. As pessoas que, estando sem emprego, se viram por causa da pandemia impedidas de procurar activamente um trabalho, vão começar a fazê-lo, deixando de estar na categoria dos inactivos e passando para os desempregados. Será também por isso que, para Junho, se está já a estimar uma descida da taxa de inactividade do máximo de 36,4% em Maio para 35,6%.

Programa Bairros Saudáveis prevê "pelo menos 200 projetos aprovados"

in TSF

Helena Roseta destacou a importância de construir um conjunto de etapas.

O Programa Bairros Saudáveis vai dispor de um site a disponibilizar "ainda no mês de agosto", para abrir a consulta pública e, depois, o concurso de candidaturas, avançou esta quarta-feira a coordenadora, Helena Roseta, prevendo "pelo menos 200 projetos aprovados".

"Para ser útil e para funcionar, gostaria de abrir concurso de candidaturas de projetos para este programa em outubro, o que significa que as fases da preparação, da divulgação e da capitação têm de ser feitas agora. Já começámos em julho, mas ainda não estamos a ir ao terreno e vamos ter de ir, nem que seja através de ferramentas online, até ao final de setembro", disse à Lusa a coordenadora do programa.

Sublinhando que este "é um programa participativo e a participação não nasce do zero", a arquiteta destacou a importância de construir um conjunto de etapas, assumindo como fundamental a capacitação, para chegar aos territórios elegíveis, que "são territórios com determinadas vulnerabilidades e problemas", no sentido de começarem a construir projetos.

"Queremos ter um site do programa a funcionar ainda no mês de agosto. Vamos pôr toda a informação e será a partir do site que vamos lançar a consulta pública, em que as pessoas podem contactar. Vamos começar a construir possibilidades de projetos e explicar como é que se fazem projetos, para depois quando abrir o concurso, que também é através do site, as pessoas poderem fazer as candidaturas", indicou.

Em vigor desde 02 de julho, o Programa Bairros Saudáveis visa "dinamizar parcerias e intervenções locais de promoção da saúde e da qualidade de vida das comunidades territoriais, através do apoio a projetos apresentados por associações, coletividades, organizações não governamentais, movimentos cívicos e organizações de moradores, em colaboração com as autarquias e as autoridades de saúde", dispondo de uma dotação de 10 milhões de euros, a executar até ao final de 2021.

Questionada sobre a identificação de bairros onde é prioritário intervir, Helena Roseta adiantou que está a ser realizado "um mapeamento preliminar de onde é que poderão estar estes territórios". Estão, inclusive, a ser constituídas equipas regionais.

Neste âmbito, o processo de consulta pública vai ser "muito importante", porque os cidadãos podem pronunciar-se sobre as regras do programa, os bairros a intervir e os projetos a executar.

"Pode haver problemas mesmo em zonas pouco conhecidas, pode haver pequenos problemas em territórios que normalmente não diríamos que os têm, porque há problemas de muita natureza. Temos nas zonas urbanas problemas que já são relativamente conhecidos. [...] Temos nas zonas rurais problemas que têm muito a ver com a precarização na agricultura, sobretudo agricultura intensiva que trabalha com migrantes", referiu.

Em termos de participação, pensa-se que "muitas destas comunidades estão à espera disto há muito tempo". A dificuldade vai ser construir os projetos, pelo que é necessário apoiar os cidadãos e associações dos bairros com "equipas de mentores".

"A capacitação é um trabalho muito importante e é o que vai ser feito agora durante este trimestre, até ao final de setembro", frisou.

Helena Roseta afirmou que "o objetivo é atingir pelo menos 200 projetos aprovados, portanto isto implica dar muito ao dedo nestes meses".

"O máximo que cada projeto pode ter de financiamento é de 50 mil euros. O programa tem 10 milhões de euros, o que a dividir por 50 mil euros dá 200 projetos. Se forem projetos mais pequenos, serão mais", explicou.

Desenvolvidos nos eixos da saúde, social, económico, ambiental ou urbanístico, os projetos a candidatar podem ser pequenas intervenções (até 5 mil euros), serviços à comunidade (até 25 mil) ou projetos integrados (até 50 mil euros), que têm de ser executados até ao final de 2021.

Lembrando que este é um programa novo, em que "não há nenhum levantamento prévio de quais são os territórios que podem candidatar-se", a arquiteta considerou que a verba disponível é suficiente, sendo possível fazer ajustamentos, se necessário.

Os projetos apresentados a concurso são todos avaliados e pontuados por um júri independente e, "enquanto houver dinheiro, faz-se um protocolo com as candidaturas mais bem pontuadas", assegurou, indicando que a avaliação envolve critérios como a importância do projeto para o bairro, a participação e envolvimento da comunidade e a inovação da intervenção.

"Há projetos que podem ser pequeninos, mas são altamente inovadores e podem ter uma pontuação alta por causa disso", apontou a coordenadora, reforçando que este não é um programa de habitação, pelo que "criar novas habitações não está mesmo previsto de todo e melhorias nas habitações só por razões sanitárias".

Inspirado no programa municipal de Lisboa BIP -ZIP, premiado pelo Observatório Internacional da Democracia Participativa, a ideia de criar o Programa Bairros Saudáveis foi proposta por Helena Roseta ao primeiro-ministro, António Costa.

"Não estava à espera de ser convidada para nada, fiz aquela proposta como cidadã, porque há muitos anos que defendo que programas destes deviam existir", declarou Helena Roseta, acrescentando que quando lhe propuseram coordenar o programa só aceitou com uma condição: "Não ser remunerada, porque estou aposentada, não tenho essa necessidade e fico mais livre para fazer as coisas à minha maneira".

