Por José Bento Amaro, Jornal Público
A decisão da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) em propor a abertura de um processo disciplinar ao guarda que, em Setembro passado, na cadeia de Paços de Ferreira, utilizou uma arma eléctrica para neutralizar um detido foi fundamentada com o facto de antes não terem sido utilizadas outras técnicas, nomeadamente o uso da força física ou de um gás neutralizante. O incidente está, entretanto, a fazer crescer uma onda de protestos no exterior, com um comité especializado do Conselho da Europa a lembrar uma advertência recente visando a proibição daquele tipo de armamento nas prisões.
No vídeo de 14 minutos, que o PÚBLICO divulgou na segunda-feira e cuja filmagem esteve a cargo dos próprios guardas, vê-se a aproximação de uma equipa do Grupo de Intervenção de Segurança Prisional (GIPS) à cela onde se encontra o recluso Carlos Gouveia. Os guardas trocam algumas palavras com o preso, que não oferece resistência física, mas que se nega a limpar o chão, onde há vários dias defecava e espalhava comida. Há fezes no chão, nas paredes e na porta da cela. O homem, só com umas cuecas vestidas, vira-se de costas à ordem dos guardas e é de imediato atingido pelo disparo da arma eléctrica.
O regulamento de utilização dos meios coercivos nos estabelecimentos prisionais diz, no ponto 3 do artigo 12.º, relativo a armas e dispositivos eléctricos, que a utilização deste tipo de equipamento "só é permitida quando seja impossível alcançar a mesma finalidade através do uso da força física ou de um gás neutralizante", o que, de facto, não aconteceu.
O guarda que agora pode ser punido disciplinarmente tem, no entanto, a seu favor os antecedentes violentos do recluso, o qual tem sido constantemente punido com o encarceramento em alas de segurança nas prisões de Paços de Ferreira, Coimbra e Caxias (as celas têm sete metros quadrados e o recluso não tem direito a televisão nem qualquer meio informático, não pode comparecer no refeitório e só dispõe de uma hora diária de recreio e, mesmo assim, longe dos outros presos). Um guarda conhecedor do processo explicou ao PÚBLICO que, na ocasião, poderia ter sido "mais perigoso dominar [o preso] recorrendo à força física ou com o gás, porque isso não o iria imobilizar de imediato e resultaria, quase de certeza, numa reacção violenta contra os guardas".
A defesa do guarda vai ainda argumentar que foram cumpridos os outros preceitos do regulamento, nomeadamente os que determinam a escolha do tronco como local de impacto dos dardos eléctricos e a imediata condução da pessoa que sofreu a descarga a um posto clínico, onde estará, obrigatoriamente, um médico ou um enfermeiro. No caso de Paços de Ferreira, um enfermeiro acompanhou toda a acção.
Por outro lado, também já é ponto assente que a utilização da pistola Taser ocorreu com o conhecimento das chefias, conforme está explicitado no regulamento (artigo 12.º, parágrafo 9). "As armas e dispositivos eléctricos não se destinam a distribuição de rotina, permanecendo no armeiro, do qual só podem ser retirados quando seja previsível a necessidade da sua utilização, por ordem do director do estabelecimento prisional ou, no caso do GIPS, do director de serviços de segurança", diz o documento.
Apesar de a utilização das armas eléctricas estar regulamentada em Portugal desde 2009, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa manifesta o seu desagrado. Ontem, em contacto com o PÚBLICO, o português Francisco Empis lembrou que aquele organismo, sediado em Estrasburgo, só admite a utilização de equipamento eléctrico quando existe perigo de vida.