Por Ana Rita Faria, in Jornal Público
Roubou o segundo lugar do ranking ao Japão e agora só tem os EUA pela frente, mas os desequilíbrios internos ameaçam o "milagre" do crescimento
Até há pouco tempo, era conhecida como a fábrica do mundo, de onde saíam milhões de brinquedos e têxteis baratos sob o signo made in China. Mas o gigante asiático mudou de feição. Comprou marcas globais como a IBM e a Volvo, tornou-se o maior fabricante mundial de telemóveis, computadores e carros, e estendeu os seus investimentos à América Latina e a África. A sua voz entre as grandes potências mundiais ganhou estatuto e a economia, que já convivia entre os grandes, tornou-se ainda maior.
Na semana passada confirmou-se o que já era esperado: em 2010, a China roubou ao Japão o título de segunda maior economia mundial. À frente só já estão os EUA e as previsões apontam para que, em menos de uma década, o dragão asiático passe a liderar a economia mundial. Mas nem mesmo o fulminante crescimento chinês está isento de riscos.
A China precisa de energia suficiente para abastecer um território enorme onde cabem 104 países da dimensão de Portugal. Precisa de resolver os problemas decorrentes das migrações do campo para a cidade, criar um sistema de protecção social, tirar milhões de pessoas da pobreza e resolver o problema da poluição. Apesar de deter 2,6 mil milhões de dólares em reservas monetárias de outros países, sobretudo dos EUA, o PIB per capita chinês é seis vezes inferior ao norte-americano (ver texto ao lado). E a China precisa de afinar o seu modelo de crescimento, que continua demasiado dependente das exportações e do investimento público.
A evolução daquela que é hoje a segunda maior economia mundial foi, no mínimo, surpreendente. Em 30 anos, o PIB chinês passou de 202 mil milhões de dólares para 5,7 biliões, um aumento de 2700 por cento. O primeiro passo deu-se em 1978, com a mudança de política económica do regime. Com Deng Xiaoping na liderança, o país orientou-se para o mercado, abrindo-se ao investimento e ao comércio internacional. Na última década, a China cresceu mais de dez por cento ao ano. Ultrapassou a Alemanha como maior exportadora, tornou-se a segunda maior importadora (apenas atrás dos EUA) e também a maior consumidora de energia do planeta. Agora é a segunda maior potência mundial. Mas a história de sucesso pode não ficar por aqui.
Várias previsões - da consultora PricewaterhouseCoopers ao grupo bancário Standard Chartered, passando pela revista Economist - apostam que, em 2020, a China já terá ultrapassado os EUA, tornando-se a maior economia mundial (actualmente, o PIB da economia chinesa é menos de metade do dos EUA). Aliás, olhando para uma evolução do PIB em termos de paridade do poder de compra (que ajusta o PIB ao poder de compra de cada país, corrigindo diferenças de preços), a China já ultrapassou o Japão em 2001 e está a uma distância bem menor dos EUA.
Mas há cada vez mais especialistas a falar dos riscos da previsão que coloca a China na liderança mundial. Michael Pettis, professor de Finanças na Universidade de Pequim, lembra que já houve, no passado, muitas projecções que eram dadas como quase certas: nos anos 50, previa-se que a União Soviética ultrapassasse os EUA nos anos 90 e, mais tarde, apostou-se que seriam a Alemanha e o Japão a liderar a economia mundial. Segundo Michael Pettis, o raciocínio de que a China ficará acima dos EUA dentro de dez anos só é possível se partirmos do pressuposto de que a sua taxa de crescimento de dez por cento é sustentável. O problema, defende, é que não é.
Os especialistas têm enumerado vários riscos para o crescimento chinês: envelhecimento da população e falta de população activa (devido à política do filho único), bolhas de crédito, fortes subidas de preços, dívidas incobráveis, capacidade produtiva em excesso e crescimento monetário rápido. Na raiz do problema está um modelo económico que tem privilegiado as exportações e o investimento, e só nos últimos anos começou a olhar com mais atenção para o consumo privado.
Entre 1997 e 2009, o investimento bruto passou de 32 para 46 por cento do PIB, enquanto o consumo das famílias caiu de 45 para 36 por cento, o nível mais baixo de sempre registado numa das principais economias mundiais. Mais do que das exportações de baixo custo, o crescimento chinês tem vivido à custa da expansão contínua do investimento, sobretudo público. De acordo com o Standard Chartered, bastaria um corte de dez por cento no investimento para a economia já não conseguir crescer. O Estado e os Governos locais têm, por isso, continuado a investir maciçamente, mesmo correndo o risco de gerar sobrecapacidade.
Esta semana, por exemplo, o Governo anunciou que iriam ser construídos mais 45 aeroportos nos próximos cinco anos, elevando o número total destas infra-estruturas para 220. O problema é que boa parte dos aeroportos existentes estão já a apresentar perdas, ao mesmo tempo que se prossegue com a expansão de uma linha ferroviária de alta velocidade.
A alternativa - e a aposta que o Governo elegeu para este ano - é fazer aumentar o consumo privado. Com uma população de 1,3 mil milhões de pessoas, a China tem um potencial de procura interna muito elevado que pode alimentar não só as suas indústrias, mas também as de outros países. Mas há um dilema: para aumentar o consumo, o rendimento das famílias teria de crescer. Só que isso implica menos lucros para as empresas e, portanto, o risco de colapso no investimento. Ou, pior, o risco de perder competitividade num mercado mundial onde triunfou graças aos baixos custos.
Somando a isso a disparidade de rendimentos dentro das suas próprias fronteiras, a falta de um sistema de protecção social e as pressões americanas para valorizar a sua moeda (ver textos ao lado), a China parece ter pela frente um longo caminho até destronar os EUA do pódio mundial.