Horários duplos nas escolas podem ser um risco, avisam directores

Samuel Silva, in Público on-line

Se alunos tiverem de ir para ATL vão aumentar os contactos sociais. Só nas zonas urbanas deverá haver horários divididos entre a manhã e a tarde para algumas turmas, prevêem dirigentes.

O funcionamento das escolas em horários duplos, com aulas de manhã para umas turmas e de tarde para outras, pode “ser um risco para contenção da covid-19”, acredita o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima. A solução também implica constrangimentos para as famílias. Os directores acreditam que serão poucos os agrupamentos a segui-la.

A Direcção-Geral da Saúde recomenda às escolas que os estudantes circunscrevam o máximo possível os contactos aos colegas da mesma turma, para reduzir os riscos de contágio. Com os horários duplos, essa “bolha” rebentará, prevê Filinto Lima: os alunos “terão de passar a outra metade do dia em ATL ou outras soluções semelhantes” e desse modo aumentarão os contactos sociais.

A opção pelo funcionamento das escolas em horário duplo será também “a que mais problemas pode causar aos pais”, reconhece o presidente da ANDAEP. Essa é igualmente uma preocupação da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap). As famílias teriam de encontrar “soluções para os alunos na outra metade do dia, sobretudo para os mais novos”, afirma o presidente, Jorge Ascenção.

Nos últimos dias, tem chegado à Confap um “número superior ao desejável” de casos de escolas que querem optar pelo horário desdobrado, o que surpreendeu Ascenção: “Pensamos que esta solução deve ser tomada em casos excepcionais, mas tememos que esteja a tornar-se regra.” A Confap enviou, por isso, um pedido de esclarecimento ao Ministério da Educação.

A tutela ainda não respondeu à Confap. Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, limita-se a afirmar que “as escolas estão a elaborar os seus planos de preparação do próximo ano lectivo, no âmbito dos instrumentos de autonomia que possuem e com as orientações enviadas”.

Tanto Filinto Lima, como Manuel Pereira, que preside à Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), a outra associação de directores, acreditam, contudo, que será “pontual” a opção pelo horário duplo nas escolas. Essa solução é viável “sobretudo em zonas urbanas”, antevê o dirigente da ANDE, onde há maior oferta de transportes e proximidade entre os estabelecimentos de ensino e as habitações dos estudantes.

Nas zonas rurais, “muitos alunos vivem a dezenas de quilómetros” do local onde têm aulas e dependem de transportes escolares organizados pelas autarquias, com horários que estão habitualmente concentrados no início e no final do dia. Uma alteração aos horários de funcionamento dos estabelecimentos de ensino implicaria ter de reforçar a rede de transportes para dar resposta aos alunos e as autarquias “não estão dispostas a duplicar os gastos com transportes”, acredita Manuel Pereira.

“Enquanto [a ministra] bebe drinks e fala de arte contemporânea, a União dá ajuda espontânea”: as rimas de quem ajuda quem passa fome

João Diogo Correia, in Expresso

Se as relações entre a ministra da Cultura e o sector que tutela já não eram conhecidas pela amizade, esta terça-feira foi dado mais um passo para as azedar. “Muito obrigada e vamos beber o drink de fim de tarde” respondeu Graça Fonseca à jornalista da SIC que se preparava para fazer uma pergunta sobre um grupo de ajuda alimentar aos profissionais da cultura. A ministra anunciava a aquisição de 65 obras de arte contemporânea para a coleção do Estado, num investimento total de um milhão de euros até ao final da legislatura. “Hoje só falo da coleção de arte contemporânea”, disse ainda

 “Não é nada que me surpreenda, vindo de quem vem”, diz Marco Medeiros, diretor artístico da companhia de teatro Palco13, responsável por um desses grupos de auxílio, o nosSOS. Para o também encenador, a frase “é o reflexo de alguém que não tem perfil para o cargo que ocupa”, porque para se dirigir a Cultura, garante, não basta conhecer obras de arte. “Além de grande conhecimento no terreno, é preciso uma sensibilidade acima da média.”

Marco Medeiros exemplifica com o teatro: “Se acabar amanhã, a população não sente falta imediata, não é urgente. Mas é necessário. E sendo necessário, passa a ser urgente que alguém cuide hoje para criar correntes de público para amanhã”. Medeiros fecha o raciocínio com uma esperança que se faz lamento. “É a única forma de não ser um sector condenado, que é o que achamos que vai ser.”

A pergunta para a ministra era sobre outro grupo informal de ajuda, a União Audiovisual, que conta com mais de oito mil membros e cerca de uma dezena de coordenadores (os pedidos de ajuda começam AQUI). Iniciada em Lisboa, a corrente estendeu-se a Porto, Coimbra, zona Oeste (Peniche e Caldas da Rainha, sobretudo), Margem Sul, Alentejo, Algarve e Açores, e consiste na distribuição de cabazes “que dão para cerca de três semanas a um mês”, conta ao Expresso Ricardo Queluz.

Acabado de chegar de uma entrega em Lisboa — “não podemos fazer sempre isto, mas há quem não tenha forma de se deslocar ao armazém para levantar a comida” —, Ricardo Queluz explica que se pretende “manter a ideia original do grupo” e fugir de quaisquer conotações políticas, religiosas ou futebolísticas. “Houve pessoas da União a partilhar isso [a frase de Graça Fonseca], mas a nível individual. O grupo em si tenta abstrair-se do que a ministra diz. Ela lá sabe.”

