Miguel Monjardino, in Expresso
O Médio Oriente é um paradoxo. Por um lado, tem absorvido imensa atenção na imprensa nacional e internacional nas últimas décadas. Toda a gente tende a ter uma opinião sobre a região. Se o debate se gerar à volta do eterno problema entre palestinianos e israelitas, o melhor é nem falar. Aqui não há opiniões mas sim paixões definitivas. Uma geração inteira de diplomatas, políticos e académicos internacionais fez a sua carreira à volta deste assunto. Portugal não escapa a esta obsessão. Suspeito que há mais especialistas nacionais na questão palestiniana do que sobre a Espanha, a Alemanha ou o Brasil.
Por outro lado, a contribuição do Médio Oriente para a evolução do mundo ao nível intelectual, económico e tecnológico tem sido simplesmente patética. Os níveis de pobreza, desemprego e analfabetismo são muito elevados. Apesar dos esforços dos países do Golfo Pérsico e da Arábia Saudita nos últimos anos para adotar o modelo norte-americano, a qualidade das universidades árabes é má. O número de patentes registadas é baixíssimo. A comparação com Israel, um país cheio de Prémios Nobel e universidades de nível mundial, é penosa. Finalmente, a contribuição do Médio Oriente para a economia internacional tem sido bastante pequena. A única distinção política da região é ter o maior número de autocracias a nível internacional.
No meio de toda a atual atenção está um arrefecimento regional a todos os níveis, que levou a que região fosse completamente ultrapassada. Até há umas breves semanas, o papel do Médio Oriente foi ser um espectador da história. Os países mais influentes a nível regional - Israel, Turquia e Irão - não são árabes.
A Tunísia, o Egito e uma série de acontecimentos ao longo do arco geográfico que vai até ao Bahrein e Iémen mostram que o longo período de arrefecimento político regional está a chegar ao fim. 2011 assinala o início de uma época de aquecimento político global no Médio Oriente. Três coisas vão condicionar a evolução desta época.
A primeira será a crescente dificuldade das autocracias e ditaduras garantirem a sua sobrevivência. Isto não quer dizer que os países do Médio Oriente estão agora a caminho da democracia liberal. Estamos a falar de uma região onde os clãs, as tribos e as suspeitas religiosas são fortes e as instituições e as sociedades civis são fracas. Esta não é uma combinação feliz. Além disso, é importante não esquecer os revolucionários da Al-Qaeda ou dos grupos nela inspirados. As revoluções e as transições políticas são coisas sempre confusas e caóticas. E são também uma oportunidade estratégica para os revolucionários. Apesar de todas estas dificuldades, uma parte substancial das sociedades árabes parece determinada a viver de uma forma mais digna.
A segunda coisa a ter em conta é a estrutura demográfica dos países árabes. Todos estes países têm populações muito novas. A idade média em quase todos eles ronda os 25 anos. O aquecimento político global que se está a fazer sentir exige a criação de milhões de empregos, investimentos em infraestruturas e a atração de investidores internacionais. Tudo isto exigirá mudar substancialmente as regras e a estrutura de muitas destas economias.
Finalmente, a nova fase política do mundo árabe coincide com o fim de um período de mais de 25 anos em que os preços dos cereais nos mercados internacionais foram baixos. O rápido crescimento económico na Ásia e América Latina e a quebra da produtividade e da investigação científica ao nível agrícola ajudam a explicar a atual subida de preços. As consequências políticas e orçamentais destas subidas em países com populações muito pobres serão difíceis de gerir. Pelos vistos, vamos continuar a prestar muita atenção ao Médio Oriente.