Assim foi. Entre comentários mais ou menos agastados, vários elementos de grupos de apoio ao sector cultural têm reproduzido os comentários da ministra, alguns com recurso à rima — “enquanto bebe drinks e fala de arte contemporânea, a União dá ajuda espontânea” —, outros sem disfarçar a tensão que vem desde a primeira hora, já lá vão quase dois anos (outubro de 2018). “Desde que entrou, nada de novo nem de bom aconteceu”, resume Marco Medeiros.

Parados durante três meses, e a viver agora uma tímida retoma, não é possível precisar o número de profissionais ligados às artes e ao espetáculo para quem parar significa rendimento zero. Mas, agora que o cheque do Ministério da Cultura, no valor de 1,7 milhões de euros, chegou a todos os destinatários elegíveis, o número de cabazes de alimentos destes grupos informais dão uma ideia do estrago. Ricardo Queluz tinha apontado este domingo à agência Lusa que a União Audiovisual ajudava “entre 150 a 160 pessoas”, mas agora, ao telefone com o Expresso, faz as contas e vê o número subir. “Lisboa e Algarve são as regiões onde estamos a distribuir mais, uns 20 a 30 cabazes por semana em cada uma”. Tendo em conta que a maioria dá para um casal, significa alimentos para cerca de 60 pessoas em Lisboa e no Algarve. Falta juntar todas as outras regiões e perceber que há mais de duas centenas de pessoas a receber ajuda. Todas as semanas.

“Fazemos cabazes para três semanas, um mês, com arroz, massa, feijão, salsicha, atum, frutas, batatas, cenouras, cebolas, legumes (duas couves ou duas alfaces, por exemplo), frango, rissóis, croquetes”, conta Queluz. Mas não são raras as vezes em que a mesma família é obrigada a regressar, semana após semana. “Tentamos arranjar maneira de termos mais coisas para preencher o cabaz e neste momento já temos apoio dos supermercados.” A coordenação, que envolve reuniões virtuais mas garante a autonomia de cada núcleo, é chave. “Há pouco tempo recebemos um donativo de uma tonelada de tomate para o Algarve e foi preciso distribuí-lo pelo país.”

É uma lógica diferente da do nosSOS, que em vez de apoios em forma de alimentos recebe donativos em dinheiro que transforma em cabazes. “Até junho estávamos a receber uma média de 15 a 20 pedidos por semana, mas felizmente desceu nas últimas semanas. Acreditamos que vai voltar a subir”, lamenta Marcos Medeiros. A própria companhia Palco13, sediada em Cascais, concorreu a um apoio da Direção-Geral das Artes e não sabe como sobreviverá sem ele. Sem espetáculos até janeiro, porque atuar numa sala pequena — “estar aberto seria uma despesa”, confessa — , a companhia tem os 12 trabalhadores a colaborar com o projeto de solidariedade.

“A única ajuda que tivemos até agora foi da Câmara de Cascais, com um espaço que nos permite fazer toda a logística e recolha de alimentos.” Marco Medeiros e os colegas da Palco13 fazem compras semanais pela internet e utilizam as entregas ao domicílio dos supermercados para as distribuir pelo país, diretamente para as casas. Agora estão a fazer uma média de 10 entregas por semana, a maioria de cabazes familiares. “O nosso formulário pede sempre que se diga se a pessoa ou a família tem crianças, animais, etc, para adaptarmos o cabaz.”
Receber comida e não ter gás para a cozinhar

Para Marco Medeiros, os números não dizem tudo. Primeiro porque mentem: “Nós sabemos que estes pedidos não refletem a realidade. Já não digo que seja por vergonha, mas por falta de comunicação. Para isto chegar a toda a gente, teríamos de investir noutros meios publicitários e aí o Ministério da Cultura poderia ajudar, mas não ajuda.” Sobra a internet, onde tudo está a ser feito. Acontece que quem não tem o que comer “muito menos tem internet”. “Há pedidos que nos chegam através de amigos por causa disso. E são pedidos de grande carência.”

O objetivo agora é divulgar a iniciativa, cujas regras estão explicadas AQUI, e que agora se dirige mais aos profissionais e menos à sociedade. Por enquanto, com a diminuição dos pedidos de ajuda, as angariações estão a ser suficientes para os cobrir.

O que os números também não explicam é que não se fazem omeletes sem ovos. “Já nos pediram dinheiro para uma bilha de gás. Nós não podemos mesmo fazer esse tipo de entregas. Mas como é que essa pessoa vai cozinhar sem gás?”, pergunta o diretor artístico da Palco13.

Questionados sobre o perfil de profissionais e as regiões de onde surgem mais pedidos de ajuda, os responsáveis referem de imediato o Algarve. “Muitos artistas plásticos, muitos músicos. Tirando bandas profissionais que toda a gente conhece, o negócio dos músicos de bar deixou de existir”, lembra Ricardo Queluz.

Marco Medeiros olha para dentro. “O teatro é um sector débil neste momento. As produtoras independentes estão em muitas dificuldades, porque é muito difícil sustentar uma equipa com pelo menos 10 pessoas. E mesmo quem regressar vai ter menos afluência, porque as pessoas também não estão com grandes facilidades económicas”, prevê o encenador.

Em comum, os dois têm uma outra resposta. “Contactos do Ministério?”, pergunta Medeiros. “Zero, até agora nada.”



Hepatite. Migrantes têm dificuldades acrescidas no acesso ao diagnóstico e tratamento

Francisco de Almeida Fernandes, in Expresso

Projetos Expresso. Barreiras linguísticas, legais e económicas separam, muitas vezes, um doente infetado do acompanhamento médico que pode trazer a cura. Apesar de existirem hospitais que contornam a lei e organizações não governamentais que tentam facilitar processos de legalização, as dificuldades são muitas. Este foi um dos temas abordados no debate dedicado ao Dia Mundial de Combate à Hepatite, promovido pelo Expresso com a Gilead, esta terça-feira (28 de julho)

“Assegurar o acesso dos cidadãos migrantes à saúde” deve ser o “dever de uma sociedade solidária em tempos de crise”. A frase é de Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, que falava ao jornal Público, em março, a propósito da medida anunciada pelo Governo para a legalização de todos os estrangeiros em situação irregular em Portugal. O objetivo era permitir que qualquer pessoa, independentemente da sua situação, pudesse receber cuidados de saúde se deles precisasse, de forma a fortalecer o combate à pandemia. Contudo, a ausência de um número de utente continua a ser, para muitos migrantes, um entrave ao diagnóstico e ao tratamento de infeções causadas pelos vírus das hepatites.

Quebrar as barreiras linguísticas, económicas e sobretudo legais é um dos grandes objetivos do projeto GAT’Afrik, do Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT). Edna Tavares explica que “o nosso papel é acompanhar e dar seguimento” aos processos de legalização de migrantes com origem em África, embora realce que este apoio está disponível à população em geral. A responsável pelo programa diz que “são raros os dias em que não nos chegam pessoas que foram ao centro de saúde e que viram a sua inscrição recusada por não terem título de residência” - documento cuja emissão, via Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), é demorada. Sem este procedimento burocrático concluído, estrangeiros a viver em Portugal não conseguem aceder ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e beneficiar das condições a que tem direito qualquer cidadão português.

‘Ana’, de 59 anos, é natural de São Tomé e Príncipe e está em Portugal há dois anos. Veio com diagnóstico associado a níveis elevados de colesterol, mas foi quando procurou o GAT para conseguir ajuda no processo de legalização que descobriu a infeção com o vírus da hepatite C (VHC). “Quando a Ana nos pediu ajuda, fizemos uma proposta de rastreio e percebemos que estava infetada”, conta Edna Tavares, detalhando que o GAT assegurou a ligação com o SEF e conseguiu dar a Ana acesso ao SNS. “Ajudaram-me a conseguir o documento e as consultas”, atesta a são-tomense. Desde fevereiro, Ana já pôde iniciar e concluir o tratamento para a hepatite C.

A coordenadora do GAT’Afrik explica que a organização não-governamental ajuda “com despesas relacionadas com a medicação, o transporte e refeição durante o acompanhamento”, procurando eliminar as barreiras que possam existir entre o doente e o tratamento. José Poças, que participou no debate dedicado ao Dia Mundial de Combate à Hepatite - organizado na passada terça-feira pelo Expresso com a Gilead - descreve o processo burocrático de legalização como um “verdadeiro calvário para as pessoas”. “Um imigrante que estivesse a fazer tratamento no seu país e queira continuá-lo aqui, se fizer as coisas como é obrigado a fazer, aquela pessoa vai interromper o tratamento até obter um título de residência”, partilha o diretor do Serviço de Infeciologia do Centro Hospitalar de Setúbal. Por isso, garante, comete “esta pequena ilegalidade” e dá seguimento à inscrição do doente porque, sublinha, o importante é “tratar, acompanhar e se possível erradicar” as hepatites virais.

Para que Portugal consiga cumprir o objetivo de eliminar as hepatites até 2030, José Poças não tem dúvidas de que é importante olhar para as populações de migrantes – em especial com origem na África Subsariana, Ásia ou Europa do Leste, onde a prevalência da doença é maior – e adotar uma política que permita “chegar às bolsas de doentes ocultos”. Organizações como GAT têm vindo a facilitar a identificação de doentes, em particular dos grupos mais vulneráveis, através do rastreio. Desde 2016, a instituição testou mais de 20 mil pessoas para as hepatites B e C, entre as quais 500 acusaram positivo. Luís Mendão, presidente do GAT, reconhece que “não é suficiente”, mas reforça que “é um grande esforço para uma ONG com poucos fundos conseguir fazer todo este trabalho”. “Os cuidados primários de saúde devem dar acesso aos rastreios” a todas as pessoas, remata o ativista.

A crise já chegou, mas os políticos não querem que se saiba

José Gomes Ferreira (opinião), in SicNotícias

É uma tragédia que se desenrola em quatro atos, estamos ainda no primeiro. A crise económica chegou, silenciosa, mas os principais dirigentes do país político e económico agem como se nada fosse. É como se, não falando do assunto, ele não existisse. A pior tragédia de Portugal é não querermos ver a realidade. Assim nunca a poderemos mudar.

A primeira parte da confirmação da tragédia está feita: a Direção-Geral do Orçamento acaba de anunciar um desequilíbrio nas contas do Estado superior a seis mil milhões de euros no primeiro semestre do ano. Na verdade este défice é quase todo só de um trimestre, de abril a junho, pelo que a segunda metade do ano deverá ficar marcada por um défice bem superior ao dobro do registado no primeiro semestre.

A segunda parte do anúncio da tragédia será daqui a poucos dias, em meados de agosto, quando o Instituto Nacional de Estatística publicar os dados do Produto Interno Bruto referentes ao primeiro semestre, revelando finalmente a profundidade do buraco cavado pela inatividade durante o confinamento e pelo desaparecimento das exportações relativas ao turismo e atividades associadas como o transporte aéreo, a restauração e outras.

A terceira parte será anunciada com o Orçamento do Estado para 2021, em outubro deste ano. Só então saberemos qual será a projeção do Governo para o fecho de 2020 e a previsão para o ano que vem, tanto em contas públicas, como em PIB e em contas externas.

A quarta parte será conhecida no início do ano que vem, quando os vários organismos públicos divulgarem os somatórios em termos reais da queda anual do PIB, do desacerto entre receitas e despesas do Estado e das contas externas do país durante o ano 2020.

Os líricos da recuperação em V ainda não perceberam que mais de 10 por cento do PIB desapareceu e não será recuperado nem daqui a cinco anos.

Entre os líricos contam-se os políticos que julgam que os seis mil milhões de euros por ano que Portugal vai receber da Europa vão ser suficientes para recuperar da crise. Ainda não perceberam que esse dinheiro não vem diretamente para as contas do Estado, vem para a economia e só indiretamente se vai refletir nas contas públicas. Mas mesmo que entrasse diretamente nas contas do Estado nem para tapar metade do buraco seria suficiente.

E se a queda da produção nacional é superior a 20 mil milhões de euros por ano, como é que os 6 mil milhões fundos europeus podem recompor o tecido económico se nem um terço do PIB perdido chegam a representar?

Presidente da República, primeiro-ministro e líder da Oposição continuam em estado de negação. Entretêem-se a bater palmas aos milhões que virão da Europa como se fossem a salvação do país, a desfazer calendários de debates parlamentares, a mostrar-se publicamente nas ações de caridade do regime e a comentar o calor dos dias.

O Governador do Banco de Portugal já percebeu: é preciso lançar rapidamente um programa do tipo TARP na Europa, à imagem do programa oficial dos Estados Unidos que se destinou à compra de ativos tóxicos dos bancos em 2008 – 2009. Bagão Félix também já admite uma crise bancária. Afinal, não são só os jornalistas exagerados que começam a falar do assunto.

Vem aí, ou melhor, já está aí uma brutal crise económica, que poderá ser seguida de uma crise financeira, que pode evoluir para uma crise bancária e para uma crise de financiamento do próprio Estado. A continuarmos pelo mesmo caminho não haverá compras do BCE que impeçam uma nova crise de dívida soberana nacional.

O Plano de recuperação económica apresentado por António Costa e Silva, apesar de dizer que são as empresas que são a chave do crescimento económico, atribui ao Estado o papel motor do regresso ao crescimento através de grandes obras públicas nomeadamente o TGV.

Ora, por mais fundos comunitários que Portugal possa obter para estes projetos, terá de haver sempre uma contrapartida de investimento nacional público (mais défice e mais dívida do Estado) e investimento nacional privado (mais endividamento das empresas à banca e da banca nacional no exterior).

Não sendo essa a vontade do autor do estudo, o Governo atual não deixará de aproveitar o plano de António Costa e Silva para aplicar a mesma receita que foi usada em 2009 pelo governo de José Sócrates, que haveria de nos conduzir à pré-falência em 2011.

Um modelo de grandes obras públicas destinado a aumentar ainda mais a faturação da Mota Engil e das grandes construtoras do regime; de aposta nos grandes contratos da energia que garantem rendas duradouras para os poucos grandes operadores do setor, com a EDP à cabeça; uma preferência cega pelos investimentos em setores de bens não transacionáveis, destinados a engordar os negócios dos amigos; numa palavra, um regresso ao passado.

Pensar em libertar todo o potencial de crescimento das nossas micro e pequenas e médias empresas facilitando licenciamentos e atribuindo alvarás em tempo útil para concretizar os investimentos planeados;

Acabar com a burocracia criminosa que retém as decisões para vender corrupção e que demora cinco anos a responder a um simples pedido para aumentar uma linha de montagem e 15 anos para autorizar a instalação de uma nova fábrica;

Fomentar a produção das micro e PME para substituir as importações que esgotam os recursos financeiros nacionais;

Fomentar a exportação ajudando as micro e PME a ultrapassar as barreiras dos mercados internacionais;

Criar uma companhia pública de seguros de crédito à produção e exportação, para concorrer com a atual companhia que é dominada pelos bancos e só dá créditos a custos altíssimos;

Infelizmente, estes verdadeiros desbloqueadores da atividade económica concorrencial e sustentável não são objetivos do nosso Governo.

Nem sequer fazem parte do discurso do Presidente da República nem do líder da Oposição.

Em Portugal ninguém das elites fala da crise que já chegou. Por isso, não é de esperar que se procurem as verdadeiras soluções.

Ah, e já agora: os culpados da crise só podem ser os que andam sempre a falar nela...

Pandemia apaga metade do emprego criado nos governos de António Costa

Luís Reis Ribeiro, in DN

Desemprego oficial esteve escondido, mas o desconfinamento começa a revelar a triste realidade. Desaparecerem 181 mil empregos ao todo, desde março.

Quatro meses de pandemia (de março a junho deste ano) apagaram mais de metade da criação de emprego obtida pela economia portuguesa durante os governos PS, de António Costa, indicam cálculos do Dinheiro Vivo com recurso às estimativas mensais de emprego e desemprego, ontem divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

De acordo com as séries mensais históricas (ajustadas de sazonalidade) do INE, o emprego criado desde que o PS foi para o governo e até às vésperas da pandemia de covid-19 (de dezembro de 2015 a fevereiro de 2020) traduziu-se numa criação líquida de 350,9 mil postos de trabalho. Mas de fevereiro em diante tudo mudou. Com a imposição de confinamento à população e o encerramento de largas partes da economia logo em março, o emprego colapsou imediatamente.

Pelos cálculos do DV, entre março e junho (sendo que o valor deste último mês ainda é provisório, poderá vir a ser mais baixo), desapareceram 180,7 mil postos de trabalho da economia, ou seja, mais de 51% do emprego criado desde dezembro de 2015, o primeiro mês completo do governo de António Costa.

Esta crise apaga também muitos dos ganhos em termos de emprego que precederam o governo do PS. O INE mostra que o nível de emprego atingiu o valor mais baixo das séries em janeiro de 2013, quando este baixou para 4 292 800 de pessoas com trabalho. Estava o país em pleno programa de austeridade e de saneamento do governo PSD-CDS e da troika.

Desde aí, embora com alguns altos e baixos, a tendência do emprego foi claramente de subida. Desde esse ponto mais baixo, Portugal registou uma criação líquida de 546 mil empregos em termos líquidos.

Ora, isto significa que estes quatro meses de pandemia (que ainda não terminou, podendo haver uma segunda vaga) apagou do mapa precisamente um terço desse emprego desde o tempo da troika até fevereiro deste ano.

Ontem, o governo, através do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, comentou os números do INE dizendo que alguns indicadores recentes da atividade das empresas e do emprego "levam a pensar que o ponto mais crítico já passou". "Hoje mesmo tivemos notícias do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) que nos levam a pensar que, de facto, o ponto mais crítico desta contração económica já ficou para trás", afirmou, em declarações aos jornalistas.

O ministro aceitou que existe um "crescimento do número de desempregados", mas contrapôs que "em junho já houve mais ofertas de emprego e mais colocações de trabalhadores do que em maio". "Ainda é muito pouco, mas claramente já existe aqui um abrandamento na subida de desemprego".

Desemprego: o monstro voltou a acordar?

O INE explica que muito desemprego ficou escondido ou adormecido durante os meses da pandemia porque muita gente teve de acatar fortes limitações impostas à sua circulação pelo que não procurou emprego, muitos milhares de contratos de trabalho foram simplesmente suspensos ao abrigo do lay-off, muitas empresas fecharam portas à espera do fim do confinamento, muitas outras já faliram entretanto, pelo que foi interrompida a oferta de empregos.

Os novos desempregados ficaram assim abaixo do radar e não apareceram. O desemprego oficial até desceu nestes meses da pandemia. Mas em junho isso já não acontece. À medida que as pessoas foram tendo mais mobilidade e começaram a procurar emprego, eis que a dura realidade emerge: muitos mais puderam afirmar ao INE que procuraram ativamente trabalho e não encontraram.


De acordo com o INE, "em junho de 2020, a população desempregada - cuja estimativa provisória foi de 350,9 mil pessoas - registou um aumento de 21,2% (61,3 mil) em relação ao mês anterior" e subiu 3% (mais 10 mil casos) face a junho de 2019.

Assim, a taxa de desemprego (dados provisórios) subiu de forma pronunciada em junho, para 7% da população ativa. Ou seja, A taxa de desemprego medida pelo INE ainda deverá subir muito mais este ano. Por exemplo, no orçamento suplementar, o governo prevê uma média anual de 9,6%. A OCDE diz 11,6% e o Banco de Portugal projeta 10,1% no cenário menos adverso.

O INE refere ainda que a taxa de desemprego dos jovens disparou para 25,6% da população ativa com menos de 25 anos. Ou seja, estão sem trabalho mais de 81 mil jovens, revela o instituto a título provisório.

Como referido, o emprego também se está a esvair rapidamente. Depois de ter tombado 3,8% em maio (face a igual mês do ano passado), a população dita empregada voltou a cair 3,6% em junho.
Subaproveitados

Ainda segundo o INE, a taxa de subutilização do trabalho, o melhor indicador para medir os impactos da pandemia no mercado laboral (sobretudo quando houve confinamento ou algumas restrições, algo que hoje ainda acontece), disparou para 14,6% da população em maio e agravou-se ainda mais em junho, estando nessa situação 820 mil pessoas.


Segundo o INE, "a subutilização do trabalho é um indicador que inclui a população desempregada, o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inativos à procura de emprego mas não disponíveis para trabalhar e os inativos disponíveis mas que não procuram emprego".

No fundo, é o indicador que reflete o desemprego em sentido lato ou real, pois agrega desempregados e todos as outras pessoas que estão nas margens do mercado de trabalho ou subaproveitadas. Face a junho de 2019, o número de subutilizados disparou mais de 17%, ou seja, há mais 121 mil pessoas nesta situação marginal, precária, sem conseguir trabalhar.

Um novo contrato social para uma nova era

Ana Paula Laborinho, in DN

Ainda antes da pandemia, que virou o nosso mundo do avesso, já eclodiam vagas de protestos em vários continentes, de França ao Chile, de Hong Kong aos Estados Unidos, mostrando que, apesar de termos alcançado assinaláveis progressos, algo na sociedade globalizada não está a funcionar. O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2019 do PNUD, apresentado em final do ano passado, é esclarecedor na identificação deste descontentamento crescente, tão crescente como as desigualdades. O seu título "Além do Rendimento, Além das Médias e Além do Presente" é já de si um apelo a políticas públicas que possam combater as novas desigualdades e respondam às expectativas das pessoas em relação ao futuro.

Nas últimas décadas, houve uma diminuição da pobreza extrema, aumentou a sobrevivência na primeira infância, mais crianças foram à escola e aí permaneceram mais tempo, houve maior resiliência a choques recorrentes como catástrofes naturais e atingiu-se um nível tecnológico elementar com a generalização dos telemóveis. Contudo o aumento dos rendimentos e as médias que podemos inferir tornaram ainda mais evidentes as desigualdades. Não chega que todos tenham acesso à escola ou aos cuidados de saúde, importa que seja uma educação de qualidade, inclusiva e igualitária, haja condições para frequentar o ensino superior, todos beneficiem de tecnologias avançadas e os padrões dos cuidados de saúde sejam melhorados.

O desenvolvimento trouxe uma maior consciência das diferenças de oportunidades entre cidadãos do mesmo país ou região, o que fez alastrar o descontentamento e o desânimo diante do futuro. Como assinala o Relatório citado, estas desigualdades enfraquecem a coesão social e a confiança nas instituições, prejudicam as economias, desperdiçam o potencial das pessoas e têm um efeito perverso nas sociedades. Não se trata somente de desigualdades no rendimento e na riqueza, mas de um fosso cada vez maior entre os que se encontram mais capacitados para enfrentar o futuro e aqueles que conjugam todos os fatores para ficar para trás, mesmo tendo acesso às condições básicas de sobrevivência.

A pandemia que vivemos também veio mostrar a diferente resiliência face a choques inéditos como a crise social e sanitária que nos toca a todos, mas desabou de forma brutal sobre os mais vulneráveis e poderá fazer recuar décadas de progresso.

Na América Latina, onde os efeitos da atual situação são devastadores, prevê-se um aumento de 45 milhões de pobres, dos quais 28 milhões em situação de pobreza extrema. Regressará a fome, o abandono escolar e também mais violência. O trabalho informal voltará a crescer, invertendo a trajetória de empregos formais, mais seguros e com receitas fiscais que permitiam responder a necessidades sociais. É um perigoso regresso ao passado em que as próprias democracias são postas à prova.

Num recente debate sobre a atual situação no espaço ibero-americano, tornou-se nítida a vantagem de Espanha e Portugal por integrarem o esforço conjunto da União Europeia, parto difícil, mas alcançado, prevendo-se a mobilização de recursos para fortalecer a matriz produtiva, proteger empregos e manter o comércio aberto. Se os mesmos modelos de comunidade não podem (nem devem) ser aplicados na América Latina, o caminho está decerto numa cooperação horizontal em que se aproveitem e reforcem as redes colaborativas e a partilha de conhecimento, com o contributo multilateral.

Há quem diga que só agora entrámos em pleno no século XXI, pela mudança qualitativa que estamos a viver. Se o desafio do desenvolvimento que herdámos do século XX tinha como objetivo que todos tivessem as oportunidades básicas para uma vida digna, tornou-se urgente responder às expectativas das pessoas em relação ao futuro, incluindo a salvaguarda do planeta. Muitos dos que estão a nascer, já conhecerão o século XXII e serão as atuais gerações que os vão preparar para uma sociedade que apenas se vislumbra.

Há poucos dias, foi lançado em Portugal o Programa UPskill - Digital Skills & Jobs, iniciativa dedicada ao reforço de competências digitais e ao aumento da oferta de profissionais na área das tecnologias de informação e comunicação. O Programa destina-se a colocar no mercado de trabalho profissionais formados em áreas específicas das TIC que possam ajudar as empresas nos seus processos de transformação para o digital, dotando-as de recursos qualificados e, em paralelo, requalificar e formar pessoas em áreas de trabalho do futuro, garantindo-lhes empregabilidade.

Também, recentemente, a Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) lançou o Instituto Ibero-americano de Educação e Produtividade, com o objetivo de contribuir para melhorar a produtividade e a competitividade das economias da região através da extensão e qualificação da educação e da ciência, elementos chave para que seja possível inverter tendências de longa data como a dependência da venda de matérias-primas e mão-de-obra barata, construindo em alternativa uma economia em que a inovação e o conhecimento sejam os principais ativos.

Passos em direção a uma nova era em que se exige um novo contrato social, como apelava há dias o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres. Um contrato social que aposte em políticas de salvaguarda do emprego, das condições de trabalho, da igualdade de género, em que se promova a formação qualificada e em que seja possível estimular as economias, viver em equilíbrio com a natureza e garantir os direitos das gerações futuras.

A covid-19 e o longo inverno do Algarve: empresários do turismo alertam para espectro do desemprego, Governo tarda em dar respostas

Hélder Gomes, in Expresso

Os números do INE confirmam o efeito da pandemia na taxa de desemprego, agora nos 7%, mas o ministro da Economia diz que “o ponto mais crítico ficou para trás”. Os empresários do turismo algarvio não se mostram tão otimistas, antes pelo contrário, e tentam perceber como os fundos europeus serão aplicados no sector. O grande receio é que quando o dinheiro chegar já não possa reparar o estrago na malha social e económica da região 

O sector do turismo em Portugal está a atravessar o seu segundo inverno consecutivo em pleno verão por causa da pandemia de covid-19 e teme pelo que pode acontecer no terceiro. As perspetivas não são animadoras, apesar do otimismo do ministro da Economia, Pedro Siza Viera. O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou esta quarta-feira que a economia perdeu cerca de 183 mil empregos em apenas três meses. Para o ministro, “o ponto mais crítico da contração económica ficou para trás” mas os empresários do sector do turismo, um dos mais afetados, receiam que o socorro chegue demasiado tarde.

Com o desemprego nos 7%, Siza Vieira deixou uma nota de esperança: a retoma “vai ser muito desigual e muito incerta, mas vai acontecer”. A garantia não deixa descansado o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas. “No fim do mês de julho, o aumento do desemprego acumulado na região foi de 232% relativamente ao ano passado. Estamos a falar de desemprego no sector turístico e nas atividades relacionadas, como a restauração, os empreendimentos, o comércio e similares”, descreve ao Expresso.

“O Algarve é a região mais afetada - quer económica quer socialmente -, uma vez que depende da atividade turística enquanto sector principal”, sublinha. Na véspera, a presidente do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla inglesa), Gloria Guevara, alertara que a imposição de quarentenas entre países europeus devido à pandemia põe em risco até 197,5 milhões de empregos este ano em todo o mundo. Em entrevista à agência de notícias EFE, Guevara referiu que, no pior dos cenários, a queda do turismo vai causar uma perda no Produto Interno Bruto (PIB) mundial de 4,7 biliões de euros. 

As pessoas receiam mais ficar presas num país do que ficar contagiadas

A falta de colaboração entre os países europeus para estabelecer um quadro comum contra a covid-19 fará aumentar o número de empregos afetados no continente em 2020 de 18,4 milhões para 29,5 milhões, com uma perda de 1,4 biliões de euros no PIB, advertiu a presidente do WTTC. A responsável mostrou-se ainda preocupada com a “politização” das respostas nacionais ao coronavírus e que os países “comecem a pensar na reciprocidade”. Segundo Guevara, a quarentena representa o principal dano para o turismo porque a desconfiança que a medida gera faz com que as pessoas receiem mais ficar presas num país do que ficar contagiadas.

“Se eu posso estar de acordo com alguma coisa que a senhora do WTTC disse, é que, de facto, a Europa não teve uma estratégia única e transparente”, assinala Elidérico Viegas. “Cada país decidiu as restrições à sua maneira. Continuam a levantar-se restrições de forma pouco transparente, de país para país”, aponta, exemplificando com a decisão das autoridades britânicas de manterem Portugal fora da lista de destinos seguros. “O Reino Unido teve um impacto muito grande no Algarve porque esperávamos realizar já alguma receita em julho e agosto para esbater os prejuízos dos meses anteriores. Com a restrição do Reino Unido nos corredores aéreos, obviamente tudo isso ficou em causa e agravou ainda mais a situação.”

Guevara considera essencial que a reabertura do turismo se faça de forma coordenada, concertando medidas como a utilização de máscaras ou a realização de testes à covid-19 à chegada. Neste momento, uns países aplicam estas medidas e outros não. O turismo precisa de “soluções consistentes”, pelo que é necessário chegar-se a acordo sobre quais são as regras e garantir a sua aplicação a todos, defende, insistindo que se correr mal para um país, “corre mal para a Europa”.
“O nosso share nos mercados europeus e internacionais é peanuts”

Elidérico Viegas lembra que o WTTC é “uma estrutura dos grandes grupos empresariais do sector do turismo” e, por isso, “tem uma perspetiva mundial das coisas e não se focaliza nas regiões de países pequenos”. “Para nós, o turismo é muito importante mas o nosso share nos mercados europeus e internacionais é peanuts. No Reino Unido, que é o nosso maior fornecedor de turistas, o nosso share não chega aos 2%”. O presidente da AHETA não quer com isto dizer que o WTTC está “errado”, antes que “ao transpormos a sua visão para destinos com especificidades muito próprias podemos correr o risco de sermos induzidos em erro”.

Ou seja, as previsões daquele Conselho podem até pecar por defeito. “Já é difícil aplicar as previsões mundiais a um país pequeno como o nosso, quanto mais aplicar ao nosso turismo e à nossa região”, reforça. Mas não é por falta de conhecimento da realidade e das perspetivas do sector que não se tomam medidas, garante Elidérico Viegas. “Essas propostas existem e os empresários estão disponíveis para colaborar e fazer parte da solução. Nem podia ser de outra maneira: se as medidas forem tomadas à revelia do sector e não refletirem as propostas do sector, correm o risco de não produzirem efeito.”

Perante o cenário traçado pelo WTTC e pelo INE, importa perceber que consequências terá na Segurança Social e se (e de que modo) o Fundo de Recuperação Europeu será usado para socorrer as pessoas e empresas afetadas. O Turismo de Portugal não respondeu às perguntas do Expresso nem tão-pouco o Ministério da Economia, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Não basta o “bolo da UE”, é preciso uma “política económica nacional”

O presidente da AHETA queixa-se de não ter sido “contactado por ninguém”, “o que não deixa de surpreender”. “O ministro da Economia disse-o e foi corroborado mais tarde pelo primeiro-ministro: a aprovação de um plano específico para recuperar o turismo do Algarve não é para daqui a dois anos, é para já”, explica. “O bolo que vem da União Europeia (UE) tem uma parte afeta à recuperação do turismo e portanto faz todo o sentido que o plano a apresentar à UE integre o conjunto de planos sectoriais e regionais, como o caso do Algarve”, salienta ainda. “O Governo sabe que tem de apresentar até outubro um plano de investimento e de apoios sectoriais para ser aprovado pela UE.”

Mas outubro não será demasiado tarde? “Sim. Por isso é que se justifica que, independentemente dessa data, haja já da parte do Governo medidas específicas de curto prazo até à elaboração do plano mais abrangente”, diz Elidérico Viegas. “É preciso termos consciência que no Algarve tivemos uma estação baixa que terminou em março. Preparávamo-nos para uma época turística que, em termos de previsões, seria melhor que a do ano anterior. Com a pandemia, isso não se verificou e houve uma quebra total da atividade.”

Além do “bolo da UE”, “a política económica nacional” também tem de entrar em ação, defende. “Sendo o turismo um sector estratégico e prioritário da economia, não faz sentido outra coisa. Ainda não houve verdadeiramente medidas específicas para o sector turístico nem para o Algarve. As mais recentes medidas aprovadas em Conselho de Ministros são medidas para o país, para outros sectores de atividade e não especificamente para o Algarve nem para o sector do turismo.” E há uma agravante: “As medidas são anunciadas até dezembro quando sabemos que, no caso do turismo do Algarve, a retoma que houver só terá início na Páscoa do próximo ano, com o arranque da nova época turística. Não fazem sentido medidas aprovadas até dezembro se depois vamos continuar em estação baixa”.